Diagramas |
Como configurar a zona leste de São Paulo, |
Fazer marcas ao acaso, zonas, lançar tinta em ângulos e velocidades variadas, recobrindo dados figurativos existentes. O diagrama é uma catástrofe, a introdução de um Saara. Como se mudássemos de unidade de medida, substituindo unidades figurativas por unidades micrométricas ou cósmicas. Traços acidentais, livres, ao acaso, rompendo a organização ótica, a figuração. O diagrama é o conjunto operatório de linhas e zonas, de traços e manchas a-significantes e não representativos. A operação do diagrama é introduzir possibilidades de fato. Sob a ação destas marcas, o conjunto visual não será mais uma organização ótica. Todo diagrama é uma multiplicidade espaço-temporal. Instável ou flutuante, tomando matérias e funções para constituir mutações. Não funciona para representar um mundo pré-existente. Opera desfazendo realidades e significações dadas, constituindo conjunturas inesperadas e contínuos improváveis. As sociedades são uma rede de alianças, irredutíveis a uma estrutura. O diagrama é diferente da estrutura: as alianças tecem uma rede frouxa e transversal, uma estratégia diferente da combinatória, formando sistemas instáveis, em perpétuo desequilíbrio. Diagrama é uma exposição de relações de forças: relações multipontuais e difusas. Uma carta de densidade e intensidade que procede por ligações não-localizáveis, passando a todo instante por todos os pontos. Apresentação das relações de forças próprias de uma formação, a repartição do poder de afetar e de ser afetado, a amarração de funções não-formalizadas e matérias não-formadas. O poder é diagramático: mobiliza matérias e funções não-estratificadas. Não passa pelas formas, mas por pontos, que marcam a aplicação de uma força (ação e reação), um efeito sempre local e instável. O diagrama é uma emissão: por isso as relações são ligações móveis e não-localizáveis.
As relações de poder constituem uma estratégia, exercício do não-estratificado, pois escapam às formas estáveis. A instabilidade das relações de poder define um campo estratégico, não estratificado. Essa disjunção de formas é o lugar onde se dá o diagrama informal. Os agenciamentos concretos são portanto cortados pelo interstício pelo qual se efetiva o dispositivo. Os agenciamentos concretos (descontínuos, fechados) se comunicam no dispositivo abstrato, que lhes confere uma segmentaridade mole e difusa. Um diagrama é uma sobreposição de mapas: ao lado dos pontos que conecta, outros pontos ficam livres, de criação e mutação. As relações de força são só potenciais, instáveis, enquanto não entram num conjunto macroscópico que lhes dê forma. Uma atualização que se faz por integrações progressivas, locais e depois globais. As relações de poder acabam integradas (estratificadas) localmente. Como se faz a integração? Através da curva que une os pontos singulares. O diagrama (emissão de singularidades) se opõe à curva (que as reúne passando pela vizinhança). A curva regulariza e alinha as relações de força em séries. Dois modos de fixar relações de força instáveis, de localizar e globalizar as difusões: o quadro e a curva, as duas potências heterogêneas de formalização. Estruturas históricas se contrapõem às configurações de poder, relações de forças num elemento informal e não-estratificado. O diagrama se distingue do estrato, formação que lhe dá estabilidade. O diagrama existe sempre fora dos estratos. Não há encadeamento por continuidade, mas por cima das rupturas e descontinuidades. O diagrama remete a um fora que não tem forma, visa chegar ao não-estratificado. Se faz no interstício, na disjunção, sob a intrusão de um fora que abre um intervalo. Não é o composto (estratificado) que transforma, mas as forças de composição, relacionadas com outras forças de fora (estratégias). O mundo é feito de superfícies sobrepostas, estratos. Mas os estratos são atravessados por uma fissura, que reparte os quadros e as curvas. Trata-se de passar sobre os estratos para atingir o fora, um elemento atmosférico, uma substância não-estratificada. Este fora informal é como uma zona de turbulência, onde se agitam pontos singulares e relações de força entre eles. A cada estado atmosférico corresponde um diagrama de forças: uma estratégia. A estratégia é aérea ou oceânica. As relações de forças informais se atualizam em duas formas heterogêneas, as curvas e os quadros. Mas eles saltam a fissura que os separa, se diferenciando sem deixar de se integrar.
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Textos de Gilles Deleuze, em: |
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