nelson félix
 
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A torre leste do SESC _ e o conjunto industrial em que se localiza _ é tão grande que parece comportar toda a região. Todos os elementos desse enorme terreno vago, desprovido de significação histórica e identidade arquitetônica, estão concentrados nesta aglomeração de galpões e edifícios vazios. A megalópole nos põe diante do imensamente grande, para o qual não temos medida. Uma crise resultante da metropolização e da integração global: não se tem mais parâmetros para representar as novas escalas espaciais e temporais instauradas pelo desenvolvimento da técnica e dos meios de comunicação e transporte.

O que está em questão aqui são os limites da figuração, a incapacidade da mente humana para representar as enormes forças da metrópole. Um modo de representar uma organização da produção e do espaço, uma rede de poder e controle, que são de difícil compreensão por nossa imaginação. Não temos ainda o equipamento perceptivo necessário para enfrentar essas novas dimensões espaciais.

Estes espaços desconcertantes tornam impossível o uso da antiga linguagem dos volumes, já que não podem ser apreendidos. Esta mutação do espaço ultrapassou a capacidade do corpo humano de organizar perceptivamente o espaço circundante e mapear cognitivamente sua posição no mundo exterior. Uma disjunção entre o corpo e o ambiente urbano que indica nossa incapacidade de compreender os processos complexos de reestruturação da metrópole contemporânea, a enorme rede global de produção e comunicação descentradas em que estamos presos como indivíduos.

Instaura-se um problema de incomensurabilidade entre o construído e o projeto, o edificado e o entorno, os diferentes espaços da cidade. Torna-se impossível representar. O espaço hoje é sobrecarregado por dimensões mais abstratas. Trata-se de um problema de representabilidade: embora afetados no cotidiano pelos espaços das corporações, não temos como modelá-los mentalmente. Ocorre uma ruptura radical entre a experiência cotidiana e esses modelos de espaços abstratos.

Confrontadas com algo que não podem apreender, nossas faculdades de conhecimento entram em crise. Aquilo que lhes escapa provoca o sentimento de ter atingido o limite insuperável. A percepção é suspensa, em comoção, por esse choque. Nessa pausa, o pensamento interrompe a adequação àquilo que crê saber, permitindo ao juízo assimilar o que ultrapassa sua capacidade de apreender e reconhecê-lo como fenômeno sensível. A incapacidade de representar este fenômeno desmedido faz dele o índice de um objeto inapresentável. Incapazes de afigurar o absoluto, experimentamos _ por esta sensação que recusa toda forma _ a sua presença. Só a arte, diz Lyotard, num mundo dominado pela premência do controle e da técnica, é capaz de suscitar o inapresentável, o que não tem forma nem medida.

O encontro com o volume e o peso desmedidos da torre leste provoca, no espectador, o mesmo desconcerto de percepção que ocorre diante das grandes escalas da megalópole. Ambos escapam ao seu mapa mental, aos recursos cognitivos, derivados da experiência, de que dispõem os indivíduos. Uma dimensão que leva à perplexidade: o que se vê não é o que se tem. Uma presença tão massiva que para ela não se tem medida.

A intervenção de Nelson Félix é um approach da inapreensibilidade do desmedidamente grande. Uma situação em que o próprio tamanho do prédio, independentemente de seus eventuais usos e programas, constitui a questão. Como as configurações arquitetônicas e urbanísticas que se impõem de modo puramente quantitativo, por suas enormes dimensões.

A produção escultórica contemporânea ainda se faz, essencialmente, sob os princípios da experiência e visão. Ela pressupõe uma relação do observador com a obra que o mobilize e leve a apreender um campo mais amplo, conformado pela articulação da escultura com o entorno. Um modo de percepção que abandona o ponto de vista fixo, para a se fazer em movimento, à medida em que se caminha pela situação. Mas trata-se, ainda, de um dispositivo fenomenológico, fundado na vivência da situação e na percepção ocular.

A operação contida na proposta de Nelson Felix rompe por completo com este dispositivo. Aqui, como na intervenção feita pelo artista no prédio do Moinho Central, quando do último projeto Arte/Cidade, não existe a pressuposição de uma forma escultórica inserida no edificado ou na paisagem, uma situação que seja apreendida à partir da presença do observador neste campo ampliado. A escala em que se dá a intervenção implica em outros padrões de espacialização e percepção.

Trata-se de, no 1° andar da torre, inserir dois perfis em "I", de ferro, _ de cerca de 8 metros de comprimento e 40 centímetros de altura, cada _ através dos pilares de sustentação, a pouca distância do chão. Seccionados, os pilares passam a apoiar-se exlusivamente sobre os novos elementos. Duas cunhas, formando um ângulo reto, que cortem totalmente o pilar, a pouca distância do chão. Secionado, o pilar passa a apoiar-se exclusivamente nas chapas. Sob pressão, as chapas ficam estendidas na direção dos pilares vizinhos, sem entretanto alcançá-los, acentuando o equilíbrio crítico da situação. Um minucioso estudo sobre a distribuição do peso das lajes e a função de apoio de cada pilar foi realizado para se determinar o local mais apropriado para a incisão.

A estruturação do prédio todo é a questão da operação. A intervenção num ponto preciso, um dos muitos pilares, na verdade trabalha com todo o sistema de sustentação do edifício. A própria estrutura é inteiramente mobilizada: trata-se de "uma escultura de 600 toneladas". Ocorre uma redistribuição do peso, um redirecionamento de todas as forças que sustentam o prédio. A edificação já existe, nos antigos moldes industriais, mas a intervenção introduz, nesta estrutura rígida e compartimentalizada, o principal predicado da grande dimensão: o imprevisível. A possibilidade de provocar outros eventos no interior deste grande conteiner. O ataque aos pilares, base da estrutura fixa, sugere uma arquitetura flexível e dinâmica. Uma arquitetura líquida.

Uma operação que leva o observador a refletir não sobre o que ele tem imediatamente diante de si, mas sobre uma configuração muito maior e mais complexa, o prédio todo, a área inteira. Engendra um espaço não-visual. Semelhante a outros projetos do artista, que trabalham com largas escalas de tempo. Uma ação que lida com forças e tensões imensas, com volumes e pesos descomunais, numa escala que escapa à experiência e a percepção dos que habitam ou utilizam quotidianamente essas edificações. Dimensões de espaço e tempo tão extensas que não são abarcáveis pela experiência individual, quando a escultura convencional está baseada em instigar uma vivência das situações.

Aqui, a reconfiguração espacial e a visão peripatética _ procedimentos ainda pertencentes à prática escultórica, baseada na experiência e na percepção ótica _ não bastam. O que está em jogo não se desvela à experiência, não se dá à ver. Ocorre em dimensões espaciais e temporais que transcendem a situação imediata e local. Requer a apreensão de uma configuração espacial que não pode ser alcançada por mera investigação direta. Uma abordagem radicalmente anti-fenomenológica, que não se esgote no corpo a corpo com a obra.

In loco, o que de fato se vê é uma intervenção aparentemente pontual, limitada. É que se faz sobre algo cuja forma e dimensões não se pode apreender, cuja imensa presença só pode sugerir. É esta combinação _ entre ação precisa e circunscrita, anti-espetacular, e amplitude espacial _ que confere radicalidade ao projeto de Nelson Félix. Paradoxo de um procedimento que não se adequa mais às noções escultóricas de espaço e tempo, mas opera com as escalas das metrópoles globais