A torre leste do SESC _ e o conjunto industrial
em que se localiza _ é tão grande que parece comportar
toda a região. Todos os elementos desse enorme terreno vago,
desprovido de significação histórica e identidade
arquitetônica, estão concentrados nesta aglomeração
de galpões e edifícios vazios. A megalópole
nos põe diante do imensamente grande, para o qual não
temos medida. Uma crise resultante da metropolização
e da integração global: não se tem mais parâmetros
para representar as novas escalas espaciais e temporais instauradas
pelo desenvolvimento da técnica e dos meios de comunicação
e transporte.
O que está em questão aqui são os limites
da figuração, a incapacidade da mente humana para
representar as enormes forças da metrópole. Um modo
de representar uma organização da produção
e do espaço, uma rede de poder e controle, que são
de difícil compreensão por nossa imaginação.
Não temos ainda o equipamento perceptivo necessário
para enfrentar essas novas dimensões espaciais.
Estes espaços desconcertantes tornam impossível o
uso da antiga linguagem dos volumes, já que não podem
ser apreendidos. Esta mutação do espaço ultrapassou
a capacidade do corpo humano de organizar perceptivamente o espaço
circundante e mapear cognitivamente sua posição no
mundo exterior. Uma disjunção entre o corpo e o ambiente
urbano que indica nossa incapacidade de compreender os processos
complexos de reestruturação da metrópole contemporânea,
a enorme rede global de produção e comunicação
descentradas em que estamos presos como indivíduos.
Instaura-se um problema de incomensurabilidade entre o construído
e o projeto, o edificado e o entorno, os diferentes espaços
da cidade. Torna-se impossível representar. O espaço
hoje é sobrecarregado por dimensões mais abstratas.
Trata-se de um problema de representabilidade: embora afetados no
cotidiano pelos espaços das corporações, não
temos como modelá-los mentalmente. Ocorre uma ruptura radical
entre a experiência cotidiana e esses modelos de espaços
abstratos.
Confrontadas com algo que não podem apreender, nossas faculdades
de conhecimento entram em crise. Aquilo que lhes escapa provoca
o sentimento de ter atingido o limite insuperável. A percepção
é suspensa, em comoção, por esse choque. Nessa
pausa, o pensamento interrompe a adequação àquilo
que crê saber, permitindo ao juízo assimilar o que
ultrapassa sua capacidade de apreender e reconhecê-lo como
fenômeno sensível. A incapacidade de representar este
fenômeno desmedido faz dele o índice de um objeto inapresentável.
Incapazes de afigurar o absoluto, experimentamos _ por esta sensação
que recusa toda forma _ a sua presença. Só a arte,
diz Lyotard, num mundo dominado pela premência do controle
e da técnica, é capaz de suscitar o inapresentável,
o que não tem forma nem medida.
O encontro com o volume e o peso desmedidos da torre leste provoca,
no espectador, o mesmo desconcerto de percepção que
ocorre diante das grandes escalas da megalópole. Ambos escapam
ao seu mapa mental, aos recursos cognitivos, derivados da experiência,
de que dispõem os indivíduos. Uma dimensão
que leva à perplexidade: o que se vê não é
o que se tem. Uma presença tão massiva que para ela
não se tem medida.
A intervenção de Nelson Félix é um
approach da inapreensibilidade do desmedidamente grande. Uma situação
em que o próprio tamanho do prédio, independentemente
de seus eventuais usos e programas, constitui a questão.
Como as configurações arquitetônicas e urbanísticas
que se impõem de modo puramente quantitativo, por suas enormes
dimensões.
A produção escultórica contemporânea
ainda se faz, essencialmente, sob os princípios da experiência
e visão. Ela pressupõe uma relação do
observador com a obra que o mobilize e leve a apreender um campo
mais amplo, conformado pela articulação da escultura
com o entorno. Um modo de percepção que abandona o
ponto de vista fixo, para a se fazer em movimento, à medida
em que se caminha pela situação. Mas trata-se, ainda,
de um dispositivo fenomenológico, fundado na vivência
da situação e na percepção ocular.
A operação contida na proposta de Nelson Felix rompe
por completo com este dispositivo. Aqui, como na intervenção
feita pelo artista no prédio do Moinho Central, quando do
último projeto Arte/Cidade, não existe a pressuposição
de uma forma escultórica inserida no edificado ou na paisagem,
uma situação que seja apreendida à partir da
presença do observador neste campo ampliado. A escala em
que se dá a intervenção implica em outros padrões
de espacialização e percepção.
Trata-se de, no 1° andar da torre, inserir dois perfis em "I",
de ferro, _ de cerca de 8 metros de comprimento e 40 centímetros
de altura, cada _ através dos pilares de sustentação,
a pouca distância do chão. Seccionados, os pilares
passam a apoiar-se exlusivamente sobre os novos elementos. Duas
cunhas, formando um ângulo reto, que cortem totalmente o pilar,
a pouca distância do chão. Secionado, o pilar passa
a apoiar-se exclusivamente nas chapas. Sob pressão, as chapas
ficam estendidas na direção dos pilares vizinhos,
sem entretanto alcançá-los, acentuando o equilíbrio
crítico da situação. Um minucioso estudo sobre
a distribuição do peso das lajes e a função
de apoio de cada pilar foi realizado para se determinar o local
mais apropriado para a incisão.
A estruturação do prédio todo é a questão
da operação. A intervenção num ponto
preciso, um dos muitos pilares, na verdade trabalha com todo o sistema
de sustentação do edifício. A própria
estrutura é inteiramente mobilizada: trata-se de "uma
escultura de 600 toneladas". Ocorre uma redistribuição
do peso, um redirecionamento de todas as forças que sustentam
o prédio. A edificação já existe, nos
antigos moldes industriais, mas a intervenção introduz,
nesta estrutura rígida e compartimentalizada, o principal
predicado da grande dimensão: o imprevisível. A possibilidade
de provocar outros eventos no interior deste grande conteiner. O
ataque aos pilares, base da estrutura fixa, sugere uma arquitetura
flexível e dinâmica. Uma arquitetura líquida.
Uma operação que leva o observador a refletir não
sobre o que ele tem imediatamente diante de si, mas sobre uma configuração
muito maior e mais complexa, o prédio todo, a área
inteira. Engendra um espaço não-visual. Semelhante
a outros projetos do artista, que trabalham com largas escalas de
tempo. Uma ação que lida com forças e tensões
imensas, com volumes e pesos descomunais, numa escala que escapa
à experiência e a percepção dos que habitam
ou utilizam quotidianamente essas edificações. Dimensões
de espaço e tempo tão extensas que não são
abarcáveis pela experiência individual, quando a escultura
convencional está baseada em instigar uma vivência
das situações.
Aqui, a reconfiguração espacial e a visão
peripatética _ procedimentos ainda pertencentes à
prática escultórica, baseada na experiência
e na percepção ótica _ não bastam. O
que está em jogo não se desvela à experiência,
não se dá à ver. Ocorre em dimensões
espaciais e temporais que transcendem a situação imediata
e local. Requer a apreensão de uma configuração
espacial que não pode ser alcançada por mera investigação
direta. Uma abordagem radicalmente anti-fenomenológica, que
não se esgote no corpo a corpo com a obra.
In loco, o que de fato se vê é uma intervenção
aparentemente pontual, limitada. É que se faz sobre algo
cuja forma e dimensões não se pode apreender, cuja
imensa presença só pode sugerir. É esta combinação
_ entre ação precisa e circunscrita, anti-espetacular,
e amplitude espacial _ que confere radicalidade ao projeto de Nelson
Félix. Paradoxo de um procedimento que não se adequa
mais às noções escultóricas de espaço
e tempo, mas opera com as escalas das metrópoles globais
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