Um dos mais radicais criadores de arquitetura para
a era da globalização, Rem Koolhaas desenvolve projetos
em grandes escalas para situações urbanas complexas,
envolvendo interseções de dispositivos de transporte
e mega-estruturas de serviços e estadia. Ele opera com as
idéias de "cidade genérica" (mancha urbana
sem história, superficial, amorfa, incoerente e congestionada,
refratária a todo esforço de planificação)
e de "bigness" (qualidade dada pelas dimensões
das grandes cidades) como uma característica das metrópoles.
Os gigantescos projetos de Koolhaas contrariam, por sua própria
enormidade, as concepções tradicionais de exterior
e interior, escapando à percepção formal. São
escalas que implicam em incomensurabilidade. A arquitetura diante
do que não tem limites, do imensamente grande. Essa é,
para ele, a forma mais acabada de arquitetura. O tamanho do edifício
passa a determinar o programa, a complexidade e dimensões
das situações urbanas inviabilizam toda pretensão
do planejamento. Uma escala que desencoraja visões que pretendam
abarcar tudo: essa massa não pode mais ser controlada por
um único gesto arquitetural ou urbanístico.
Os projetos para o Terminal Marítimo de Zeebrugge (Bélgica)
e para a Biblioteca Nacional de Paris (França), de 1989,
já indicavam a direção no sentido de situações
urbanas complexas, envolvendo interseções de dispositivos
de transporte em alta velocidade e mega-estruturas de serviços
e estadia (Euralille, França, 1994), áreas de congestão
e dissolução do traçado urbano num tecido genérico.
Atlanta, Singapura e Yokohama são entendidas como paisagem,
uma justaposição ao acaso de partes desconexas. Arquitetura
convulsiva que se espalha infinitamente, incontrolável, não
mais comprometida com a criação de ordem e coerência.
A urbanização pervasiva transformou a própria
condição urbana.
Se um novo urbanismo é possível, diz Koolhaas, não
se tratará mais da disposição de objetos mais
ou menos permanentes, mas da irrigação de territórios.
Ele não buscará mais configurações estáveis,
mas a criação de campos que acomodem processos que
resistam a ser cristalizados em formas definitivas. Não a
imposição de limites, mas a supressão de fronteiras.
Não a identificação de elementos, mas a descoberta
de híbridos. Não mais obcecado com a cidade, mas com
a manipulação da infraestrutura para infinitas intensificações
e diversificações, curtos-circuitos e redistribuições
_ a reinvenção do espaço urbano.
A abordagem que Koolhaas faz das cidades tem sido pautada por um
princípio: a capacidade que elas têm, diante dos processos
de integração global, de se transformar. Para ele,
São Paulo está diante deste impasse: será que
ela é capaz de uma radical reconfiguração?
São Paulo, em comparação com as megalópoles
asiáticas, é uma cidade estagnada. Ou está
interessada em mudar ou não tem futuro. Em outras palavras:
será que São Paulo promoverá as condições
para se integrar na economia e na rede das metrópoles globais?
Ou ainda: poderia essa reconfiguração se fazer em
moldes arquitetônicos e urbanísticos distintos daqueles
impostos pelo capital corporativo internacional?
É neste contexto que, para Koolhaas, coloca-se a questão
do Edifício São Vito. Única edificação
modernista na região, o prédio é exemplar de
uma malograda tentativa de renovação do centro da
cidade. Um caso emblemático dos impasses urbanísticos
da cidade. Se São Paulo não souber equacionar, nesta
década, um problema como o desse prédio, situado numa
das áreas mais propícias para projetos de desenvolvimento
urbano, isso será indicativo de que ela não conseguirá
se integrar à dinâmica e ao formato das grandes metrópoles
mundiais.
Uma vez que não se pode mais contar com o Estado para o
enfrentamento de questões urbanísticas e sociais nestas
proporções, quais são as estratégias
que a cidade poderá estabelecer? Os projetos de desenvolvimento
urbano em larga escala para a área, promovidos por grandes
corporações imobiliárias e o capital financeiro
internacional, tendem a propor _ como no caso da SP Tower _ a demolição
do prédio e a incorporação da sua área
ao enclave urbano dominado por uma nova megaestrutura. Quais outras
alternativas, no contexto de uma ampla restruturação
urbana da região, poderiam ser pensadas?
A proposta de Koolhaas consiste na instalação, no
São Vito, de um novo elevador, dotado dos mais avançados
recursos técnicos. O edifício é tomado no âmbito
das possibilidades de dinamização da região.
Neste sentido, a instalação de um novo elevador não
é uma operação estrutural. É um modo
de incrementar a conexão da edificação com
a área urbana. O acesso facilitado pode permitir o florescimento
de outras atividades e levar a outras formas de ocupação
da edificação, abrindo oportunidades que possam ser
aproveitadas pelos habitantes do imóvel. Uma reconfiguração
que se dá através da dinâmica urbana.
Não se trata de retomar as estratégias de revitalização
de áreas centrais, em voga nos anos 80. Essas políticas,
essencialmente preservacionistas, tenderiam à enfocar o edifício
do ponto de vista do patrimônio, como um monumento. Associadas
à políticas assistencialistas, visando a melhoria
das condições de vida no prédio, elas poucos
contribuiriam para as mudanças estruturais impostas pela
extensão e complexidade da situação.
Trata-se de instaurar um outro processo. Iniciar uma discussão
na cidade sobre suas condições de habitação
e potencialidade de renovação urbana em larga escala.
Criar um fato mobilizador, que aglutine os moradores, as empresas,
o poder público, os arquitetos e a mídia. Este processo
interessa mais do que o resultado final, a efetiva instalação
do equipamento no prédio. Ao contrário dos procedimentos
urbanísticos e artísticos convencionais, que em geral
resumem-se à inserção de objetos, mais ou menos
funcionais ou estéticos, no espaço urbano, esta intervenção
centra-se na dinâmica que possa engendrar.
Aqui o próprio processo _ a posição dos fornecedores,
as reações do condomínio, as alternativas de
financiamento, as possibilidades de participação do
poder público _ torna-se exemplar de uma estratégia
de intervenção urbanística, altamente flexível,
baseada no envolvimento de diferentes instituições
e grupos sociais da cidade. Contraposta aos projetos de desenvolvimento,
centralizados e programáticos, que têm sido apresentados
por grandes corporações internacionais.
A proposição não visa propriamente uma discussão
arquitetônica. Koolhaas acabou excluindo uma primeira idéia,
de instalação do elevador em diagonal na fachada exterior
do prédio. Ao propor colocá-lo no poço existente
do edifício, ele está adotando um enfoque pragmático:
o novo equipamento visa dinamizar o acesso. Questionar radicalmente
a organização do espaço e sua acessibilidade,
incluindo portanto a configuração do âmbito
do público e do privado.
A questão da acessibilidade faz parte, para Koolhaas, das
mudanças paradigmáticas que ocorreram na abordagem
da arquitetura, ditadas pela questão da grande escala metropolitana.
A partir de determinada escala, o edifício torna-se tão
enorme que a distância entre o centro e o perímetro
rompe toda possibilidade de significação. Não
há mais qualquer relação entre seus diferentes
componentes. Esta arquitetura passa a depender da tecnologia, sobretudo
o elevador, capaz de estabelecer relações mecânicas
entre os elementos atomizados.
O São Vito não aparece, portanto, como um exemplar
da arquitetura moderna, mas como um elemento de verticalização.
Condição sine qua non da restruturação
da cidade. O modernismo não deve ser avaliado em termos estritamente
arquitetônicos. O destino de São Paulo está
sendo jogado numa outra dimensão, para além da arquitetura.
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