Ponto mais extremo de intervenção,
na direção sudeste, a situação se confunde
com o vetor criado pelo ramal ferroviário e a vasta área
paralela de galpões, em geral utilizados para depósito
de mercadorias que eram escoadas por via férrea. Ao longo
do acesso à Estação Móoca, uma rua de
paralelepípedos, existem antigos galpões ferroviários
abandonados, guardando ainda as fachadas, paredes laterais e estruturas
metálicas que sustentavam o telhado, hoje desaparecido. Uma
larga canaleta no piso, com trilhos, indica que as composições
entravam ali para carga e descarga. Um esqueleto arquitetônico,
inteiramente vazado, evocando a organização antes
dada àquele terreno extenso, integrado à via férrea.
A intervenção que Ângelo Venosa propõe
realizar ali pretende, através da inserção
de centenas de esferas metálicas, atirantadas na estrutura
da cobertura, pendendo a uma certa distância do piso, engendrar
uma outra geometria. As esferas suspensas, pontuando o espaço,
conformam novos planos que acompanham ou interseccionam os planos
estabelecidos pelo piso e o antigo telhado. Mais: aproveitam a transparência
da estrutura vazada para projetarem-se para fora, remetendo a uma
extensão muito maior, o corte no tecido urbano criado pelos
ramais ferroviários.
Ao caminhar, o observador verá, em função
de sua posição no espaço, realinharem-se permanentemente
as esferas, formando novos planos, em outras direções.
A estrutura se liqüefaz, escapando para todos os lados. O espaço
ganha nova dinâmica, que não obedece mais à
compartimentalização do antigo uso industrial e ferroviário.
Uma geometria variável, rearticulando-se sem parar, dotada
de infinitos pontos de fuga.
O projeto opera, em primeira instância, sobre a percepção
da edificação, ao problematizar as relações
de proximidade e distância, de vizinhança, que existem
entre os seus elementos. A distância entre os elementos construtivos
é um componente fundamental de uma edificação.
A porta e as janelas são separadas. Piso e teto são
distanciados. Paredes dividem e escadas, ao ligar os andares, marcam
a distância entre eles. A experiência da distância
é essencial à construção. Portanto,
ao introduzir novos planos entre os existentes, a operação
de Venosa está inscrevendo outras distâncias no interior
daquelas: um espaçamento. Outras relações de
proximidade, outras medidas, dentro daquelas estabelecidas pelas
funções e pelo hábito. O espaçamento
engendra um sítio de potencial pluralidade, onde novas articulações
e experiências podem ocorrer.
Mais: a intervenção trabalha também contra
um dos aspectos básicos da estrutura espacial da área:
o eixo, traçado pelo ramal ferroviário. Aqui, inclusive
por causa da crescente obsolescência do transporte ferroviário,
o eixo não assegura mais qualquer articulação
entre as diferentes partes da região leste e da cidade. Ele
deixa de controlar o território, constituído agora
por partes que se articulam de modo fluído e aleatório,
sempre ameaçadas de dispersão.
A intervenção _ ao estabelecer relações
entre a estação e os complexos fabris e as autopistas
implantados nas imediações _ libera a área
de sua dependência à linha de trem, armando um espaço
multifacetado e complexo, formado por inúmeras e variáveis
interfaces. Sugerindo uma outra organização espacial,
tensionada e dinâmica, daquela área estruturada pela
ferrovia. Ela ocupa o espaço com um movimento turbilhonar,
transformando a situação numa zona de passagem e rearticulação,
capaz de acolher recomposições permanentes e mudanças
de direção.
O galpão transforma-se assim num intervalo. Um espaçamento
dotado de linhas de variação contínua, em contraposição
à mecânica ferroviária: modo como o fluído
ocupa o espaço. Hiato na narrativa urbana, interrupção
do seu contínuo histórico, esse espaço intermediário
vai redesenhar o mapa da área pela reconexão de seus
diferentes elementos urbanos.
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