Diálogos Impertinentes - O PRAZER 28/07/1998.
Debate põe em discussão os riscos e os limites do prazer Tentações do fruto proibido / Mario Sergio Cortella - especial para a Folha de São Paulo Estivesse você no Éden e a serpente fizesse a proibida oferenda, terias comido o fruto? "Comeria sem pensar", disse um; "comeria sem pecado, que só veio depois, dado que na hora da oferta isso não estava em pauta", disse a outra. Assim começou um prazeroso diálogo, tendo como interlocutores o cantor Ed Motta e a psicóloga Lídia Aratangy. "O Prazer", quinto programa da série 98 dos "Diálogos Impertinentes" -já no seu quarto ano com promoção conjunta da Folha, Sesc (Serviço Social do Comércio) e PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo-, aconteceu no Teatro da Universidade Católica na capital paulista, com transmissão nacional ao vivo pela TV PUC (por meio dos sistemas de TV a cabo e parabólicas), e teve a mediação de Mário Vitor Santos, repórter especial da Folha. Os dialogadores comeriam o fruto por ser proibido ou por ser fruto? Disse Aratangy que o desafio contido na oferta seria mais sedutor que os riscos inerentes; é a atração pela coisa não desvendada, a ser ainda conhecida. Motta adendou que o proibido e o perigoso tem uma estreita relação, quase mórbida, com o prazer, e isso é pouco consciente; até a irresponsabilidade é, às vezes, muito agradável, apoiada na quebra de limites prévios. Por que isso? Segundo a psicóloga, "porque o prazer é direto, imediato, contingente; as consequências nefastas, o que pode te fazer mal, o pecado, a punição, ficam para depois. É como se a gente não tivesse muito compromisso com nós mesmos num momento futuro". Seria, então, o prazer sempre egoísta? Ou melhor, existe um prazer que possa não ser egoísta? Segundo Aratangy, "no humano é complicado, não é? Afinal de contas, acho que é assim: o prazer é o princípio que rege a vida, limitado pelo princípio da realidade. Temos, porém, que ampliar muito esse conceito de egoísmo, porque até servir a Deus pode ser o prazer que reflete no próprio indivíduo. O prazer de cantar bem, escrever bem, falar bem tem a ver, também, com o ser bem ouvido, bem lido e bem falado". Indagados sobre o impacto que a ausência de prazer traria para as pessoas, ambos foram enfáticos: é a coisa mais próxima da morte que existe; uma vida só de obrigações e parcimônia contínuas seria intolerável e, até, inconcebível. A vida deve ser, antes de tudo, erótica, sem, exclusivamente, sexualizar-se; o prazer é sempre sensual, ou seja, transcende o nível da necessidade e se situa no campo do desejo. No entanto, Lídia Aratangy ponderou: "O prazer do desejo é maior do que o do gozo. O prazer do desejo é o prazer da expectativa, é o prazer da fantasia, e, nesse sentido, ele pode ser até mais completo do que o gozo. No prazer do desejo você pendura tudo aquilo de mais perfeito que quer ter e que não viveu ainda. Por mais completo que seja um gozo, ele é limitado no tempo ou na intensidade. Então, a diferença está entre o não-vivido (onde cabe tudo) e o vivido (onde cabe do melhor ou do pior, mas só cabe o que cabe)". Na mesma direção, Ed Motta se declarou um "nostálgico confuso": "Apesar do grande prazer que tenho em recordar e validar o já vivido, estou sempre achando que o amanhã é que vai ser bom". Por isso, com certeza, o próximo "Diálogos Impertinentes" também será bom (ou ainda melhor?). https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs23089812.htm