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Da Leitura à Navegação

Entendendo, como Koch (2002, Pág. 17), que a compreensão textual é “uma atividade interativa20 altamente complexa de produção de sentidos, que se realiza, evidentemente, com base nos elementos lingüísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas que requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes e a sua reconstrução deste no interior do evento comunicativo”, e tendo em conta o efeito complexificador da mediação tecnológica na construção de sentido no ambiente eletrônico, compreendemos que a leitura e a busca de fontes de informação na grande rede demanda muito mais do que o domínio de programas de navegação e motores de busca, embora este tipo de conhecimento seja muito necessário (Buzato 2001). Uma atitude efetivamente interagente no ambiente hipertextual dependerá do uso de estratégias cognitivas e metacognitivas que nos permitam direcionar, organizar, monitorar e avaliar criticamente a construção de conhecimento na travessia não linear de diversas fontes informativas num ambiente multimodal.

Se é certo que a progressão textual no hipertexto dificulta o estabelecimento de uma continuidade de sentidos, também é certo que o leitor de hipertexto tem a vantagem de poder progredir na leitura de forma flexível, optando por um percurso que lhe faculte a construção de sentidos mais particularmente relevantes para seus interesses individuais. O problema dessa flexibilização está em que, dado o número de opções em cada etapa da progressão, muitas vezes torna-se impossível para o leitor retroceder de forma não seqüencial a um ponto do percurso cuja relevância tornou-se clara apenas vários passos adiante. Em parte, pode-se equacionar esse problema através da funcionalidade de “guardar favoritos”, disponível na maioria dos programas de navegação, ou do histórico de páginas visitadas. Porém muitas vezes é impossível para o leitor retroceder em seu percurso por conta de questões de design tais como a utilização de múltiplos quadros (frames) numa mesma lexia, a existência de páginas dinâmicas, ou por descuido de alguns designers que deixam de atribuir, no código fonte, títulos adequados às suas páginas, dificultando a indexação e a referenciação das páginas visitadas.

Mesmo que nenhuma dessas barreiras técnicas existisse, haveria ainda a dificuldade principal: como representar adequadamente o conhecimento construído num percurso não-linear, através de várias modalidades semióticas, por meio de uma representação linear e monomodal tal como uma lista de endereços?

Tendo em mente essa “deficiência” dos programas de navegação comuns, pesquisadores do Centre National de la Recherche Sientifique, França, desenvolveram o programa de navegação Nestor21. A interface de Nestor (Figura 1) mostra, em um lado da tela, as páginas visitadas pelo navegador e desenha, no outro lado da tela, representações cartográficas do percurso navegado. Essas representações cartográficas podem ser manipuladas e anotadas pelo leitor-navegador e posteriormente compartilhadas com outros usuários de maneira muito prática. Os criadores de Nestor gostam de afirmar que o programa propicia uma “navegação construtivista” na medida em que facilita sobremaneira a tarefa de transpor a representação do percurso de leitura para uma representação do conhecimento construído a partir desse percurso.

Figura 1 - A interface principal do programa de navegação Nestor22 .

 

Cientes da sobrecarga cognitiva a que está exposto o leitor-navegador, os construtores de motores de busca também têm encontrado formas mais adequadas de representar a informação na tela de modo a facilitar a tarefa do o usuário que necessita julgar a relevância dos resultados obtidos e de relacioná-los mentalmente. O motor de busca Kartoo23 , por exemplo, constrói, a cada consulta, uma representação topográfica (Figura 2) que utiliza linhas, formas geométricas, efeitos cromáticos e ícones para indicar o grau de relevância de cada resultado em relação ao tema, os critérios de conexão entre os sites apresentados, assim como sugestões de refinamento da busca com base em palavras chave adicionais.

Figura 2 - Resultado apresentado pelo motor de busca Kartoo para a palavra-chave "leitura".

 

Assim como programas de navegação e motores de busca, também interfaces de dados na WWW começam a surgir, em associação a dicionários, enciclopédias e outras fontes de referência, os quais possibilitam a construção ad hoc de representações visuais que permitem ao leitor-navegador estudar o sentido de um dado conceito ou idéia dentro de um conjunto amplo de itens semanticamente relacionados. Um bom exemplo desse tipo de recurso é o dicionário Visual Thesaurus24, baseado na tecnologia de criação de interfaces Thinkmap25. A versão online desse dicionário retorna para uma palavra consultada uma representação tridimensional (Figura 3) do campo semântico a ela associado, explicitando as relações semânticas (sinonímia, antonímia, hiponímia, etc.) por meio de nós interligados e diferentes tipos e cores de traços.

 

Figura 3 - representação fornecida pelo dicionário online Visual Thesaurus para a palavra "read".

 

Ferramentas como as mencionadas acima potencializam o repertório de estratégias metacognitivas do leitor-navegador, desde que ele enfrente a curva de aprendizagem razoavelmente íngreme a associada à sua manipulação. Contudo, mesmo que disponha de um vasto repertório de ferramentas que o ajudem a representar, organizar e memorizar conhecimento construído em percursos não-lineares, será necessário que o leitor-navegador se habitue cada vez mais a lidar com a multiplicidade de sentidos criada pela integração de diversas modalidades semióticas numa mesma superfície textual26.

Figura 4 - Interface de busca de trechos sonoros do repositório "Flash Kit"27.

 

Para além da combinação da escrita com a imagem, novas formas híbridas de representação surgem na Internet a cada momento. Na figura 4 vemos um exemplo do uso de oscilogramas, isto é, representações pictóricas de ondas sonoras - neste caso de "loops28" musicais - que permitem ao leitor-navegador identificar visualmente características como o ritmo, a densidade sonora e o número de canais (mono/stereo) utilizados em cada "loop". Essas nuances de "sentido sonoro", importantes na composição de artefatos multimídia, podem ser identificadas mais rapidamente por sua representação visual do que se o autor/leitor tivesse que executar o arquivo de audio em seu computador.

Também a fala humana tem se tornado um elemento mais presente na combinação de modalidades que caracteriza o espaço da Internet. Por um lado, sintetizadores voz a partir de texto escrito (text-to-speech) permitem que o leitor-navegador obtenha automaticamente uma versão "falada" de textos eletrônicos. Por outro lado, softwares de reconhecimento de voz, tais como o popular ViaVoice29, e sistemas de "voice-browsing", ou navegação por voz, permitem que a interação com a máquina e com a informação disponível em websites seja feita verbalmente (desde que o designer tome certas precauções na concepção do código fonte). Isto significa que, além de habilidades de leitura, também aptidões particulares de produção oral tais como falar de forma clara e pausada utilizando um microfone, e de compreensão auditória, como, por exemplo, lidar com a pobreza prosódica das falas sintetizadas eletronicamente, fazem parte do conjunto de habilidades das quais o leitor-navegador deveria dispor.

Ainda com relação à oralidade, vale a pena ressaltar a popularização de interfaces em três dimensões, ou mundos 3D, que permitem ao usuário interagir com seus pares por meio de avatares30 que emulam elementos paralingüísticos associados à oralidade (Figura 5). O sistema Active Worlds31, por exemplo, utiliza avatares que podem acenar, sorrir, mandar beijos,e fazer outros "gestos" enquanto o texto digitado pelo internauta aparece para os avatares ao redor na forma de balões semelhantes aos utilizados em estórias em quadrinhos.

Figura 5 - Interface do usuário do sistema "Active Worlds" que integra páginas da web em três dimensôes a funcionalidades de comunicação síncrona por com participantes representados por meio de avatares.

Conclui-se, a partir desses exemplos, que no eixo que leva da leitura à navegação, duas habilidades são cruciais para indivíduos interagentes: a de utilizar instrumentos que ajudem a estabelecer uma continuidade de sentidos através de diferentes domínios cognitivos representando esse conhecimento de forma adequada, e a de lidar com a multimodalidade característica da Web sabendo selecionar e acionar, para cada situação ou propósito de leitura/pesquisa, a combinação de modalidades mais adequada a seus propósitos.


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Notas

20 Grifo do autor. voltar ao texto

21 Mais informações em http://www.gate.cnrs.fr/~zeiliger/nestor.htm
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22 Imagem obtida em http://www.gate.cnrs.fr/~zeiliger/nestor.htm
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23 Mais informações em http://www.kartoo.com/index.php3?langue=br
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24 Mais informações em http://www.visualthesaurus.com/online/index.html
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25 Mais informações em http://www.plumbdesign.com/products/thinkmap/faq#1
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26 A respeito das complexidades da construção de sentido no ambiente multimídia, ver Lemke (2002) voltar ao texto

27 http://www.flashkit.com/loops/Ambient/Soundscapes/
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28 Um "loop" é um curto trecho sonoro que pode ser executado repetidas vezes sem intervalo dando a quem escuta a impressão de tratar-se de um longo trecho contínuo. Trata-se de um recurso utilizado por compositores para criar trilhas sonoras de animações ou música eletrônica de qualquer tipo. voltar ao texto

29 Mais informações em http://www-306.ibm.com/software/voice/viavoice/
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30 No jargão da Internet, um "avatar" é uma representação gráfica, usualmente antropomórfica, associada a um visitante de um mundo virtual. voltar ao texto

31 Mais informações em http://www.activeworlds.com
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