www.pucsp.br/~marcusbastos . convergência de mídias I . programa

. 1 . 2 . 3 . 4 . 5 . 6 .

 

........................."Por ser múltipla, a verdade não é dupla; e, como em vossa política
.........................ampliastes os direitos e os benefícios, estabelecestes nas artes uma
.........................comunhão maior e mais abundante;

.........................Burgueses, vós — rei, legislador ou negociante — instituístes
.........................coleções, museus, galerias. Algumas daquelas que há dezesseis anos
.........................só estavam abertas para os monopolizadores, alargaram suas portas
.........................para a multidão."

.............................................................(Charles Baudelaire, 'Salão de 1846')

 

Em "Da convivência à convergência das mídias", texto que introduz "Culturas e Artes do Pós-humano", Lucia Santaella recupera a idéia — defendida desde "Arte e Cultura: equívocos do elitismo" (1982) e "Convergência: poesia concreta e tropicalismo" (1986) — de que é impossível separar "as culturas eruditas, populares e massivas, pois os processos de caldeamento e mesclagem por que elas passavam pareciam evidentes", apesar de toda essa mistura não colocar em crise a dominância da cultura de massas no século XX". Certamente, a Revolução Industrial, em que a burguesia torna-se a principal classe social no que toca à produção, e especialmente ao consumo de cultura, é um momento importante desse processo. (p. 12)

Após a Revolução Industrial, a cidade torna-se o espaço em que a cultura mais fervilha, e na cidade não é mais possível impedir a convivência entre o erudito e o popular, de que o artista francês Toulouse-Lautrec é um bom melhor exemplo. Toulouse-Lautrec é uma referência importante tanto para a história das artes plásticas quanto para a história do design. Por esse motivo, talvez ele possa ser entendido como o primeiro dos artistas visuais. O termo "artes visuais" é criado, durante o modernismo, justamente para defender a não separação entre as belas artes, então restritas a pintura, escultura e arquitetura, e práticas consideradas utilitárias, como o design.

Nesse contexto, cabe lembrar, por exemplo, que o romance, principal forma culta do século XIX, está intimamente ligado ao jornalismo, como nos casos das publicações de Balzac e Machado de Assis em folhetins; ou pela proximidade de Edgar Allan Poe da narrativa policial. Ambas as formas estão inscritas num contexto de difusão da informação, conforme explicado por Walter Benjamin em "O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolay Leskov". A famosa polêmica baudelaireana em torno dos Salões de 1845 e 1846 — que, de certa forma, antecipa a postura de Benjamin contra a discussão do estatuto da fotografia como arte ou objeto descartável, e em favor do entedimento do que quer e pode a linguagem fotográfica— sintetiza a progressiva e gradual queda da fronteira entre erudito e popular, conforme a Revolução Industrial completa seu ciclo, e as cidades tornam-se o centro da relações culturais, políticas, sociais e econômicas.

Walter Benjamin é um dos principais comentadores dos movimentos culturais que marcam a passagem do século XIX ao XX. Em "O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov", ele opõe a narrativa ao romance, estabelecendo um elo entre a narrativa e um saber ligado à participação do narrador na experiência do que relata, e o romance à prática da transmissão de informação:

"O narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora coisas narradas à experiência dos seus ouvintes. O romancista segrega-se. A origem do romance é o indivíduo isolado, que não pode mais falar exemplarmente sobre suas preocupações mais importantes e que não recebe conselhos nem sabe dá-los". (Benjamin, 1996: p. 201)

Isso acontece porque a narrativa remonta à tradição oral, e se constitui enquanto uma forma de saber sem compromisso com o "ensinamento". Já o romance consolida-se após a invenção da imprensa, compromentido com a transmissão de informação, conforme desenvolvido a seguir:

"O romance, cujos primórdios remontam à Antiguidade, precisou de centenas de anos para encontrar, na burguesia ascendente, os elementos favoráveis a seu florescimento. Quando esses elementos surgiram, a narrativa começou pouco a pouco a tornar-se arcaica; sem dúvida, ela se apropriou, de múltiplas formas, do novo conteúdo, mas não foi determinada verdadeiramente por ele. Por outro lado, verificamos que com a consolidação da burguesia — da qual a imprensa, no alto capitalismo, é um dos instrumentos mais importantes — destacou-se uma forma de comunicação que, por mais antigas que fossem suas origens, nunca havia influenciado decisivamente a forma épica. Agora ela exerce essa influência. Ela é tão estranha à narrativa como o romance, mas é mais ameaçadora e, de resto, provoca uma crise no próprio romance. Essa nova forma de comunicação é a informação" (Benjamin, 1996: p. 202)

Uma hipótese que vale a pena ser investigada é de que a retomada da narrativa funciona como um contraponto à saturação cultural típica da era da informação. Por sentir, como Paul Valèry, que "o home de hoje não cultiva o que não pode ser abreviado", uma série de produtores culturais dedicam-se, tanto no documentário e demais formatos audiovisuais emergentes que se beneficiam das possibilidades de produção e circulação oferecidade pelas tecnologias digitais, quanto nos formatos correlatos bastante comuns na cultura digital propriamente dita, ao desenvolvimento de relatos demorados de temas ausentes da mídia coorporativa. Alguns exemplos desta tendência são:

— "Somewhere between here and there", de Alicia Felberbaum e Jose Brodie +
— "Passage Sets", de Bill Seaman
— "Valetes em Slow Motion", de Kiko Goifman e Jurandir Muller
— "O livro depois do livro", de Giselle Beiguelman +
— "Ici et ailleurs", de Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin

volta | continua