109 suspeitos mortos pela polícia. O número é alto e denuncia muito mais do que um confronto gerado pelo PCC (Primeiro Comando da Capital) contra a polícia paulista, que aconteceu entre os dias 12 e 19 de maio. As entidades de direitos humanos reagiram. “O governo perdeu o controle e saiu matando. Mesmo que todas essas pessoas tivessem envolvimento com o crime, não caberia à polícia executá-las”, explica Adriana Loche, secretária executiva da Comissão Santo Dias de Direitos Humanos, da Arquidiocese de São Paulo. Afinal, pela lei, uma pessoa acusada tem direito ao julgamento antes de qualquer condenação.
Se a polícia afirmava que todos eram suspeitos e morreram em confronto, as investigações estão provando que a história não é bem essa. O Ministério Público determinou que a Secretaria de Segurança Pública divulgue a lista dos mortos. Mas, enquanto este embate está acontecendo, já se sabe que muitas mortes foram verdadeiras execuções e que nem todos os mortos tinham envolvimento com os ataques. Ou seja, inocentes morreram. E muitos culpados também morreram, sem direito a julgamento. “Os corpos chegavam sem parar no IML [Instituto Médico Legal] e percebemos que as execuções eram muito parecidas, o que mostra uma grande arbitrariedade. Começamos a nos articular e as investigações foram solicitadas” conta Adriana. Corpos com tiros na nuca, costas ou nas mãos, são alguns sinais de uma execução.
Entidades como a Comissão Santo Dias trabalham para defender os direitos humanos, independente de quem seja a pessoa a ser defendida. Mas, geralmente, são mal compreendidas e até criticadas pelas sociedade. A população, acuada, acaba interpretando os direitos humanos como uma forma de proteção aos criminosos. A realidade, no entanto, é bem outra. “O que defendemos é o estado democrático de direito. Os direitos humanos são inerentes ao ser humano e estão na Constituição”, afirma Adriana. “Quando o Estado reprime os excluídos sociais, se torna o grande violador dos direitos”, ressalta.
Direitos como a educação, saúde, habitação e outros são violados quando não existem políticas públicas, distribuição justa de renda, emprego. O resultado é a explosão da violência, com vítimas por todos os lados. “Essas mortes nos mostram que é inútil imaginar que o simples aprisionamento vá surtir algum efeito para a diminuição da violência. Reiteramos a necessidade de investimento em políticas públicas de prevenção à exclusão e de inclusão que criem uma sociedade mais justa e igualitária através de educação, emprego, atendimento digno e ágil da Justiça e dignidade para a sociedade em geral e dentro das unidades prisionais”, enfatizou a Pastoral Carcerária, em nota emitida por ocasião dos ataques.
Defesa a todos
Nos dias mais violentos vividos em São Paulo, neste ano, morreram também 23 policiais militares, fazendo ressurgir na opinião pública o argumento de que os grupos de direitos humanos se omitem quando o momento é o de defender estes profissionais e seus familiares. Mas não é o que acontece.
No sábado, primeiro dia dos ataques, o Sou da Paz, trouxe a público uma carta em que prestava total solidariedade às famílias dos mortos, ressaltando a sua contribuição com a Polícia Militar por meio de programas de treinamento e de premiações para os policiais que menos matam. A Pastoral Carcerária também publicou nota no domingo condenando o ataque e qualquer tipo de violência. “Repudiamos veementemente estes atos atrozes que tomaram conta do estado nos ataques contra a polícia e nas rebeliões em diversas unidades prisionais, que atingem funcionários do estado e familiares de presos. Lamentamos profundamente as vidas perdidas e nos solidarizamos com as vítimas e seus familiares. Baseados em nossa história de defesa e preservação do dom divino da vida, queremos enfatizar que de maneira alguma apoiamos qualquer ato de violência, seja ele praticado por criminosos ou por agentes do governo do Estado”.
As entidades estiveram presentes no ato ecumênico realizado na Catedral da Sé, no centro da capital, naquela semana, onde o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Cidade de São Paulo, José Gregori, declarou que o evento era importante para demonstrar que “os que defendem direitos humanos estão preocupados com a vida de todos, inclusive a dos agentes do Estado que foram covardemente atacados neste final de semana”.
A falta de conhecimento sobre o que são os direitos humanos gera preconceito. E os meios de comunicação reforçam isso, quando acirram a guerra aos criminosos e esquecem as causas dos crimes. “Não queremos policiais mortos, mas não queremos que os policiais saiam matando”, afirma Adriana, da Comissão Santo Dias. “Se a nossa sociedade fosse mais justa, não teríamos tudo isso. Quando exigimos justiça, contribuímos com a efetivação dos direitos humanos. Pedimos rigor. É é exatamente para que os policiais também não sejam vítimas dessa situação."
Segundo ela, o fato de a polícia mostrar o número de mortos como defesa da sociedade não significa resultado nenhum, pois nada foi feito para imobilizar o crime organizado. “Isso tudo acaba afetando a sociedade. São jovens e pobres de periferias. É um uma limpeza social e mostra que mais uma vez os excluídos são vitimados”. |