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Sobre o silêncio de Deus, a beleza e a Igreja
Resposta espontânea dada por Bento XVI num encontro com meio milhão de pessoas reunidas na Agorà dos jovens, em Loreto, na Itália.
 

Pergunta da jovem Sara Simonetta: “Eu creio no Deus que tocou meu coração, mas são tantas as inseguranças, as duvidas, os medos que trago em mim. Não é fácil falar de Deus com os meus amigos; muitos deles vêem a Igreja como uma realidade que julga os jovens, que se opõe ao seu desejo de felicidade e de amor. Diante desta recusa percebo toda a minha solidão humana e desejo sentir Deus próximo de mim. Santidade, neste silêncio, onde está Deus?”

Sim, todos nós, ainda que acreditemos, conhecemos o silêncio de Deus. No Salmo que acabamos de recitar há um grito quase desesperado: “Fala Deus, não te escondes” e há pouco foi publicado um livro com a experiência espiritual de Madre Tereza e aquilo que já sabíamos se mostra agora ainda mais abertamente: com toda a sua caridade, com a força de sua fé, Madre Tereza sofria do silêncio de Deus. Por um lado, devemos suportar este silencio de Deus também para entendermos nossos irmãos que não O conhecem. Por outro, com o Salmo, podemos sempre gritar novamente a Deus: “Fala, mostra-se!”. E sem dúvida na nossa vida, se o coração é aberto, podemos encontrar os grandes momentos nos quais realmente a presença de Deus se torna perceptível também para nós.

Recordo-me nesse momento de uma pequena história contada por João Paulo II nos Exercícios pregados por ele no Vaticano antes de se tornar Papa. Contou que após a guerra foi visitado por um oficial russo que era cientista, o qual lhe falou como cientista: “Tenho certeza de que Deus não existe. Mas se me encontro nas montanhas, diante de sua beleza majestosa, diante de sua grandeza, tenho igualmente certeza de que o Criador existe e que Deus existe”.  A beleza da criação é uma das fontes onde realmente podemos tocar a beleza de Deus, podemos ver que o Criador existe e é bom, que é verdade aquilo que a Sagrada Escritura diz na narração da Criação, isto é, que Deus pensou e fez o mundo com o seu coração, com a sua vontade, com a sua razão e viu que era bom. Também nós devemos ser bons, para ter o coração aberto para perceber a verdadeira presença de Deus. Depois, ouvindo a Palavra de Deus nas grandes celebrações litúrgicas, nas festas da fé, na grande musica da fé, sentimos esta presença.

Recordo-me também de outra pequena historia que me contou, há pouco tempo, um bispo em visita “ad limina”: havia uma senhora, não cristã, muito inteligente, que começava a ouvir a música de Bach, Haendel, Mozart. Estava fascinada e um dia disse: “Devo encontrar a fonte de onde pode vir tamanha beleza”, e essa senhora se converteu ao Cristianismo e a fé catolica, pois descobriu que havia uma fonte para esta beleza, esta fonte era a presença de Deus no coração, a revelação de Cristo neste mundo. Portanto, as grandes festas da fé, nas celebrações litúrgicas, mas também o dialogo pessoal com Cristo: Ele nem sempre responde, mas existem momentos em que realmente responde.

Além disso, há a amizade, a companhia da fé. Agora, reunidos em Loreto, vejamos como a fé une, a amizade cria uma companhia de pessoas num caminho. Sentimos que tudo isso não vem do nada, que realmente há uma fonte, que o Deus silencioso é também um Deus que fala, que se revela e sobretudo que nós mesmos podemos ser testemunhas da sua presença, que da nossa fé resulta uma luz também para os outros.
Portanto, direi que por um lado devemos aceitar que neste mundo Deus é silencioso, mas não devemos ser surdos ao seu falar, ao seu aparecer em tantas ocasiões e vejamos, sobretudo na Criação, na bela liturgia, na amizade com os membros da Igreja, a presença do Senhor e, plenos da sua presença, possamos também nós iluminar os outros.

Assim chego à primeira ou à segunda parte da sua pergunta: é difícil falar aos amigos de hoje sobre Deus e talvez ainda mais difícil que falar da Igreja, porque vêem em Deus somente o limite da sua liberdade, um Deus de mandamentos, de proibições e na Igreja uma instituição que limita a nossa liberdade, que impõe as proibições. Mas devemos tentar tornar-lhes visível a Igreja viva, não esta idéia de um centro de poder com suas etiquetas, mas comunidades de companhia nas quais, não obstante todos os problemas da vida, que existem para todos, nasce a alegria de viver.

Vem-me ainda à mente uma terceira recordação. Estive no Brasil e na Fazenda da Esperança, uma grande realidade onde os drogados são curados e reencontram a esperança, reencontram a alegria de viver e testemunham que a descoberta da existência de Deus significa para eles a cura do desespero. Assim entendem que sua vida tem um sentido e reencontram a alegria de estar neste mundo, a alegria de enfrentar os problemas da vida humana. Então, em todo coração humano não obstante todos os problemas que existem, existe a sede de Deus e onde Deus desaparece, desaparece também o sol que dá luz e alegria. Esta sede de infinito em nosso coração se demonstra inclusive na realidade das drogas: o homem quer alargar a espessura da vida, ter mais da vida, ter o infinito, mas a droga é uma mentira, uma enganação porque não alarga a vida, a destrói.

Verdadeira é a grande sede que te fala de Deus e te coloca no caminho para Ele, mas devemos ajudar-nos reciprocamente. Cristo veio para criar uma rede de comunhão no mundo, na qual todos juntos possamos carregar-nos uns aos outros e assim ajudar-nos a encontrar juntos o caminho da vida e entender que os Mandamentos de Deus não são limites a nossa liberdade, mas os caminhos que nos levam ao outro, à plenitude da vida.

Roguemos ao Senhor que nos ajude a entender a sua presença e ser cheios da sua Revelação, da sua alegria, e de ajudar-nos mutuamente na companhia da fé para prosseguir e encontrar sempre mais com Cristo o verdadeiro rosto de Deus e assim a vida verdadeira.

Tradução do Núcleo Fé e Cultura, a íntegra em italiano pode ser encontrada em Veglia di preghiera con i giovani nella Piana di Montorso (1° settembre 2007)

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