Segundo João Carlos Petrini, a família ainda continua sendo o espaço da convivência humana que determina toda a vida da pessoa. Desta forma, os relacionamentos familiares definem o “rosto” com o qual cada um participa dos demais ambientes.
A família é um espaço de convivência humana ao qual cada membro pertence. Ela constitui uma rede de relacionamentos, que definem o “rosto” com o qual cada um participa dos diversos ambientes que cotidianamente freqüenta, com o qual encontra as outras pessoas. Para um filho recém-nascido, pertencer a pai e mãe é uma questão decisiva para o seu desenvolvimento físico e psíquico. Mas, durante todo o arco da existência, pertencer a uma realidade maior do que si próprio é, de maneira análoga, fundamental para a pessoa.¹
Pertencer a um conjunto de pessoas, que constituem uma família, por meio de vínculos complexos e profundos, realiza a pessoa como pai ou mãe, como esposo ou esposa, como filho ou filha, como irmão ou neto ou avô, como homem e como mulher. Os vínculos de pertença, todavia, foram, muitas vezes, motivo de opressão e abusos nas relações familiares. Afirmou-se progressivamente o ideal da liberdade, entendida como autonomia para determinar o próprio percurso de vida. Ampliou-se a disponibilidade a quebrar os vínculos familiares, entre pais e filhos bem como entre cônjuges, quando percebidos como limitadores da própria expressividade. Cabe investigar circunstâncias socioculturais e religiosas que favorecem a pertença ou a autonomia, procurando identificar a diversidade de valores que orientam a conduta das pessoas.
Os vínculos familiares realizam uma relação na qual a pessoa entra com a totalidade de sua existência, de seu temperamento, de suas capacidades e limites, diferentemente do que acontece com quase todos os outros ambientes da vida, nos quais se estabelecem relações parciais, limitadas a capacidades específicas, correspondentes a funções determinadas.
Um grupo de pessoas é reconhecido como família quando se configura como uma relação de plena reciprocidade entre os sexos e entre as gerações. Trata-se de um recíproco pertencer, na maioria das vezes não simétrico, constituído através de processos de vinculação desenvolvidos em contextos diádicos.²
Essas características qualificam a família como complexo simbólico importante. Não é por acaso que quando alguém quer dizer que venceu a estranheza na relação com um ambiente ou com uma pessoa diz que se tornou “familiar”. O complexo simbólico da família é o primeiro ponto de apoio, o primeiro cimento da sociedade. Demonstra-o o fato de que a família é importante também quando a pessoa vive distante, porque está presente como realidade simbólica que determina o vivido psíquico e o sentido existencial das pessoas. A família é relação simbólica e estrutural que liga as pessoas entre si num projeto de vida, que entrelaça uma dimensão horizontal (a do casal) e uma dimensão vertical (a descendência e a ascendência), que supõe a geração de filhos. A família permanece o símbolo concreto de que cada pessoa humana tem um lugar no mundo, não está condicionada a puros interesses ou instâncias de poder. De um lado, o complexo simbólico familiar tem ampla difusão e consideração positiva, por outro, parece perder seus contornos, uma vez que a família é assimilada, às vezes, a qualquer forma de convivência sob o mesmo teto.
Notas:
SCOLA, A. O Mistério Nupcial, Bauru: EDUSC, 2003.
DONATI, 1988; BRONFENBRENNER, U. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre, Artes Médicas, 1996. |