Há alguns meses a sociedade brasileira foi sacudida por um filme cuja temática é bastante conhecida nos centro urbanos, mas ao contrário dos filmes de ação, em que assistimos o desenrolar do confronto entre bandidos e policiais, Tropa de Elite nos arranca do conforto de nossas poltronas e nos lança em direção ao problema.
Não é possível ficar indiferente.
Há uma guerra em curso e a questão não se resume a decidir qual lado apoiar, mas em compreender de que forma estamos envolvidos nesta realidade: qual é a nossa parte nisto?
Consumidores diretos? Cidadãos coniventes com o “consumo social”? Espectadores sensíveis ou indiferentes a uma rede de poder que se estende de forma impiedosa sobre as parcelas mais vulneráveis da população? Intelectuais prontos a explicar os mecanismos que geram o tráfico e a violência?
Nem mesmo a Universidade é poupada: reflexões bem intencionadas, feitas a partir de esquemas que reduzem a realidade a aspectos parciais (política ou economia por exemplo) mostram-se incapazes de apontar soluções adequadas à complexidade da vida.
A força do filme não se encontra na associação direta entre o tráfico e o consumo da classe média, nem em expor a corrupção que vigora no interior da polícia ou mesmo em nos fazer tomar partido diante da guerra (Bope x traficantes), mas em nos colocar diante da pergunta: há outra saída? Existe alternativa a esta situação?
Numa guerra não há lugar para reflexões ou emoções, é preciso combater o inimigo com eficácia.
A violência que permeia todo o filme – a narração é acompanhada por poucos diálogos, entremeados por gritos, expressões de raiva e gestos brutais – expressa uma possibilidade de enfrentamento da situação, que ao longo do filme vai revelando sua fragilidade.
A única alternativa que parece possível – a violência como linguagem e solução - carrega em si um limite: é preciso negar alguns fatores da realidade para vivê-la.
É preciso negar sistematicamente a própria humanidade e eliminar a do outro: esta é a operação que permite aos homens do BOPE sobreviverem e cumprirem sua missão.
Qualquer sinal de humanidade deve ser sufocado: a comoção pelo outro não pode existir e até mesmo a positividade trazida pelo nascimento de uma criança só pode ser vivida numa esfera totalmente separada do cotidiano. Não há espaço para a dor nem para a esperança.
Mas as coisas não são simples. Estamos diante de homens íntegros, movidos por convicções, soldados que tem consciência da brutalidade do tráfico e empenham suas vidas nesta missão: subir o morro, enfrentar diariamente situações de riso, expor-se à morte com baixos salários e pouco reconhecimento em defesa da sociedade.
Não há limite entre a luta por um bem e o mal contido na guerra?
O desejo de bem não basta para dar forma a uma realidade mais justa?
Sabemos que o problema da marginalidade não se explica somente pela pobreza, pela falta de opções de trabalho ou escola, mas traduz também uma escolha pessoal.
Cada homem é chamado a desenvolver todas as dimensões que o constituem, sendo a maior delas a busca de verdade sobre si mesmo: em qualquer contexto o homem continua a gritar por algo que preencha a falta que estruturalmente carrega.
As instâncias educativas (família, escolas, igrejas, universidade) parecem ter se esquecido disto.
É preciso, portanto, recuperar e construir espaços de educação pessoal, lugares de vida onde cada um possa reconhecer em si e no outro um apelo à realização, que atinge a plenitude na indagação sobre o sentido último da própria existência.
Só assim é possível valorizar o outro e a positividade que já está presente na realidade, muitas vezes de forma discreta ou quase imperceptível, mas que pode dar sentido à dor e à dureza da vida de tantas pessoas envolvidas pelo tráfico.
|