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Três formas de pensar as causas da violência
Entrevista a Sérgio Adorno por Felipe Mahlmeister Ribeiro
 

O debate sobre a violência não pode deixar de abordar suas causas e como se origina na sociedade em que vivemos. O professor Sérgio Adorno , professor de sociologia da violência do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP, agrupa as causas da violência em três blocos de reflexão.

O primeiro deles diz respeito às "mudanças mais gerais na sociedade". Segundo ele na segunda metade do século XX acontecem mudanças importantes tais como a criação do mercado informal e a desregulamentação do mercado de trabalho, e mudam a relação entre as gerações e entre gêneros, as formas de participação e representação social, de hábitos, no modo de ser, de se relacionar com os outros e de reconhecê-los como sujeito de direitos. Além disso acontecem também profundas mudanças no significado das leis e dos direitos. "Então, com mudanças absolutamente complexas era de se esperar que o mundo do crime e da violência também fosse profundamente afetado", afirma.

Desde os 70, mundialmente, mas sobretudo nas sociedades latino-americanas acontecem mudanças muito radicais nas formas de criminalidade e de violência. "De um lado emerge o chamado 'crime organizado', colonizando as formas habituais e tradicionais de crime, tais como o crime contra o patrimônio ou contra a pessoa. O crime organizado, por ser uma atividade que exige controle de território, provoca conflitos muito grandes em torno do controle da passagem das drogas e provoca muitas mortes", afirma. Ele destaca que estudos indicam uma relação íntima entre o tráfico e o aumento das taxas de mortalidade por causas violentas e sobretudo os homicídios entre os jovens. "Temos que entender a questão das causas a partir da ótica das mudanças na sociedade global e certamente o crime organizado tem a ver com um processo específico que é a desregulamentação do mercado e de vários aspectos da vida social, que facilitam a circulação de dinheiro, o transporte da droga e das mercadorias ilícitas e a lavagem de dinheiro".

Um segundo ponto abordado pelo professor é sobre o aprofundamento da violência na medida em que as mudanças no capitalismo e no mercado foram colocando muitas pessoas fora do alcance da proteção das leis que regem o mercado de trabalho, a previdência social e o acesso ao bem-estar, como a habitação e escolaridade. "Leis essas que de alguma maneira, não só garantiam o direito à vida, às liberdades civis e públicas, mas que protegiam o indivíduo contra ataques sobretudo à sua pessoa. A sociedade está mais fragilizada, a competição e a concorrência estão cada vez mais ferozes, o conflito cada vez mais intenso e cada vez mais fatal", diz Adorno.

O terceiro e último bloco de causas diz respeito ao fato de que a violência cresceu, os crimes se tornaram mais complexos e mais agressivos e o sistema de justiça, composto pela polícia, pelo Ministério Público, pelo Poder Judiciário, e pelo sistema prisional, não conseguiram acompanhar o crescimento dos crimes. "Certamente a sociedade está refém deste processo e é muito difícil saber o que ela, pode fazer". Isso acontece, entre outros motivos pelo fato do crime organizado hoje não ser apenas uma atividade ilícita no sentido tradicional, mas uma operação que sabemos estar enraizada na sociedade, que tem conexão com a política, com empresários, com segmento do mercado, com empresas estatais... quer dizer, há toda uma correlação entre estas atividades, que tornam o controle do crime muito mais difícil e muito mais complexo do que era há, por exemplo, quarenta ou cinqüenta anos". Mesmo assim, o professor Adorno acredita no potencial da sociedade, principalmente vista como entidade abstrata - a partir de seus segmentos organizados.

Segundo ele, primeiramente, uma das armas que temos é a eleitoral. "Podemos, cada vez mais, eleger pessoas efetivamente comprometidas com a representação dos interesses majoritários da sociedade, entre os quais o direito à segurança", afirma. Além disso ele aponta também que podemos pressionar os governantes para que cumpram as finalidades constitucionais, o respeito às leis, à oferta de segurança à população, à contenção da violência dentro dos marcos do Estado de Direito. "É também fundamental vigiar as autoridades para o cumprimento das suas metas e programas sociais e políticos e exigir responsabilização quando estas metas não são cumpridas. A sociedade civil organizada pode debater publicamente os problemas e ajudar a formular projetos de gestão competentes que permitam oferecer a diferentes segmentos da sociedade - adolescentes, jovens adultos, crianças, mulheres, negros - todos os grupos da sociedade que se encontram em situação de vulnerabilidade em relação à violência, condições mais adequadas de vida e de proteção", destaca.

Neste contexto de enfrentamento do problema da violência o professor Adorno observa que a Igreja tem uma tradição sobretudo de organização da sociedade e de luta contra a opressão. "Pastorais e outras organizações dentro da Igreja tiveram e tem um papel muito importante em fortalecer a sociedade civil no reconhecimento dos seus direitos e no reconhecimento dos mecanismos pacíficos de luta contra a violência e contra as agressões sociais". Mas ele aponta que a Igreja não deve atuar sozinha. "Acho que esta tradição deve continuar. Pastorais e outras organizações dentro da Igreja tiveram e tem um papel muito importante em fortalecer a sociedade civil no reconhecimento dos seus direitos e no reconhecimento dos mecanismos pacíficos de luta contra a violência e contra as agressões sociais", completa.

Entrevista concedida em 31 de maio de 2006.

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