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Um mundo sem perdão
Oliveiros S. Ferreira
 

O autor, membro do Núcleo Fé e Cultura, é professor da Faculdade de Relações Internacionais da PUC/SP e editor da revista Núcleo Artigo publicado originalmente em O Estado de S. Paulo, edição de 26 de janeiro de 2002

O impulso inicial foi tentar compreender o que se esconde por detrás do assassinato do prefeito de Santo André. Sobretudo, buscar entender, pelos elementos que a imprensa escrita e falada apresenta dia após dia, que motivos teriam levado Alguém (chamemo-lo assim mesmo, tenha sido um ou vários) a matar. A decisão de matar escapa a nossa compreensão mais profunda, diria mais humana. Por isso mesmo, antes de saber do homicídio, fomos levados a classificar o seqüestro como “crime político”, ou “seqüestro para resgate”, ou simplesmente como “seqüestro por engano”.

Meu primeiro impulso, como disse, foi buscar compreender tantas coisas que padre Brown, a quem dedico especial admiração e carinho, diria que podem ser explicadas desde que se aceite a existência do Mal. Foi seguramente a lembrança de Brown que me fez deter-me num trecho do discurso que o cardeal Ratzinger fez no Sínodo dos Bispos, realizado em Roma, e que foi publicado pela revista 30Dias de outubro de 2001. Ora, direis!, que de comum pode haver entre a fala do Defensor da Fé e uma inquietação cidadã a respeito de um crime que comoveu o País? Voltai, por favor, às primeiras linhas deste artigo despretensioso: escapa, ao sentido profundo que damos à vida, o ato de Alguém que primeiro seqüestra, sabendo que depois vai matar. Só poderemos começar a adentrar este universo de trevas que cai sobre nós, se tivermos em mente a verdade profunda daquilo que Ratzinger disse em outubro: “Na nossa cultura agnóstica e atéia, o Bispo, mestre da fé, é chamado ao discernimento dos espíritos e dos sinais dos tempos. O problema central dos nossos tempos é o esvaziamento da figura histórica de Jesus Cristo. Um Cristo empobrecido e eu diria, esvaziado de sua missão salvadora não pode ser o único Salvador e Mediador, o Deus-conosco; assim, Jesus Cristo é substituído por uma idéia dos 'valores do reino' e torna-se uma esperança vazia.”

O leitor compreenderá melhor a razão que me levou a fixar-me em Ratzinger se acompanhar a transcrição que faço de trechos de uma entrevista do cardeal Cormac Murphy-O'Connor, arcebispo de Westminster, publicada no mesmo número da 30Dias. A primeira pergunta de Stefano Maria Paci nos joga num mundo que nos parecia não existir, embora Nietzsche tenha proclamado a morte de Deus.

“Eminência, falando à Conferência Nacional de Padres, o senhor disse: 'O cristianismo na Grã-Bretanha está para ser destruído.' É isso mesmo?” O cardeal Murphy-O'Connor não se furtou à resposta. Depois de confirmar que havia dito o que espantara não apenas o jornalista, mas muitos na Inglaterra, afirmou: “Vivemos num clima em que as coisas em que as pessoas acreditam, também os católicos, são as que vêm de fora. Há somente 50 anos, (...) todos eram batizados, todos tinham aprendido o Pai-Nosso e as orações.

A vida das pessoas girava em torno de um mundo no qual se sabia que Cristo era vivo e presente. Mas, hoje? A maioria das pessoas não tem mais esta consciência. Não é que recusem o cristianismo; simplesmente não lhes foi mais proposto.”

Stefano Maria Paci volta ao ataque: “O que resta numa sociedade se desaparece o cristianismo?” E o cardeal lhe responde: “Resta um relativismo no qual cada um tem sua verdade. É um mundo sem pai. Um mundo em que não há mais ninguém que possa dizer 'isto está certo, isto está errado'. Um mundo onde não há mais ninguém que possa dizer 'estás perdoado'. Um mundo desesperado.” A preocupação com a necessidade do perdão me trouxe à memória não padre Brown, mas seu criador, Chesterton, que em sua autobiografia dizia, com a candura que lhe era própria, que uma das razões que o haviam levado ao catolicismo fora o sacramento da Confissão, pelo perdão que nele está contido.

É neste mundo sem Cristo, sem pai, sem perdão e em que o homem voltou a ser a medida de todas as coisas, como era para os sofistas, contra os quais Sócrates se ergueu, que o Mal tem condições de ser vitorioso - ou, ao menos, de nos seduzir pela convicção com que afirma que sua é a verdade. Camus escreveu um grande pequeno livro, O Homem Revoltado, em que procurou descobrir a lógica do homicídio, saber por que os homens matam. Se a memória não me falha, a lógica dos populistas russos que mataram o grão-duque era a mesma dos anarquistas individualistas que apavoraram Paris no fim do século 19: o crime se justifica porque se troca uma vida por outra, a da vítima pela do assassino. Quando se mata e em seguida o assassino se esconde sob que máscara for, o homicídio não tem lógica. Para Alguém, a verdade que nasce no cano de uma pistola automática vale tanto quanto o perdão que o Pai pode dar.

Este é o mundo em que vivemos, egoístas todos nós, convivendo com aqueles que estão possuídos pelo Mal e que, timbrando em afirmar a todo instante que Deus morreu e não há mais perdão, pretendem impor sua vontade, tresloucada que seja, a quantos não se aperceberam de que os tempos são difíceis. Será que as “idéias 'dos valores do reino'” nos impedem de pensar como o cardeal Murphy-O'Connor: “Se numa comunidade não há nenhuma certeza que possa ser partilhada por todos, qual é a esperança para cada um? Mesmo assim, há uma verdade, que toca todos, que convence todos, não apenas os cristãos. Há uma verdade reconhecível pela razão, porque fomos criados por Deus”?

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