Extraído de The New York Times, edição de 11 de outubro de 2003
Sequer imagino que ele se preocupe com isso, mas o papa João Paulo II, que tem tido influência mais profunda em mais gente do que qualquer outro ser humano vivo, nunca ganhará o Prêmio Nobel da Paz. [...] Ele é demasiado grande e complexo para essa premiação. O projeto em que está engajado – ainda continua engajado – desafia categorias como as do prêmio.
Instruído pela fé, treinado pela dura história da Europa Central, o jovem Karol Wojtyla viria a acreditar que "o mal de nossos tempos consiste em primeiro lugar numa espécie de degradação, na verdade uma pulverização, da individualidade única de cada pessoa". Os nazistas tentaram reduzir os indivíduos à sua característica racial, os marxistas à sua classe social. João Paulo II dedicou sua vida à defesa do ser inteiro e da dignidade indivisível de cada pessoa. No fundo de cada indivíduo, acredita ele, existe a necessidade moral de buscar a verdade. [...]
Sua maior conquista tem sido lembrar-nos – católicos e mesmo nós, não católicos – que não se pode diminuir as pessoas. E nós fazemos isso o tempo todo sem percebê-lo. Quando escrevemos para jornais, ou falamos em público, geralmente falamos como se democracia e liberdade fossem finalidades em si mesmas. Premiamos nossos heróis por curar doenças e por desarmar minas terrestres.
Essas ações, conquanto grandes, são insuficientes, insiste sempre o papa. Democracia é apenas um sistema. Liberdade é apenas uma portunidade para o bem ou para o mal. A essência da vida não é uma vida longa mas uma vida verdadeira.
O Papa está sempre nos tirando de nossa zona de conforto secular e nos arrastando para os temas últimos. Não se pode falar de política, economia, ciência, filosofia ou guerra, argumenta ele, enquanto desviamos convenientemente nossos olhos de Deus e da verdade última.
Em sua declaração louvando a vencedora deste ano, Shirin Ebadi, o comitê norueguês do Nobel celebra o compromisso dela com o diálogo e a democracia. Onde os autores dessa declaração põem seu ponto final, no entanto, é de onde o papa parte. Diálogo para qual verdade? Democracia para quê? Ele entende que nunca convenceremos um muçulmano radical a abandonar sua adesão absoluta ao que este acredita ser uma verdade divina, se tudo que lhe oferecermos for um tépido diálogo sobre a necessidade de confraternização. [...]
Shirin Ebadi é obviamente uma pessoa corajosa realizando um trabalho vitalmente importante. Nada tira dela seu heroísmo. Mas quando a história voltar seus olhos para nossa era, o Papa João Paulo II será reconhecido como o gigante deste tempo, como o indivíduo que mais fez para colocar a democracia e a liberdade a serviço dos objetivos mais altos da humanidade.
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