Uma apresentação clara e concisa das causas da crise econômica atual e de suas repercussões para o Brasil.
Falar sobre a crise econômica mundial é uma tarefa difícil. Há várias tentações às quais devemos resistir: considerá-la mais uma crise inevitável do capitalismo – como leio nos cartazes espalhados pela Universidade; invocar a crise de 29, esquecendo que cada crise é, apenas, na aparência igual à anterior; oferecer
explicações inquestionáveis sobre a sua origem etc.
Receitas prontas são agradáveis e reconfortantes, mas em se tratando da atual crise econômica são enganadoras. A lição mais importante é reconhecer que é uma crise econômica de dimensão histórica e que pouco sabemos sobre o que vai acontecer no futuro próximo: a crise poderá ser tão grave ou pior que as outras crises econômicas do passado. Seguramente não será uma marolinha, mas poderá, dependendo da política econômica implementada, jamais alcançar a dimensão apocalíptica esperada por vários analistas econômicos. Eles estão na mesma situação do relógio quebrado: duas vezes ao dia a hora está correta.
Reconhecer que é um território novo, que nosso conhecimento é limitado, não é um impedimento para a busca de explicações sobre a origem da crise econômica e, muito menos, para a apresentação de propostas que visam torná-la menos longa no tempo e desastrosa do ponto de vista social.
É sempre bom lembrar que, por pior que seja a crise, um dia ela passa e a economia de mercado continuará a existir, ainda que, provavelmente, em outro formato, apresentando os resultados conhecidos que nos permitem afirmar, parafraseando Churchill, que ela é o pior sistema econômico, exceto todos os outros.
A crise econômica foi inicialmente diagnosticada como sendo um problema de liquidez que seria facilmente solucionado com o bom uso dos instrumentos de política monetária. Um simples problema de empoçamento de liquidez era a explicação corrente no meio financeiro e acadêmico, não havendo motivo algum para preocupação. O diagnóstico mostrou-se incompleto, pelo menos para a economia americana, mas acabou condicionando as respostas iniciais à crise, que conseguiram, no máximo, ganhar tempo.
Vilões
A desregulamentação do sistema financeiro, o crédito barato, o risco moral e a bolha imobiliária são seguramente os grandes vilões da atual crise econômica. Há, naturalmente, ligação entre eles. A desregulamentação foi fundamental para que a criatividade de profissionais bem qualificados levasse à criação de produtos financeiros que prometiam um verdadeiro santo graal: a diluição dos riscos e a manutenção de retornos cada vez mais generosos que, por sua vez, permitiam o barateamento do crédito e os empréstimos a clientes que, em condições normais, não teriam sequer acesso ao sistema bancário. Estavam criadas as condições necessárias e suficientes para o boom imobiliário.
O estouro da bolha imobiliária levou a uma alta nas inadimplências e na execução de hipotecas, que por sua vez resultou em queda nos preços dos títulos nelas lastreados e na falta de capital nas instituições financeiras, devido a uma escassez de ativos em relação às suas dívidas. O que demonstrava que o diagnóstico inicial estava equivocado, não era apenas um problema de liquidez, mas de descapitalização do sistema financeiro. Esta insuficiência de capital e o temor que isto levasse a uma insolvência em massa criaram o pânico, traduzido em escassez total de crédito.
As conseqüências sobre a economia mundial foram e continuam a ser desastrosas com queda na produção industrial, aumento do desemprego e forte redução do fluxo de comércio. Os últimos números da produção industrial e do desemprego, respectivamente, para alguns países são bastantes ilustrativos: USA -11.8 (fev.), 8.5 (março); Japão -38.4 (fev.), 4.4 (fev.); Reino Unido -12,5 (fev.), 6.5 (jan.); Área do Euro -17.3 (jan.), 8.5 (fev.); Alemanha -19.2 (jan.), 8.1 (março); Espanha -23.9 (fev.), 15.5 (fev.).
As previsões do Banco Mundial para 2009 não são tão pouco encorajadouras: contração de 1.7 na taxa de crescimento do PIB Global e de 6.1 no volume mundial de bens e serviços. O cenário apresentado pela OCDE não é muito diferente, com previsão de PIB negativo para os Estados Unidos (-4.0), Japão (-6.6) e Área do Euro (-.03). Os países com maior participação das exportações no PIB foram, naturalmente, os mais afetados. E isto não deverá alterar muito neste ou no próximo ano. O fluxo de comércio não deverá dar sinais de vida antes de 2010 e mesmo assim, os sinais devem ser fracos, o que não é uma boa notícia para países com grande dependência em relação ao comércio mundial como o Japão e a Alemanha.
Um leitor otimista deve estar se perguntando se há alguma saída, como o Plano Obama, por exemplo. “Vai funcionar?”, é a pergunta óbvia. No entanto, antes de responder a questão, é necessário fazer outra pergunta: “Ele resolve o problema da descapitalização do sistema financeiro?” Como vimos este é o grande problema da economia americana e a solução para ele passa, inevitavelmente, pela estatização temporária de parte significativa das instituições financeiras. É o que foi feito em outros países em situação semelhante, como na Suécia, em 1991. Lá, o estopim da então crise da economia foram os problemas de dois dos seis maiores bancos do país. A solução, bastante simples, foi a transferência do controle dos bancos com problemas para o Estado, que chegou a possuir 22% de todos os ativos do sistema financeiro sueco.
Os ativos bons ficaram com os bancos que continuaram a funcionar com o mesmo nome. Os ativos tóxicos foram transferidos para duas empresas de Asset Management criadas com o único propósito de administrá-los: Securum e Retrieva. Desde o inicio assumiu-se que o processo de limpeza do sistema, ou seja, a venda dos ativos tóxicos, não seria realizado no curto prazo, mas durante um longo processo, medido em anos, não em meses. O processo de liquidação foi concluído em 1997. A Securum devolveu ao Tesouro 14 bilhões de krones (1,8 bilhões de dólares em 1997) do capital acima mencionado. A experiência é considerada um sucesso.
Brasil
É a partir deste cenário externo nada róseo que devemos analisar os dilemas e problemas da economia brasileira – em muitos aspectos muito mais próxima da economia de um país desenvolvido que daqueles em desenvolvimento – que apresenta uma serie de características, consideradas vícios, em condições de normalidade econômica, mas que no atual cenário são virtudes.
O impacto inicial da crise econômica sobre a economia brasileira foi grande, ainda que menor que o esperado por alguns analistas econômicos. Aparentemente, a economia brasileira ainda não sofreu todo o impacto esperado da crise, o que deverá ocorrer no futuro próximo, em intensidade ainda desconhecida. Os setores mais atingidos foram aqueles com forte dependência do credito, como o de bens de consumo duráveis e o exportador. Neste último caso, vale destacar o setor de carne bovina, que ainda passa por sérias dificuldades. O impacto sobre as comunidades-sedes desses grupos é dramático já que, via de regra, eles são os maiores – quando não os únicos – empregadores.
Os últimos dados do setor externo, como era de se esperar, parecem indicar que o pior ainda não passou. Em relação a março de 2008, as exportações recuaram 14,9% e as importações 21,5%. No comparativo com o mês anterior, fevereiro, foi registrado crescimento de 0,8%, pela média diária das exportações e de 5,0% paras as importações.
O bom resultado do saldo comercial, 79,3% no comparativo com março de 2008, é, naturalmente, explicado pela forte queda das importações, por sua vez um retrato da retração da economia. Os manufaturados e os semimanufaturados são os que apresentaram maior retração no comparativo a março 2008, 27,1% e 25,8%, e em relação ao primeiro trimestre do ano passado, 29,1% e 22,9%, respectivamente. O impacto da retração econômica sobre o emprego na indústria, por enquanto, tem sido severo, porém sem atingir a dramaticidade de outros períodos quando não existia o seguro desemprego. No comparativo com fevereiro 2008, a queda foi de 4,2% – maior recuo da série histórica iniciada em 2001 – e em relação ao mês imediatamente anterior foi de 1,3%. Outro indicador importante, o número de horas pagas aos trabalhadores apresentou, em fevereiro, uma queda de 0,4% em relação ao mês anterior. Já o valor da folha de pagamento real da indústria voltou a crescer em fevereiro, 1,9% em relação ao mês anterior. Aparentemente positivo, na verdade este último dado pode ser explicado pelo aumento nas demissões.
Inflação
Os dados do emprego na indústria e do setor externo assustam e são, naturalmente, motivos para preocupação, mas há indicadores positivos que nem sempre recebem o devido destaque. A inflação é um deles. O IPCA de março foi de apenas 0,2%, o acumulado no primeiro trimestre de 2009, 1,2%. Uma completa reversão do ambiente que prevalecia em setembro do ano passado, quando o temor de um repique inflacionário era real e justificava a política monetária prudente do Banco Central. Os números da inflação garantem a manutenção do poder de compra dos salários e permitem novas e significativas reduções na taxa Selic (juros), fundamental para uma redução no aperto fiscal. Outro dado importante e que oferece certa segurança ao setor externo é o volume das reservas brasileiras e a composição da dívida externa que, contrariamente ao que se imagina, é basicamente contraída pelo setor privado. Em outras palavras, a restrição externa, que sempre acompanhou a economia brasileira, não marca presença no atual cenário econômico e isto faz toda a diferença. É bom recordar que isto somente foi possível devido à política ortodoxa seguida pelo Banco Central – duramente criticada por alguns economistas. Para eles trata-se de um vício que, devido à crise econômica, tornou-se uma virtude. Recusam- se a aceitar que estavam errados.
As medidas implementadas pelo Governo Federal, tem sido, em geral, corretas e obtido sucesso em minimizar o impacto da crise. A redução do IPI dos carros é uma medida com bons resultados na produção, mas ainda fica a desejar na recuperação do nível de emprego. Contudo, recomenda-se cautela em relação a estes resultados: a redução dos estoques pode ser o resultado da antecipação da compra do veículo, o que implica afirmar que o problema pode retornar no futuro. A desoneração fiscal é uma medida que, seguramente, agrada produtores e consumidores, ambos eleitores, mas não necessariamente é o melhor meio para auxiliar na recuperação da economia. Colocar mais recursos na bolsa de consumidores endividados vai deixá-los muito felizes, porém, não aumentará o consumo, já que a renda adicional será usada para honrar dívidas passadas. Abrir mão de receitas, em um cenário em que está ocorrendo queda no recolhimento de tributos federais, não parece uma medida muito prudente. Ela simplesmente reduz o grau de liberdade da política fiscal.
Concluindo, a crise chegou ao Brasil, porém, não ainda com a intensidade que alguns esperavam. Qual será ela ainda é controverso. Me coloco entre aqueles que acreditam que o impacto da crise será menor que em outros paises e que a recuperação será mais rápida. O Brasil tem todas as condições para sair desta crise mais forte e com mais influência no cenário mundial.
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