A construção da paz e de uma sociedade mais segura passa por uma visão integral de pessoa humana. Uma sociedade que não acolhe a pessoa em todas as suas dimensões, material, psicológica e espiritual, não é capaz de ser uma sociedade de paz.
Quando consideramos o problema da segurança na sociedade atual, temos que considerar três níveis da questão: o sócio-econômico global; o político-institucional e o das relações interpessoais e da vida social no âmbito local. Na prática, esses níveis se entrelaçam, ainda que a ação pessoal aparentemente perca sua força à medida que nos afastamos do nível local e nos dirigimos ao nível internacional.
Neste plano internacional, as mudanças decorrentes da chamada “globalização” criaram novas modalidades para velhos problemas – geralmente aumentando-os. Para se ter uma idéia dessas mudanças, pode-se comparar o tempo em que o jogo-do-bicho era o exemplo típico de “crime organizado” no Brasil com a atualidade, quando ele perdeu seu espaço para o narcotráfico. Ou as mudanças nas relações internacionais que cercavam a guerra da Coréia e a guerra do Vietnam, em comparação com as da guerra do Iraque. No mundo globalizado, os poderes locais se enfraquecem e surgem novos recursos que permitem espalhar a contravenção, a violência e a destruição por territórios geográficos e sociais muito mais amplos.
No plano político-institucional, nos deparamos com os limites da ação do Estado no controle da violência e do crime – as políticas de segurança pública. De modo geral, nesse campo, se busca a melhoria da rede de prevenção ao crime, do sistema prisional e da gestão da informação, da formação e da valorização dos policiais, etc. Contudo, a capacidade do Estado de investir na área de segurança é limitada e o retorno do investimento freqüentemente fica abaixo das expectativas, gerando uma série de debates sobre a eficiência do estado e dos governos.Nesse nível, a ação de cada cidadão se faz principalmente através do voto e da participação em campanhas de pressão sobre o poder público.
O terceiro nível, o interpessoal e da vida social no âmbito local, é o que mais diretamente diz respeito ao tema das relações fraternas. Nesse nível da análise, nos deparamos com diversas formas de insegurança e de fatores geradores de violência. Roubos, assaltos, agressões sexuais, ocorridas na rua, em casa, nos locais de trabalho e estudo, etc. Quando perguntamos por que essas agressões acontecem, as causas mais lembradas são a pobreza, a impunidade, a própria maldade do coração humano.
Muitas vezes, uma inegável associação entre violência, insegurança e pobreza parece mascarar todos os demais aspectos do problema. Mas a maioria dos pobres não é criminosa ou violenta – pelo contrário, são as vítimas anônimas e mais comuns do crime e da violência. Por outro lado, demonstrações de violência, vindas de pessoas e famílias de classe média ou alta, nos chocam frequentemente. Nesse nível da análise, podemos compreender melhor a violência atual se a vemos como conseqüência de uma incapacidade que a sociedade tem de acolher a pessoa humana em todas as suas necessidades, materiais, psicológicas e espirituais.
A pobreza material representa, sem dúvida, o primeiro aspecto dessa falta de acolhida. Aquele que chega numa grande cidade, como imigrante ou recém-nascido, tem necessidade de uma série de recursos materiais para realizar-se como pessoa humana. Na falta dessas condições, aumenta a probabilidade de que recorra ao crime como alternativa e que responda violentamente a uma sociedade que lhe recebe com violência (o que não significa que o pobre irá se tornar bandido...).
No mundo tradicional, a pobreza também existia, mas não era realçada pela desigualdade em recursos e oportunidades que marca nossas cidades. Além disso, os laços sociais criavam uma rede de solidariedade e apoio mútuo que tendiam a minimizar seus efeitos. Em nossas periferias essa rede social se esgarça, tende a desaparecer. É nesse tecido social em desagregação, diante dessa pobreza desassistida e desesperançada, que a violência e o crime fermentam com mais vigor. Portanto, deve-se compreender que uma dada estrutura social, com suas conseqüências no plano das relações interpessoais, da afetividade e do desenvolvimento da pessoa, podem potencializar ou reduzir as conseqüências da pobreza.
Esse aspecto sócio-cultural e psicológico não é específico das populações pobres. Ele atravessa toda a sociedade. A desestruturação das famílias, a falta de orientação dos adolescentes, a solidão e o abandono de jovens e adultos, representam outra dimensão desse processo de não-acolhida da pessoa humana, e podem ter o mesmo efeito gerador de violência, insegurança e criminilidade. A esses fatores se acrescenta um terceiro nível, que podemos chamar de espiritual. Esse termo é frequentemente interpretado num sentido abstrato ou se referindo apenas a uma vida após a morte, como que sem influência sobre o cotidiano concreto das pessoas. Mas o nível espiritual é mais do que uma questão de vida após a morte. A espiritualidade diz respeito à busca do sentido da vida.
A questão espiritual – assim entendida – é a mais decisiva do plano individual. O homem se move procurando satisfazer suas necessidades, realizar seus desejos e escapar de seus sofrimentos. Mas é a resposta (geralmente inconsciente) à pergunta sobre o sentido da vida que lhe permite hierarquizar necessidades, explicitar desejos e colocar-se diante do sofrimento. Assim, também a opção pela violência ou pelo crime representa uma resposta específica à questão do sentido da vida. É aqui que a realidade material, as experiências pessoais e o contexto cultural fazem seu encontro vertiginoso com a liberdade humana, e determinam como se dará a dramaticidade de cada existência humana.
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