A nova encíclica de Bento XVI, sobre a Doutrina Social da Igreja, deverá retomar conceitos como o desenvolvimento integral da pessoa humana e dos povos, sustentada anteriormente pela encíclica “Populorum Progressio”, de Paulo VI, e a discussão sobre o significado e as características de uma economia voltada para a pessoa humana, expostas anteriormente na “Centesimus Annus” de João Paulo II .
Em 29 de junho de 2009, festa solene de São Pedro e São Paulo, Bento XVI assinou sua terceira encíclica, a primeira de seu magistério social. No último 13 de junho, durante a audiência que concedeu aos sócios e estudantes da Fundação “Centesimus Annus”, o Papa sublinhou a necessidade de repensar os "paradigmas econômico-financeiros dominantes nos últimos anos". De acordo com o Pontífice, "a crise financeira e econômica que afetou os países industrializados, os emergentes e os em vias de desenvolvimento, mostra de forma evidente a necessidade de repensar certos paradigmas econômico-financeiros que foram dominantes nos últimos anos."
O Pontífice, falando de economia de mercado, menciona um passo decisivo da encíclica “Centesimus annus”, de 1991, ao considerar que "a liberdade no setor de economia deve enquadrar-se em um contexto jurídico sólido, que o ponha a serviço da liberdade humana integral, uma liberdade responsável cujo centro é ético e religioso". Nesta altura do discurso, o Papa recordou aos presentes a publicação eminente de sua próxima encíclica, dedicada à economia, ao trabalho e ao desenvolvimento: “Caritas in veritate” – a encíclica social sobre o desenvolvimento que, na intenção do Pontífice celebra e atualiza a “Populorum Progressio” de Paulo VI, de 1967. Foi justamente nessa encíclica que Paulo VI, além de realizar um balanço da cultura e da civilização tecnológica e sua contribuição á libertação do homem, insistiu no “gravíssimo dever” das Nações mais desenvolvidas de “ajudar os países em via de desenvolvimento”.
Em relação á nova encíclica, Bento XVI disse aos presentes no encontro que nela “serão postos em evidência aqueles que para nós, cristãos, são os objetivos que devem ser perseguidos e os valores que devem ser promovidos e defendidos incansavelmente, a fim de realizar uma convivência humana verdadeiramente livre e solidária”. O Papa menciona ainda uma passagem da “Centesimus annus”: “Assim como a pessoa se realiza plenamente a si mesma na livre doação de si, também a propriedade se justifica moralmente ao criar, nos modos e nos tempos devidos, ocasiões de trabalho e de crescimento humano para todos".
Mercado, propriedade, empresa, lucro, trabalho adquirem um significado cristão consistente na medida em que o centro é Cristo - Cristo redentor que, revelando Deus ao homem, revela o homem a si mesmo. O mercado pode então assumir os aspectos cristãos como seu caráter relacional, a propriedade se volta para a responsabilidade, com o trabalho o homem - criou a imagem e semelhança do Pai-criador – “subjetivamente” participa de certo modo da obra do Pai-criador, a empresa se torna comunidade de trabalho na qual se experimenta um vínculo profundo com toda a humanidade e o lucros são um dos tantos (ainda que indispensável) “parâmetros” medir a o uso correto (responsável) de bens da terra.
No centro da reflexão da “Caritas in veritate” encontraremos a questão do desenvolvimento de integral da pessoa. Recordemos quanto João Paulo II sublinhou a propôs a respeito desse tema, retomado por Bento XVI durante a audiência de 13 de junho: “um ‘sistema econômico que reconhece o papel fundamental e positivo da empresa, do mercado, da propriedade privada e da conseqüente responsabilidade pelos meios de produção, da livre criatividade humana no setor da economia’, pode ser reconhecida como caminho de progresso econômico e civil unicamente se for orientada para o bem comum".
O sentido destas declarações, confirmadas e reforçadas por Bento XVI, encontra suporte na tradição da “economia social de mercado”. As atividades econômicas, como qualquer outra dimensão do agir humano, não se realizam nunca a partir de um vazio moral ou em um mundo virtual, mas dentro de um dado contexto cultural, cujas matrizes podem ser reconhecidas e valorizadas ou negligenciadas e desprezadas. Nesta perspectiva, uma sã “economia de mercado”, “livre” – ou um capitalismo compreendido com retidão – está sempre limitada por uma ordem jurídica que a regula e por instituições morais, por exemplo, a família e a pluralidade dos corpos intermediários que, respeitando o princípio de subsidiariedade horizontal, interagem com a economia – influenciado-a e sendo por ela influenciados.
A economia de mercado é sempre plasmada pela cultura na qual se desenvolve e influenciada pelas ações e os hábitos cotidianos daqueles que a fazem acontecer, de modo que as ações de cada um influenciam a qualidade de vida de todos dentro da sociedade. Este é o “personalismo metodológico” que impregnou o magistério social de Wojtyla e que continuará conformando também a preocupação pastoral de Bento XVI no âmbito sócio-econômico.
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