Esse artigo mostra, a partir da ótica do legislador brasileiro, que o Acordo entre o Brasil e a Santa Sé é um instrumento normal, que não fere os direitos das pessoas das demais religiões ou mesmo sem religião. Pelo contrário, trata-se de um reconhecimento de um direito individual de cada cidadão, que é o de poder professar livremente e publicamente a sua opção de fé.
O GOVERNO brasileiro, desde 2006, manteve contatos com a Santa Sé de personalidade jurídica internacional para a celebração do acordo referente à Igreja Católica no Brasil.
Assinado em novembro de 2008, quando da visita do presidente da República ao sumo pontífice, visa consolidar em um único instrumento jurídico a situação da igreja entre nós.
É um tratado internacional com dispositivos que asseguram garantias ao culto religioso e ainda regularizam a personalidade jurídica das instituições eclesiásticas de acordo com a legislação.
Acordos desse tipo são hoje comuns mundialmente, sobretudo no Ocidente, para garantir ao povo o direito às suas crenças.
O Estado democrático é laico, mas a nação é religiosa. Daí encontrarmos em vários países, como na Espanha, o acordo do Estado com a Comissão Islâmica (1922), com a Federação das Entidades Evangélicas (1996), com a Federação das Comunidades Israelitas e com a Igreja Católica.
Na Itália, há convênios do Estado com as igrejas cristãs adventistas do sétimo dia (1988), com a Igreja Evangélica Luterana, com a União Cristã Batista, com a Assembléia de Deus, com a União das Igrejas Cristãs.
Na Alemanha, há com a Igreja Luterana, além de outras denominações religiosas, inclusive a católica.
Tratados dessa natureza, frutos da diplomacia internacional, asseguram em nosso tempo o culto religioso em diversos países.
No Brasil, a nossa tradição jurídica e política, muito influenciada pelo positivismo comteano desde a proclamação da República, não tem se preocupado com tais questões.
Mas o atual governo e a Santa Sé perceberam a necessidade de consolidar em um estatuto normas legais de interesse da Igreja Católica reconhecendo a sua personalidade jurídica, além dos seus direitos consagrados em nossas leis.
Sancionam, por exemplo, proteção ao patrimônio histórico-cultural da igreja, parte de nossa civilização, mas autorizando o acesso de todos que queiram conhecê-lo ou estudá-lo.
Também no acordo há referências ao ensino religioso, com preceitos não só para a Igreja Católica como também para todas as religiões, repetindo o texto da Constituição e da legislação, garantindo que a educação católica -e a de outras confissões- terá matricula facultativa, sem nenhuma forma de discriminação.
De modo genérico, declara o empenho da República em destinar espaços para construções religiosas no Plano Diretor das cidades, sem mencionar a Igreja Católica.
Refere-se também à imunidade tributária constitucional que as religiões possuem e contém ainda o direito de seus ministros e fiéis de atuar no culto sem vínculos empregatícios, inspirando-se na lei que regula o voluntariado e na jurisprudência dominante sobre o tema.
O acordo, assim, não contém nenhum atentado à Constituição Federal e muito menos propicia privilégios para os bens da igreja. Respeitando plenamente o artigo 19 da Carta Magna, que proíbe a dependência do Estado de entidades religiosas e proíbe alianças com elas, expressa, segundo aquela, a necessidade da colaboração de interesse público entre as organizações religiosas e o Estado.
Por outro lado, reproduz princípios consagrados nos tratados da Santa Sé com vários governos, refletindo as preocupações do tablado internacional moderno.
É um documento diplomático que não traz nenhum fato excepcional, mas assegura à religião de maior número de fiéis em nosso país um conjunto de garantias que, desde o início da República, não estavam claramente configurado, embora sob plena obediência aos preceitos da Constituição e das leis em vigor.
Finalmente, constitui uma porta aberta para acontecer no Brasil o que ocorre na Espanha, na Itália, na Alemanha e em Portugal, isto é, outros acordos dessa natureza envolvendo diversos credos religiosos e reiterando, assim, o princípio de que, embora laico, o Estado há de proteger a vontade fundamental do cidadão de ter a sua fé e a sua crença. |