Eu faço música, em primeiro lugar, para meu prazer pessoal. E, só depois, para que outros a ouçam. Quando dou um concerto, seja em um grande teatro, seja num auditório palaciano, ou em um mosteiro..., ou tocando só para o papa, como fiz certa vez para João Paulo II, o instante mais comovente e mais feliz para mim é esse momento de silêncio que se produz antes de começar a tocar. Então sei que o público e eu vamos compartilhar uma música, com todas as suas emoções estéticas. Eu não procuro o aplauso, e quando o recebo sempre fico surpreso..., me esqueço que, ao final do concerto, vem a ovação! E vou confessar algo mais: quase sempre, para quem eu realmente toco é para Deus. Eu disse “quase sempre” porque há vezes em que, por minha culpa, em pleno concerto posso distrair-me. O público não repara, mas Deus e eu sim.
E... Deus gosta de sua música?
Ele é fascinado! Mais do que da minha música, o que Ele gosta é que eu Lhe dedique minha atenção, minha sensibilidade, meu esforço, minha arte..., meu trabalho. E, além disso, certamente, tocar um instrumento da melhor maneira que alguém saiba, e ser consciente da presença de Deus é uma forma maravilhosa de rezar, de orar. Isso eu o tenho experimentado bem.
O Senhor sempre teve essa fé religiosa que agora tem?
Não. Minha vida de cristão teve um grande parêntese de vazio, que durou um quarto de século. Batizaram-me ao nascer, e depois não recebi nenhuma noção que ilustrasse e alimentasse minha fé... Para dizer-lhe que comunguei a primeira vez aos vinte e cinco anos! De 1927 até 1951 eu não praticava, nem acreditava, nem me preocupava minimamente se havia ou não vida espiritual e uma transcendência, um mais além. Deus não contava nada na minha existência. Mas depois pude saber que eu sempre havia contado para Ele. Foi uma conversão súbita, inesperada e muito simples. Eu estava em Paris, eu estava debruçado numa ponte do rio Sena, vendo fluir a água. Era de manhã. Exatamente 18 de maio. De imediato O escutei dentro de mim. Talvez já me tivesse chamado em outras ocasiões, mas eu não o havia escutado. Naquele dia eu tinha “a porta aberta”. E Deus pode entrar. Não só se fez ouvir, mas entrou completamente e para sempre em minha vida.
Uma conversão como a de Paul Claudel, a de André Frossard, a de São Paulo?
Ah, eu suponho que Deus não se repete! Cada homem é um projeto divino, distinto e único; e para cada homem Deus tem um caminho próprio, uns momentos e uns pontos de encontro, umas graças e umas exigências... E todo chamado é único na história.
O senhor disse que “escutou”, que “se fez ouvir”... Posso entender, Narciso, que o senhor, ali junto ao Sena, escutou palavras?
Sim, claro. Foi uma pergunta, aparentemente, muito simples: “Que estás fazendo?” Nesse instante tudo mudou para mim. Senti a necessidade de me perguntar por que vivia, para quem vivia. Minha resposta foi imediata. Entrei na igreja mais próxima: Saint Julian le Pauvre. E falei com um sacerdote durante três horas... É curioso, porque meu desconhecimento era tal que nem me dei conta de que era uma igreja ortodoxa. A partir desse dia procurei instrução religiosa católica. Não esqueci que eu era batizado. Tinha a fé adormecida e ela reviveu. E desde aquele momento nunca deixei de saber que sou criatura de Deus, filho de Deus. Um homem com um sinal de eternidade que vai se tecendo e atravessando, já aqui, na companhia de Deus. Assim, como até então Deus não contava em nada na minha vida, desde aquele instante não há nada na minha vida, nem o mais trivial, nem o mais sério, que não conte com Deus.
A íntegra dessa entrevista, em espanhol, pode ser vista no site do Vicariado Sul da diocese de Santiago do Chile
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