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O amor em tempos de niilismo
Francisco Borba Ribeiro Neto
 

*Francisco Borba Ribeiro Neto, biólogo e sociólogo, é coordenador de projetos do Núcleo de Fé e Cultura da PUC-SP.

Quem acompanhar na grande imprensa os artigos discutindo Deus caritas est terá uma curiosa sensação: ou o papa é um tolo que repetiu obviedades a respeito do amor, embalando-as em alguns termos gregos, ou a maior parte dos artigos não informou o leitor sobre o verdadeiro conteúdo da encíclica. Na verdade, Bento XVI atingiu a ferida que sangra, que a mentalidade dominante não quer olhar e, muito menos, dar ao papa o direito de mostrar como estancar o sangue.

Em nenhum outro momento e contexto cultural da história o ser humano esteve tão livre para amar como na sociedade ocidental do século XXI. Nunca as pessoas foram tão bombardeadas pela idéia da necessidade do amor, pela idéia de que o amor traz felicidade, quanto são hoje pela nossa mídia (afinal, de que falam as telenovelas e os filmes no cinema?). Mas, nem por isto, somos mais capazes de encontrar a felicidade através do amor. Temos até mais dificuldade.

Uma das experiências mais profundamente humanas é a do desejo ­ associado ao eros ­ do bem, da beleza, da companhia que vêm de um outro (ou, quem sabe, do Outro, com "o" maiúsculo). A moderna civilização ocidental foi construída tendo como uma de suas pilastras esta experiência. Quanto mais racionalista, pragmática e individualista se torna, mais nossa cultura exalta o amor erótico, como uma contrapartida que nos permita sobreviver num mundo cada vez mais desumano. E mais o amor parece se tornar uma experiência trágica ou ingênua, condenada a um vazio último.

Bento XVI mostra que a "crise' contemporânea da experiência de amar nasce de se pensar que basta desejar o outro, enquanto que é necessário doar-se a ele, fazer o amor erótico amadurecer e se tornar ágape. Esta nova dimensão não anula a outra, mas a completa e realiza plenamente o amor. Mas a nossa sociedade foi construída a partir da premissa do individualismo e do interesse egoísta entre os seres humanos. A noção do dom sincero de si a um outro foi considerada impossível, uma falsidade ideológica. É que o homem moderno tem medo do outro, de ser traído, de que suas expectativas não se realizem.

Por isto, os poucos que apresentaram de modo preciso a mensagem do papa concluíram: "mas é muito difícil". Na verdade, para o homem sozinho seria impossível! Por isto Bento XVI declara que "ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande idéia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo". Amamos com um amor capaz de doação porque fizemos a experiência de sermos amados por um outro que se doou a nós. Não é difícil porque depende do gesto gratuito de um Outro. A ágape não é um puro gesto humano, mas é o difundir-se no mundo de um amor que vem antes, o amor de Deus ­ pessoa que se entrega aos homens em Cristo.

Esta é a verdade simples que a mentalidade moderna não quer aceitar: que podemos fazer esta experiência de sermos amados incondicionalmente por um Outro que se doa a nós e que, por isto, também nós podemos nos doar aos outros e, nesta doação, encontrar a realização do nosso amor.

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