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Observações sobre o significado da sexualidade e do prazer
José Noriega
 

José Noriega é professor titular de Teologia Moral junto ao Instituto João Paulo II, da Pontifícia Universidade Lateranense, em Roma. É autor, entre outras obras, do livro “O destino do Eros”, publicado em italiano e espanhol, do qual extraímos o trecho a seguir.

Ao longo da história da humanidade, as religiões tem sido responsáveis por ordenar e perpetuar o patrimônio moral das diversas sociedades, num processo de troca onde as duas partes, religião e sociedade, influenciam e se deixam influenciar uma pela outra. Nossa sociedade, com inegáveis raízes cristãs, tem uma ética fortemente influenciada pela Igreja Católica. Contudo, frequentemente o senso comum definiu regras e justificativas morais, criando um sistema normativo que parece católico, mas não é. O texto a seguir procura explicitar alguns elementos de uma verdadeira moralidade católica, mostrando que a questão fundamental não é reprimir a sexualidade e o prazer, mas compreendê-los e valorizá-los como sinais de um desejo de amor e encontro.

Podemos agora compreender qual é o papel exercido pelo prazer na vida da pessoa. São duas as dimensões que nos interessam: em primeiro lugar, o prazer desperta o desejo, porquanto são as coisas prazerosas que exercem atração sobre nós; com isso, faz com que tomemos consciência da conveniência e da bondade de determinadas ações. A bondade dessas ações não depende do prazer que elas produzem, mas sem o desejo de prazer que despertam, essa bondade passaria despercebida.

Em segundo lugar, quando se realiza a ação, sobrevém o prazer ao se sentir a união com a outra pessoa, numa reciprocidade que integra as diversas dimensões do amor, aplacando o desejo e, então, a ação alcança a sua plenitude última, um novo bem. A repercussão, na consciência, da conveniência dessa união sexual com a mútua plenitude se traduz na possibilidade de se reconhecer a excelência da ação. Frente ao elemento da reciprocidade e à sua dimensão afetiva e espiritual, o prazer sexual alcança o seu autêntico sentido e significa humano: não como a parte de um todo, que deveria repetir-se o máximo de vezes possível para que o todo seja cada vez maior, mas como um momento no qual se condensa toda uma vida. O prazer sexual é a repercussão consciente da plenitude do amor.

É assim que se pode entender por que há uma gradualidade muito rica na experiência do prazer, como vimos na descrição fenomenológica. O importante é compreender que essa gradualidade dependerá sempre, essencialmente, do objeto que a determina, isto é, da ação que se realiza, entendida não simplesmente em sua materialidade física, mas sobretudo em seu pleno conteúdo moral, ou seja, na sua abertura para o horizonte último de sentido; veremos, no próximo capítulo, que no homem cada prazer leva para além de si mesmo, não se reduz à sua particularidade (1) O prazer sensual pode, então, ser vivido como algo mais do que um simples gozo, pois nesse horizonte de felicidade assume as características da complacência, da alegria e da satisfação.

Não se referindo intrinsecamente a si próprio, mas à plenitude de uma relação de amor, o prazer sexual adquire, por isso, valor figurativo da excelência para a qual remete. Desse modo, a sexualidade e o prazer sexual se configuram simbolicamente na vida das pessoas, representando o ideal de uma vida boa, isto é, com um sentido, uma plenitude em sumo grau atraente, e por isso afetivamente carregada, o que, todavia, não é plenamente conceitualizável. O homem não vive o prazer como os animais; para ele, o prazer tem um valor simbólico, fazendo referência a uma plenitude propriamente humana (2).

Essa dimensão simbólica adquire relevância decisiva no modo de conhecimento moral das ações que precisam ser feitas, pois a mediação simbólica se faz mais motivadora e significativa, configurando o processo da racionalidade prática, isto é, a forma como o homem constrói racionalmente as próprias ações. A racionalidade prática não partirá de uma análise da natureza, nem se desenvolverá segundo uma estrutura silogística, mas segundo a atratividade que os valores sexuais e afetivos exercem; e atrairão pela maneira como são simbolicamente representados, remetendo a uma plenitude.

A qualidade do prazer está, por isso, intrinsecamente ligada à qualidade da ação que lhe dá origem. Essa qualidade nada tem a ver com uma possível técnica capaz de produzir a causa neurofisiológica mais adequada a satisfazê-la, como poderia ocorrer com determinadas técnicas eróticas, mas com o motivo que anima a ação, ou seja, com a sua razão de ser, com a excelência que comporta, com a doação de si mesmo, abrindo um autêntico espaço de intimidade e de ternura na relação com o outro, diferente de si. O prazer encontra-se, assim, na perspectiva da felicidade, como a conseqüência de uma sua atualização imperfeita.

O gozo sexual torna os seus protagonistas partícipes de um mistério que é ainda maior. A transformação, operada pela própria Revelação, do conceito de felicidade, vendo-o não simplesmente como o resultado da ação do homem, mas como um dom de Deus, que faz referência, em última análise, à união com Ele vivida na provação, como mostram as bem-aventuranças, nos ajuda a compreender que na vida conjugal há um novo dom de Deus que une a Ele, cuja repercussão cognoscitiva torna-se significativa no prazer que produz.

Podemos agora compreender por que a busca do prazer em si mesmo leva a pessoa a perder a referência a algo que está além de si mesma, a perder a tensão do desejo de algo maior do que a particularidade e a atualidade do prazer. A tentativa de se obter diretamente um intenso prazer sensual que satisfaça as exigências sexuais da pessoa torna enormemente difícil a possibilidade de se abrir um espaço de intimidade e, conseqüentemente, também torna impossível que tais relações possam encher a pessoa de alegria.

Em conclusão: com a grande intensidade psicológica com que se apresenta à consciência, o prazer sexual reflete em si mesmo a riqueza subjetiva do ideal de vida boa, de comunhão das pessoas, como o verdadeiro significado da comunhão na carne. O prazer sexual remete a algo maior do que a própria pessoa, contendo em si mesmo uma dimensão figurativa (3) Por isso é enormemente promissor. E aqui está o motivo pelo qual o prazer, se não realizar uma autêntica comunhão interpessoal, é tão frustrante: vive de uma quimera. [...]

"Não é bom que o homem viva só". A solidão nos deixa indefesos frente à vida, confusos diante do nosso destino, impotentes perante as dificuldades. Qual o significado da sexualidade humana? Por que Deus criou o homem como macho e fêmea?

A resposta só virá se partirmos da experiência: da experiência de um encontro que nos revela uma identidade e uma diferença. O amor coloca-se, desse modo, como a experiência de uma revelação: a revelação de uma vocação. E pode ser formulado assim: o homem não foi criado para a solidão, mas para a comunhão. É na comunhão que alcança a plenitude do seu ser, a vida bem resolvida, a vida feliz. Essa verdade, que vemos refletida na Revelação do "princípio" da criação, é a verdade oculta na experiência amorosa. A mútua relação entre ambas, experiência e Revelação, nos permitiu superar uma visão meramente construtivista da sexualidade: não é possível construir o seu significado como algo meramente cultural, pois a experiência sexual encerra em si uma verdade que faz referência à identidade e ao destino da pessoa.

A experiência do amor nos permite compreender também que o homem foi criado "em comunhão" com a mulher; toda a sua estrutura antropológica, já em sua própria dimensão ontológica, está aberta e em relação com a mulher, e vice-versa. E, criado em comunhão, foi chamado "à comunhão", a viver não só "junto" com outra pessoa, mas "para" a outra pessoa, no dom de si. A diferença sexual manifesta-nos o nosso limite, a nossa solidão, mas, ao mesmo tempo, indica onde está a plenitude: na comunhão. Sua natural bondade consiste em tornar o homem vulnerável e, desse modo, provoca um encontro singular, uma reciprocidade única, o amor esponsal: torna possível o dom de si e esse dom de si, no corpo, é capaz de comunicar-se, de gerar vida, de conceber outra pessoa.

Diferença sexual, amor e fecundidade: eis as três características do mistério da sexualidade humana, que se reclamam mutuamente. A sexualidade se apresenta, assim, como uma vocação para o amor, no qual homem e mulher podem alcançar a própria felicidade.

Notas:

1. Cf. A. PLE, Par devoir ou par plaisir?, Editions du Cerf, Paris 1980, II parte.
2. Cf. N.J.H. DENT, The Moral Psychology of the Virtues, Cambridge 1984, 35-63.130-151.
3. Cf. P. RICOEUR, “La sexualité. La merveille, l´errance, l´enigme”, in Esprit 28 (1960), 1665-1676.


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