O papa é bem-vindo não só pelo que representa para os católicos, mas também pela sua mensagem de amor ao homem e de defesa de sua dignidade plena.
Bento XVI falou do amor em sua primeira encíclica, Deus caritas est (Deus é Amor), e surpreendeu. Muitos só conheciam a sua imagem como prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé e a sua nacionalidade alemã, duas características que o senso comum associa ao rigor. Nunca imaginariam que ele valorizaria o amor como Eros — amor de desejo e posse —, muito menos associando o Eros ao relacionamento de Deus com o ser humano, e que tende ao Ágape — amor oblativo, capaz de dar a vida pelo amado.
Mas quem é Joseph Ratzinger? O que o Brasil pode esperar de sua visita? Os pontos de vista possíveis são inúmeros. Conversamos sobre ele com intelectuais católicos habituados ao diálogo com a cultura laica e ao estudo da proposta do papa de uma antropologia integral, segundo a qual, a pessoa é transformada a partir de dentro pelo amor de Cristo e conquista, com necessário e benéfico esforço, a felicidade. É a partir dessa felicidade que o homem se relaciona com todos os aspectos da realidade.
Segundo o sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador de projetos do Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), Bento XVI está sendo conhecido por um grande número de pessoas como o papa que falou do amor". Devido à encíclica Deus caritas est, essa imagem ficou marcada, independentemente, de as pessoas terem lido ou não o documento.
"Já no meio cultural, acadêmico e jornalístico existe uma expectativa em relação a Bento XVI que não houve com João Paulo II. Espera-se a vinda de um pensador. É uma questão de imagem. João Paulo II era visto como um grande comunicador, o papa pop star. É uma imagem redutiva, pois também Wojtyla era um pensador. Mas Bento XVI, visto como um grande intelectual, recolocou de fato a Igreja no debate cultural brasileiro. O tema de Deus, por exemplo, vem despertando um grande interesse, como há muito tempo não se via", afirma Borba.
América Latina
"Este é um papa que dialoga com a secularidade, com a academia, com os intelectuais, não para torná-los católicos, mas para levar a Igreja para esse meio. E uma das grandes metas dele é justamente indicar os caminhos para que o cristão saiba se posicionar nos meios onde domina a cultura do relativismo", afirma a teóloga Maria Clara Lucchetti Bingemer, decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. "Ele é um europeu central. Está muito preocupado com a secularização da Europa, embora tenha muita consciência de que a América Latina é o maior continente católico do mundo, o continente da esperança", diz ela.
Sobre essa consciência a respeito da América Latina, Aroldo Braga, assessor para a cultura da Comissão Episcopal Pastoral para a Cultura, Educação e Comunicação Social da CNBB, acrescenta: "A longa permanência de Bento XVI na Congregação para a Doutrina da Fé, no período imediatamente anterior a sua eleição, certamente lhe ofereceu muitas oportunidades de conhecer a realidade da Igreja na América Latina e do Brasil".
Braga diz ainda que o papa também tem conhecido o continente latino-americano e o Brasil nos encontros que regularmente todos os bispos têm a cada cinco anos com a Santa Sé. "Recentemente, durante encontro preparatório da Conferência de Aparecida, que reuniu em Roma todos os núncios apostólicos da América Latina e do Caribe, Bento XVI fez o primeiro pronunciamento público sobre esse evento, ressaltando os mais variados temas da vida do povo e da própria Igreja, no qual demonstrou que sua viagem irá muito além de um gesto de afeto por esta região do mundo", diz ele.
Alargar o uso da razão
"Na Alemanha, Bento XVI disse aos intelectuais que é preciso alargar a percepção e o uso da razão, denunciando que o uso da razão foi reduzido à visão do homem como instrumento de lucro", afirma dom João Carlos Petrini, diretor do Instituto João Paulo II para Estudos do Matrimônio e da Família no Brasil e bispo auxiliar de Salvador. Segundo ele, essa redução acabou gerando dramas para a humanidade como guerras, aquecimento global, violência urbana e a banalização do amor e da sexualidade. "O papa sustenta que a verdadeira razão nos conduz ao limiar do Mistério, com ‘M’ maiúsculo", afirma o bispo.
Segundo dom Petrini, a mídia tem apresentado uma visão muito redutiva do papa. Cita o exemplo da Exortação Apostólica Pós-Sinodal Sacramentum Caritatis (Sacramento da Caridade), sobre a Eucaristia e a missão da Igreja: "Os meios de comunicação pinçaram uma palavra mal traduzida (‘piaga’, chaga em italiano, foi traduzida como ‘praga’] para dar a entender que o papa considera que os casais em segunda união são uma ‘praga’, distorcendo assim um documento muito bonito".
Também para a teóloga Maria Clara a Sacramentum Caritatis traz novidades muito importantes justamente em relação ao matrimônio. Segundo ela, nesse documento, o papa dá um grande passo em direção às pessoas que vivem uma segunda união, uma vez que ele estimula o estudo profundo das condições em que se deu o casamento anterior, para ver se realmente ele não poderia ser considerado nulo", afirma a teóloga.
De fato, em muitos matrimônios, um dos cônjuges, ou mesmo os dois, não satisfaz as condições previstas para que o casamento se realize plenamente. Para isso é exigida, por exemplo, a liberdade de escolha, a abertura à vida e a aceitação dos filhos, a fidelidade e a aceitação da indissolubilidade do casamento. "Então, Ratzinger reforça que a Igreja não anula casamentos; porém, os declara nulos. Isso é maravilhoso, porque ao mesmo tempo que dá uma abertura enorme, não baixa o nível de exigência do matrimônio como vocação à santidade", diz ela.
Relativismo ético
Segundo o filósofo Luiz Felipe Pondé, professor da Pós-graduação em Ciências da Religião na PUC-SP, o carisma de Bento XVI é mais difícil de ser resumido numa expressão. João Paulo II, por exemplo, era "o grande comunicador". Para ele, isso acontece porque Ratzinger aponta para os pontos mais dolorosos da "risível dogmática" moderna. O professor explica que, o papa tenta romper com a preguiça intelectual diante dos temas mais candentes da vida. Ele afirma que cada indivíduo pode ter o próprio modo de encarar os problemas ligados ao homem. "Ele tem o grande valor, entre tantos outros, de não negociar com a preguiça intelectual e ética, típica de uma cultura narcisista como a nossa", afirma.
"À Igreja interessa não apenas uma abertura à mensagem de Bento XVI, mas também que a razão se abra e se articule com a fé. Para ela, importa que toda a sociedade seja mais humana", afirma dom Petrini. Ele acrescenta que no meio intelectual há pessoas as quais sinceramente estão em busca de respostas para os desafios atuais, como o aquecimento global, a banalização da vida e a violência. "Elas esperam de todos os lados uma voz que venha mostrar uma luz e querem ouvir o que o papa tem a dizer", diz o bispo.
O papa com os jovens
Trinta mil jovens no Pacaembu, totalizando 300 mil com os que assistirão a telões no entorno do estádio paulistano. Essa é apenas uma mostra do que será o Encontro dos Jovens com o papa no dia 10 de maio. "O programa inclui um pronunciamento do papa aos jovens, um momento em que ele os abençoará, outro em que testemunhos lhe serão apresentados e também momentos artísticos", diz Marlei Pirozzelli Navalho, da Comissão Organizadora do Encontro.
Diego Genu Klautau, que também faz parte da Comissão Organizadora do evento, explica o que os jovens esperam desse encontro: "Ele vem celebrar a paz e a unidade que deve haver entre as pessoas. Só o fato de ele fazer com que nos encontremos, pessoas tão diferentes, de lugares diferentes, já está nos unindo em torno de algo bom".
Para padre Antônio Ramos do Prado, que faz parte da Comissão do evento, o encontro do Pacaembu será uma nova etapa da amizade entre Bento XVI e os jovens, que começou na última Jornada da Juventude (2005), realizada na Alemanha, e que vem crescendo em todas as viagens e manifestações públicas do papa. Um momento importante desse relacionamento foi a mensagem que Bento XVI dirigiu aos jovens por ocasião do último Domingo de Ramos na qual ele conclama os jovens a serem protagonistas de mudança nos ambientes onde eles se encontram, sobretudo nas realidades eclesiais às quais pertencem.
"A mensagem dele no Domingo de Ramos mexeu com a juventude. Os jovens não querem mais saber de reuniões em que ficam parados, querem ajudar os moradores de rua, levantar casas em favelas, participar de campanhas de alimento", afirma padre Antônio.
A mensagem do papa no Domingo de Ramos (01/4) teve uma repercussão imediata e resultou na "Ação solidária floresta que cresce". Segundo carta da CNBB, em apoio à iniciativa dos jovens, "a proposta da Ação é simples e concreta: encorajar os jovens a se envolverem em múltiplas e variadas iniciativas de caridade e solidariedade social: recolher alimentos, roupas, remédios para os pobres, doar sangue, visitar e assistir doentes ou pessoas idosas, visitar presos, construir casas para os pobres, envolver-se em políticas e ações sociais".
Ainda segundo a carta da CNBB, a iniciativa "ajudará muitos jovens, motivados pela caridade de Cristo, a se fazerem próximos de irmãos necessitados, sofredores, injustiçados, esquecidos, excluídos".
Na Fazenda da Esperança
No final de 2005, frei Hans Stapel ficou sabendo que o papa viria ao Brasil e impulsionou todo mundo da Fazenda da Esperança para rezar diariamente. A intenção? Claro! Que o papa aproveitasse a ida à Aparecida e desse uma esticadinha a Guaratinguetá (SP), cidade vizinha do Santuário, para conhecer um originalíssimo centro de recuperação de dependentes químicos. Mas frei Hans é um homem de oração e ação. Convidado para evento do Cor Unum, órgão do Vaticano encarregado das obras sociais, por ocasião do lançamento da encíclica Deus caritas est, em Roma, no final de 2006, sentiu-se impulsionado a fazer tudo o que dependesse dele para que o papa conhecesse a Fazenda.
"Ele conseguiu cartas de 80 bispos falando sobre a Fazenda e sugerindo uma visita à sede em Guaratinguetá. Quando conseguiu saudar o papa, o frei lhe entregou as 80 cartas.", conta o padre César Alberto dos Santos, responsável pela formação dos internos e dos voluntários que trabalham na Fazenda. Conversando com César é fácil perceber que a força que move frei Hans é o sofrimento de tantos jovens que se perdem nas drogas e que, no caso, a ousadia estava na visão de que uma visita do papa resultaria numa ampliação do bem que a Fazenda gera.
E não é para menos. Atualmente são 1.500 recuperandos em 43 Fazendas, sendo nove no exterior. Desde o início da Fazenda em 1983, 10 mil jovens já passaram por alguma delas, com perseverança de cerca de 80%, para quem permanece um ano. Qual o segredo de tudo isso? "O amor e a doação ao próximo libertam", afirma César. É essa experiência de doação cristã que alguns jovens da Fazenda vão relatar a Bento XVI no dia 12 de maio.
O papa e o primeiro santo brasileiro
Sandra Grossi de Almeida, de 37 anos, depois de uma sofrida experiência com crianças perdidas na gravidez, conseguiu dar à luz ao filho Enzo, com muita oração para o beato Frei Antônio de Santa'Ana Galvão (1739-1822). O caso de Sandra foi aceito como milagre pelo Tribunal que estudou a causa de canonização do frade brasileiro. Uma pessoa com fama de santidade, para ser canonizada, além de uma vida com virtudes heróicas comprovadas, especialmente, a virtude da caridade, deve ter constatada a realização de dois milagres: um para a beatificação e outro para a canonização.
O beato Frei Galvão é o primeiro santo nascido no Brasil. Franciscano, tinha grande amor pelos pobres, doentes e sofredores em geral. Fazia de tudo para levar as pessoas ao contato com Deus, e por isso, já em vida tinha fama de santidade. Essa santidade será reconhecida oficialmente pelo papa Bento XVI, no dia 11 de maio, no Campo de Marte em São Paulo e cerca de 1,5 milhão de pessoas deverão estar presentes nesse evento.
A expectativa para a V Conferência
Uma Conferência na linha do que foram a de Medellín (Colômbia, 1968) e a de Puebla (México, 1979), nas quais foi concebida e consolidada a "opção preferencial pelos pobres", assumida pela Igreja na América Latina. É o que muitos esperam da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, que se realiza em Aparecida (SP), de 9 a 13 de maio, e será inaugurada pelo papa Bento XVI.
A importância de uma conferência episcopal de tal porte é esta: delinear os caminhos da Igreja no continente. Hoje a América Latina tem um contexto social tão e, em certo sentido, mais grave do que nos anos 70 e 80. Além disso, nossos dias trazem as questões da globalização, do relativismo, do aquecimento global, da multiplicidade racial, religiosa e cultural, da corrupção na vida pública e das mudanças políticas em direção à esquerda com episódios de autoritarismo.
Daí a grande expectativa sobre o discurso do papa Bento XVI, que inaugurará a Conferência e direcionará os trabalhos dos bispos. "Missionários e discípulos de Jesus Cristo, para que n’Ele nossos povos tenham vida". Esse "n’Ele", no tema da Conferência, foi colocado pelo próprio papa, além da citação evangélica "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida" (Jo 14,6) o que evidencia o tom cristocêntrico que Ratzinger deverá dar ao encontro continental dos bispos.
Participarão da V Conferência cerca de 20 cardeais, 200 arcebispos e bispos, 20 representantes de outras Igrejas e 15 teólogos como peritos. É importante observar o empenho dos bispos em fazer do evento um acontecimento eclesial de "fraterna colegialidade episcopal, cuja preocupação fundamental é a evangelização do continente" como diz a apresentação de um documento do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam). Na missa de abertura da Conferência, no Santuário de Aparecida, são esperadas cerca de 500 mil pessoas.
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