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A novidade de Bento 16
Folha de São Paulo, 18 de maio de 2007
Francisco Borba Ribeiro Neto
 

FRANCISCO BORBA RIBEIRO NETO, sociólogo e biólogo, é coordenador de projetos do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

A condenação do aborto e a defesa da vida foram temas pouco citados pelo papa. Por que reduzir o seu discurso a questões de moral sexual?

BENTO 16 tem sido lido a partir de um dualismo que vê na igreja, após o Concílio Vaticano 2º, apenas a contraposição entre progressistas, abertos à modernidade e à mudança, e conservadores, reativos à mudança e fechados à modernidade. Porém, seria mais adequado pensar em duas tendências que buscam a mudança em oposição a uma terceira, realmente reacionária.
As duas tendências que preconizam a mudança surgiram da idéia, básica no Vaticano 2º, de que a igreja, ao se atualizar ("aggiornamento"), deveria também retornar a suas fontes originais. Alguns valorizaram mais a imagem da adaptação aos tempos, criando um pensamento que tendia a moldar o catolicismo às várias correntes e tendências da modernidade.

Outros valorizaram mais o retorno às raízes, das quais o cristianismo se distanciara, trabalhando numa linha crítica, discutindo os desencantos do homem atual diante da modernidade. Atualização e crítica estão presentes nas duas tendências, mas ênfases diferentes levaram a atitudes diversas. Bento 16 e a maioria dos movimentos e novas comunidades eclesiais se alinham na segunda tendência, mas isso não quer dizer uma identificação ao tradicionalismo pré-conciliar. O retorno às raízes e a crítica à cultura moderna se distinguem do tradicionalismo por recusar o formalismo e identificar o catolicismo a uma experiência pessoal.

Por isso, esses movimentos se tornaram, entre os católicos, a parcela mais dinâmica e a que mais cresce nas cidades. Variados e atuantes nos ambientes leigos, adequaram-se a uma sociedade plural e desvincularam-se do peso da instituição. Nasceram a partir de uma intuição -o carisma, geralmente associado a um fundador-, e seguir esse carisma gera uma conversão pessoal, criando o ímpeto e a seriedade típica dos novos conversos entre pessoas de tradição católica.

A expansão dos movimentos (em certo aspecto também as comunidades eclesiais de base formam movimentos) permite entender por que Bento 16 não se preocupa com a questão quantidade X qualidade. Já há, a seu ver, realidades eclesiais que crescem em quantidade e qualidade, e seu papel é fortalecê-las na fé. Esse fortalecimento não se baseia numa insistência moralista ou na condenação reacionária ao mundo moderno. Fiel a Santo Agostinho, o papa trabalha a partir "do coração do homem que anseia por Deus". No caminho catequético de Bento 16, o discurso no Pacaembu não é uma afirmação da moral sexual conservadora, mas a retomada do tema da busca por um sentido pleno para a vida. Ao falar a jovens em Colônia (onde os comparou a reis magos peregrinos em busca da construção de um novo mundo) e São Paulo (onde os comparou ao jovem rico que pergunta pela vida plena), orienta seu discurso como resposta a essa busca. A moralidade é instrumento, e não objetivo ou êxito.

Também os pobres estão em busca desse sentido. A dureza da vida não elimina essa necessidade, pelo contrário, torna-a mais aguda. Por isso, a ação pastoral deve se orientar em torno da resposta a ela também aí. Porém, sua pregação se volta ininterruptamente ao amor vivido como doação ao próximo e que se torna compromisso social, pois o testemunho do amor seria a ponte entre Deus e o homem e dos homens entre si.

Bento 16 deu um vigoroso apoio ao trabalho social da igreja latino-americana. Mas o referencial para esse trabalho passa a ser a doutrina social da igreja, que cresceu no confronto com as modernas democracias pluralistas, e não a mediação marxista, que orientou a Teologia da Libertação no contexto das ditaduras latino-americanas. A mudança é um sinal dos tempos: acompanha a passagem que vem ocorrendo de um discurso de transformação social, com sentido revolucionário, para outro, de inclusão social, com sentido reformista.

A "defesa da vida" e a condenação do aborto foram temas pouco citados pelo papa. Mas esse pouco desencadeou uma intensa reação contrária. Por quê? E por que essa insistência dos críticos em reduzir o seu discurso a questões de moral sexual?

A igreja é vista, entre nós, como a fonte das repressões. Mas o caráter repressivo está nas várias sociedades, não é invenção de uma religião. O catolicismo atual tem caminhado no sentido da valorização plena da sexualidade. Ao mesmo tempo, as pessoas tendem a considerar intromissão no Estado laico a condenação do aborto, mas apóiam que a igreja condene, a partir das mesmas bases morais, um Estado que pratique tortura.

Nossa sociedade tem dificuldade para estabelecer o lugar da ética (e da ética religiosa) na vida pública. Superar essa dificuldade é condição para o "sadio laicismo" defendido por Bento 16. Principalmente, é condição para um diálogo em torno das questões essenciais: será que só nos realizamos no amor que é doação ao outro? Será possível, como diz o papa, que a energia primeira, da qual surgiu o Big Bang, se revele como amor por nós?

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