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A resistência a Ratzinger
Folha de São Paulo, 10 de maio de 2007
Luiz Felipe Pondé
 

Filósofo, professor da PUC-SP e da Faap e autor de "Conhecimento na Desgraça" (Edusp), entre outros títulos

Afinal, qual o sentido da visita de Bento 16?

Manter-nos insone.

Sua atitude diante do mundo contemporâneo fala a todos nós (pós-)modernos, e não só aos católicos. Este é, de certa forma, o núcleo de sua proposta de diálogo teológico com as culturas: trair as mentiras que repousam sobre os pressupostos modernos dos problemas humanos. Sua relevância é proporcional à resistência que produz. A teologia pode sair, talvez, de sua irrelevância intelectual.

Aquilo que o teólogo John Milbank chama de "feitiço da modernidade" nos mantêm a todos em sono profundo: o sono dogmático de nossas chaves "científicas" sociopolíticas.

Bento 16 retira a teologia da vala comum da pastoral provinciana e a lança ao espaço de risco de uma hermenêutica da (pós-)modernidade para além do bê-á-bá do cristianismo político, este sim incapaz de olhar a miséria eterna (e não histórica) do ser humano.

Seu agostinismo, em meio a outras referências, marca a qualidade de seu olhar: o homem é um animal dilacerado pelo pó que o constitui e que por isso mesmo se faz revolta na forma de um programa de libertação contra a opressão do vazio que nos habita.

A revolta do amor-próprio ferido (sou contingente e efêmero) é a chave do narcisismo teológico que nos cega (não aceito ser contingente e efêmero). O orgulhoso nasce antes do político e do ideológico. A redenção é perceber-se dádiva e não revolta política. Se o Deus de Israel fosse "político", a Europa ocidental seria seu paraíso. Evidentemente que a ganância eterna dos mentirosos impede a vida, mas aqueles que comem diariamente deveriam libertar a reflexão teológica do vício banal da racionalidade do marketing da emancipação.

Vivemos na fronteira de uma redefinição de Cristo, que caminha em direção à dissipação lenta do conceito de encarnação (o homem Jesus é Deus), núcleo que sustenta o diferencial teológico do cristianismo antigo. O cristianismo político associa o relativismo presente no conceito de ortopraxis (que pensa a prática política como fundação do pensamento ao longo da história e que por isso se opõe a qualquer noção de ortodoxia, vista desse ângulo como sempre autoritária) com a (des)ideologização de Deus como verdade exegética (como se a crítica da "ideologia de Deus" fosse o resto da "verdade pura" possível).

O cristianismo político tende a fundar uma nova tribo de Israel: as vítimas da opressão política (econômica ou social). Erra, como erra a modernidade científica, ao identificar a política como chave suprema de entendimento do mundo. Se a miséria é estruturalmente política, estou livre de ser eu a causa do mal no mundo, esse é o ganho perverso da politização de Deus. Temo que uma releitura política das bases históricas do cristianismo nos leve um dia a "perceber" que a "santa" vontade popular diante de Pilatos não errou quando escolheu Barrabás.

A recusa da leitura política não é recusa do combate ao sofrimento econômico (como suspeita o senso comum de uma análise sociopolítica do mundo), mas sim crítica da cegueira cognitiva que marca o próprio método político.

Pilatos, no relato do Evangelho, passa da dúvida epistemológica ("o que é a verdade?" Resposta: a ortopraxis definirá), para a solução "política" de seu impasse (o povo escolherá...), e o povo escolhe Barrabás.

Solução política e relativismo se encontram. Por que a encarnação seria inimiga da libertação moderna? Porque a encarnação parece negar a autonomia humana fazendo do redentor Deus, e assim nega ao ser humano o título de auto-suficiente em sua libertação.

A afirmação do cristianismo político resolve a agonia do orgulho ferido: escolhendo Barrabás, opto pelo humano revolucionário, me libertando do desconforto de passar pela Paixão, na condição daquele que mata Deus por inveja. O grande erro teológico do cristianismo político é não ver que, diante da dúvida de Pilatos, escolhe Barrabás.


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