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Bioética defende conceito da “morte correta”
José Maria Mayrink
 

Reportagem sobre o seminário "Eutanásia e alguns problemas conexos", promovido pelo Núcleo Fé e Cultura e pela Academia Pro Vita, com o apoio do Centro de História e Filosofia das Ciências da Saúde da UNIFESP e do Setor Família e Vida da CNBB, em 4 e 5 de novembro de 2002. Artigo publicado originalmente em O Estado de S. Paulo, edição de 18 de novembro de 2002


Nem eutanásia nem distanásia. Médicos, juristas e estudiosos da bioética que trabalham com pacientes terminais recorrem a um neologismo, ortotanásia, que significa morte correta, como alternativa a duas práticas extremas - o apressamento da morte (eutanásia) e a utilização de meios desproporcionais (distanásia) para manter em vida um doente irrecuperável.

Essa proposição predominou nos debates de um seminário internacional sobre o tema Eutanásia e Alguns Problemas Conexos que o Núcleo Fé e Cultura da PUC e a Pontifícia Academia Pro Vita, do Vaticano, promoveram em São Paulo, com a participação de 200 advogados, estudantes e profissionais da saúde.

O seminário, que contou com o apoio da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), defendeu sem divergências a posição oficial da Igreja, com base nos ensinamentos dos papas Pio XII, Paulo VI e João Paulo II.

“Quero lembrar três gêneros de atentados contra a vida humana, que são a eutanásia, a fertilização in vitro e a contracepção”, anunciou na conferência de abertura o presidente da Academia Pro Vita, o chileno Juan de Dios Vial Correa. A esta relação somou-se depois a condenação do aborto, sempre sob a ótica da defesa da vida humana.

Pecado - A eutanásia, que João Paulo II define como “ação ou omissão que, por sua natureza e intenção, causa a morte com a finalidade de evitar qualquer dor”, é um pecado grave para a Igreja. Vial Correa equiparou ao suicídio/homicídio a decisão de acabar com a vida de um paciente, mesmo com o argumento de que se age por compaixão, para eliminar um sofrimento insuportável.

Suicídio, porque a eutanásia supõe o pedido ou o assentimento do doente.

Homicídio, porque a morte é executada pelo médico. No caso de o doente não ser consultado ou informado, não se trataria mais de eutanásia, que significa boa morte, mas de cacotanásia, ou morte má.

“Em nenhuma hipótese se admite tirar a vida do doente, seja aplicando um medicamento para apressar a morte, seja deixando de usar os recursos normais da medicina no tratamento”, advertiu d. João Bosco Óliver de Faria, bispo de Patos (MG) e membro da Equipe Nacional de Pastoral Familiar da CNBB.

Como a eutanásia é considerada crime pela legislação brasileira, os debates se voltaram mais para a realidade de outros países, especialmente a Holanda, onde essa prática médica, antes já tolerada pelo Código Penal, foi legalizada pelo Parlamento em abril de 2001. A eutanásia só é permitida por decisão voluntária do paciente, de acordo com critérios aceitos desde 1973.

Nem sempre se obedece esse critério. “Segundo dados do Ministério da Justiça holandês, o doente foi morto em 913 casos, de um total de 3.600, sem haver pedido a eutanásia”, informou o médico português Daniel Serrão, professor da Universidade do Porto e membro do Comitê Diretor de Bioética do Conselho da Europa, citando relatório dos anos 90.

Decisão - Serrão, que também é membro da Academia Pro Vita e, portanto, contrário à eutanásia, criticou o critério de 'decisão médica' adotado para a extinção da vida. “Médicos que praticam a eutanásia decidem matar o paciente como se estivessem amputando uma perna ou extraindo um estômago.”

Mais premente do que a questão da eutanásia, no Brasil, é a discussão sobre a prática da distanásia. Esse recurso consiste em empregar meios extraordinários ou desproporcionais para manter um paciente terminal.

Isso ocorre, por exemplo, quando o doente depende de aparelhos para continuar vivo, sem possibilidade de cura.

“O que mais se ouve num velório é as pessoas dizerem que fizeram tudo o que estava a seu alcance para salvar a vida do parente”, observou d. João Bosco, atribuindo a prática da distanásia a razões emocionais da família, que não quer se sentir culpada por não haver usado todos os recursos disponíveis.

Os conferencistas denunciaram também pressões econômicas e interesses políticos, tanto no caso da distanásia como no da eutanásia. Doentes terminais, disseram os representantes da Pontifícia Academia Pro Vita, eventualmente são submetidos à eutanásia porque a UTI custa caro, e em outros casos têm a sobrevivência prolongada pela distanásia, à espera do momento conveniente para divulgação da morte.

“Francisco Franco na Espanha, o marechal Tito na antiga Iugoslávia e o imperador Hiroíto no Japão foram mantidos com aparelhos até o momento em que as autoridades de seus países acharam politicamente oportuno comunicar que eles haviam morrido”, disse o médico Hugo Obiglio, professor emérito da Universidade de Buenos Aires e membro da Comissão de Ética do Mercosul.

Alternativa - Os conferencistas do seminário propuseram a ortotanásia como alternativa eticamente aceitável à prática da eutanásia e da distanásia. A ortotanásia dá assistência médica e afetiva ao paciente terminal para ele morrer com tranqüilidade. Nesse caso, o doente recebe cuidados e medicamentos paliativos que não vão curá-lo, mas evitam um sofrimento maior até o momento em que a morte vem naturalmente.

A morte por compaixão - que é o recurso à eutanásia com a intenção de evitar o sofrimento - pode levar à condenação de doentes terminais, de idosos e de incapacitados físicos e mentais que, por razões sociais, são julgados inúteis. “A eutanásia é uma filosofia perigosa que, no caso de regimes como o nacional-socialismo, levou ao extermínio de milhares de pessoas”, disse Obiglio, lembrando as experiências genéticas do nazismo.

 
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