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O imprevisto e a liberdade

Colocação feita no debate realizado no TUCA, em 9 de novembro de 2012, após a exibição da peça "O expresso do por do sol", de Cormac McCarthy.
Francisco Borba Ribeiro Neto

 

Francisco Borba Ribeiro Neto é coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

 

O Ano da Fé (2012-2013) proclamado pelo papa Bento XVI nos convida a refletir sobre a presença da fé e da inquietação religiosa em todos nós e em todas as manifestações da cultura. A peça "O expresso do por do sol", de Cormac McCarthy, é um instrumento particularmente útil nesta perspectiva. Ela apresenta o encontro entre um professor niilista e suicida, White, e um ex-presidiário cristão que tenta persuadi-lo da ideia de cometer suicídio.

Quem vê a sinopse de "O expresso do por do sol" tem a impressão inicial de tratar-se de uma peça proselitista. Afinal, o confronto entre um niilista à beira do suicídio – portanto em profunda crise depressiva – e um cristão entusiasmado que quer devolver-lhe a esperança de viver parece não deixar chance nenhuma ao niilismo. Um olhar mais atento – e uma conversa com diretor e atores – mostra um quadro mais complexo, onde os personagens representam muito mais arquétipos que coexistem na consciência de todos nós do que partidários de um embate ideológico e religioso pós-moderno.

Mas, em cena, o que une White, o intelectual branco, niilista e deprimido, e Black, o negro pobre, cheio de fé e vitalidade? O fato de que, para ambos, estar vivo é o resultado de um acontecimento imprevisto, algo que foge de seus cálculos mentais. O negro deveria ter morrido esfaqueado, esquecido e desprezado por Deus e pelos homens. Mas se sente milagrosamente salvo e inundado por uma luz e uma autoconsciência que não tinha antes. O branco deveria ter morrido destroçado pelo trem, não fosse a intromissão inoportuna e inesperada do negro. Se sente enraivecido e confuso por essa intervenção indesejada.

Cacá Amaral, o ator que representa White, bem nota que seu personagem representa o homem sensível e cheio de dor pelo sofrimento do mundo. É aquele que carrega em si a consciência do mal presente na realidade, que a maioria prefere esquecer ou fingir não ver, para poder continuar vivendo tranquilamente. Não há esperança previsível no mundo de White. "Um imprevisto é a única esperança", escreveu Eugenio Montale, descrevendo uma viajem bem planejada, onde tudo parece estar bem, mas ser inútil, uma parábola sobre o que pode ser a nossa vida. Mais do que qualquer outro, é White quem pode repetir esta frase...

Mas o imprevisto, quando acontece, parece impotente para tirá-lo de seu projeto autodestrutivo, para mover sua liberdade. E todos nós somos um pouco mais ou um pouco menos como White: fechados ao imprevisto, incapazes de arriscar nossa vida numa possibilidade de mudança, mesmo que diante de uma novidade que corresponda a nosso desejo mais profundo. "O expresso do por do sol" é uma alegoria sobre o entrelaçamento entre imprevisto e liberdade que determina a vida de cada um de nós. O embate não é entre niilismo e crença, mas entre o fechamento que nos prende em nossos esquemas e a abertura que nos permite aceitar o risco de responder ao imprevisto – mesmo que ele rompa esses esquemas.

Neste sentido, pode ser considerada uma peça sobre a fé cristã. Afinal, o que poderia haver de mais imprevisto para um intelectual niilista de nossos tempos do que encontrar a esperança e o amor na pessoa de um ex-presidiário violento e pouco instruído, que grita "eu vi a luz, meu irmão"? Só mesmo a ideia de que um Deus, por amor a cada pessoa em especial, se fez homem e se deixou matar pelo bem dos que o mataram. Assim, para o agnóstico, a peça lança a pergunta: como você responde ao imprevisto, aos acontecimentos e às pessoas que de alguma forma parecem convidá-lo a ir mais além em uma caminhada de encontro consigo mesmo e com o Mistério do mundo?

E para os cristãos: sua fé é resposta a um imprevisto, a uma ação de Deus que supera os seus limites, ou um esquema que você mesmo construiu para si mesmo?

 
 
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