Sou um especialista em limitações, não no sentido de ter uma competência particular na questão da deficiência física ou mental, mas porque sou limitado. O limite é insuperável: além de determinado ponto, não conseguimos ir. Podemos certamente ter a experiência de superar algumas coisas, mas trata-se da aproximação de um limiar que, no fim das contas, não pode ser ultrapassado. Pensar que esse limiar possa ser ultrapassado infinitamente significa pensar que o homem é infinito: é o pensamento dominante e superficial da nossa sociedade, mas que a experiência cotidiana demonstra não ser verdadeiro. Todos somos limitados, mas a limitação não pode ser aquilo que nos define. Se fosse assim, todos teríamos de parar num determinado ponto, para além do qual não teríamos esperança, e ao qual, cedo ou tarde, todos chegaremos: a morte.
Se eu fosse o homem mais feio do mundo, mas fosse amado pela mulher mais linda do mundo, não seria um problema para mim ser o homem mais feio do mundo. Pois eu me tornaria objeto da coisa que mais me interessa, que é o amor de um outro: portanto, a única verdadeira superação dos limites é o amor do outro. Da mesma forma, se eu fosse uma criança com síndrome de Down e tivesse pais que me amassem, cresceria feliz; se meus pais não estivessem seguros sobre o que sentem por mim, cresceria infeliz. O que vence a limitação é o amor, a acolhida, a hospitalidade: alguém que o abrace tal como você é. Nós somos tão limitados que, para podermos viver, precisamos de um outro. De fato, todos os homens se esforçam tremendamente para serem reconhecidos — para que os outros digam: “Como você é bom”, “Eu gosto de você” —, pois todos os homens percebem profundamente a questão dos seus limites, ou seja, que a realização da vida é um outro. E cada vez mais nós precisamos de um outro, quanto mais somos limitados e quanto mais nossa carência se manifesta em termos evidentes: não apenas físicos, mas também de natureza psicológica, existencial, afetiva.
Quem responde ao desejo?
Mas todo o problema da vida é o fato de que o outro que nos responde também é limitado. Até mesmo em você, a quem eu digo: “Eu te amo”, as limitações voltam sempre à tona prepotentemente. O outro também não me é suficiente. Jeremias dizia: “Maldito seja o homem que confia no homem”. O problema, portanto, é: quem responde, e como, ao nosso desejo de realização? Existe alguém que aplaque esse desejo? Pois, se existir, vou dedicar a ele a minha vida inteira.
Tenho de deixar que alguém me ajude, devo me apoiar num outro, pedir; como diz o Papa, tenho de rezar, ajoelhar-me.
A coisa mais importante é ter amigos, alguém que queira o seu bem. Um grande educador é alguém que provoca a pessoa inteira. A liberdade é provocada pela verdade, não pela psicologia. Deste ponto de vista, uma pessoa que tenha uma certeza afetiva significativa, que seja capaz de apegar-se, tem dez vezes mais valor enquanto educadora do que outra que seja afetivamente insegura.
Uma condição que devemos compartilhar
Pensar que não existem limites, pensar que se é infinito, ilimitado: essa é a maior limitação de todos os relacionamentos humanos, sobretudo dos mais estreitos. Quando alguém diz à pessoa amada “para sempre”, podemos estar diante de um destes dois casos: ou ele tem algum problema, que o faz desejar algo que é impossível alcançar, ou então existe alguém que pode fazê-lo alcançar o que lhe é impossível. Cristo, para quem crê nEle, é o que explica o fato de que aquilo que parece impossível de se alcançar possa ser alcançado. Ou seja, a vida é mais forte do que a morte, pois um homem venceu a morte, prometendo que essa vitória seria nossa, e eu sou cristão porque essa é a única hipótese positiva em resposta ao que eu desejo. A grande limitação de hoje é distrair-se da experiência dos próprios limites. Um homem que não se percebe limitado é perigoso para os outros. Mas como é possível que alguém não se dê conta de que é limitado? Basta que reduza seus desejos. Se eu reduzo os seus desejos ao que você pode efetivamente ter — por exemplo, se o convenço de que você deve trabalhar, ir à danceteria, usar um ecstasy de vez em quando, ter várias mulheres, etc. —, se eu o convenço de que você preenche a sua vida dessa forma, você não tem mais a idéia dos limites, enquanto tudo correr bem pra você. Nós vivemos numa sociedade que reduz o desejo a algo que se pode calcular; no entanto, o desejo profundo do homem é o desejo do infinito, de não se deixar subjugar pelas limitações. Os limites são a nossa condição humana, que devemos compartilhar: essa é a única forma de respeitar até mesmo as pessoas que têm limitações aparentemente mais evidentes do que as nossas.
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