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Somos todos limitados. E aí?
Giancarlo Cesana*
 

*Giancarlo Cesana, médico e psicólogo, é professor de Medicina do Trabalho na Faculdade de Medicina da Universidade dos Estudos de Milão. O presente artigo reproduz notas de uma conferência a famílias e profissionais da saúde que lidam com deficientes físicos na cidade de Módena (Itália), e foi extraído de Passos Litterae Communionis nº 41, julho de 2003.


Sou um especialista em limitações, não no sentido de ter uma competência particular na questão da deficiência física ou mental, mas porque sou limitado. O limite é insuperável: além de determinado ponto, não conseguimos ir. Podemos certamente ter a experiência de superar algumas coisas, mas trata-se da aproximação de um limiar que, no fim das contas, não pode ser ultrapassado. Pensar que esse limiar possa ser ultrapassado infinitamente significa pensar que o homem é infinito: é o pensamento dominante e superficial da nossa sociedade, mas que a experiência cotidiana demonstra não ser verdadeiro. Todos somos limitados, mas a limitação não pode ser aquilo que nos define. Se fosse assim, todos teríamos de parar num determinado ponto, para além do qual não teríamos esperança, e ao qual, cedo ou tarde, todos chegaremos: a morte.

Se eu fosse o homem mais feio do mundo, mas fosse amado pela mulher mais linda do mundo, não seria um problema para mim ser o homem mais feio do mundo. Pois eu me tornaria objeto da coisa que mais me interessa, que é o amor de um outro: portanto, a única verdadeira superação dos limites é o amor do outro. Da mesma forma, se eu fosse uma criança com síndrome de Down e tivesse pais que me amassem, cresceria feliz; se meus pais não estivessem seguros sobre o que sentem por mim, cresceria infeliz. O que vence a limitação é o amor, a acolhida, a hospitalidade: alguém que o abrace tal como você é. Nós somos tão limitados que, para podermos viver, precisamos de um outro. De fato, todos os homens se esforçam tremendamente para serem reconhecidos — para que os outros digam: “Como você é bom”, “Eu gosto de você” —, pois todos os homens percebem profundamente a questão dos seus limites, ou seja, que a realização da vida é um outro. E cada vez mais nós precisamos de um outro, quanto mais somos limitados e quanto mais nossa carência se manifesta em termos evidentes: não apenas físicos, mas também de natureza psicológica, existencial, afetiva.

Quem responde ao desejo?

Mas todo o problema da vida é o fato de que o outro que nos responde também é limitado. Até mesmo em você, a quem eu digo: “Eu te amo”, as limitações voltam sempre à tona prepotentemente. O outro também não me é suficiente. Jeremias dizia: “Maldito seja o homem que confia no homem”. O problema, portanto, é: quem responde, e como, ao nosso desejo de realização? Existe alguém que aplaque esse desejo? Pois, se existir, vou dedicar a ele a minha vida inteira.

Tenho de deixar que alguém me ajude, devo me apoiar num outro, pedir; como diz o Papa, tenho de rezar, ajoelhar-me.

A coisa mais importante é ter amigos, alguém que queira o seu bem. Um grande educador é alguém que provoca a pessoa inteira. A liberdade é provocada pela verdade, não pela psicologia. Deste ponto de vista, uma pessoa que tenha uma certeza afetiva significativa, que seja capaz de apegar-se, tem dez vezes mais valor enquanto educadora do que outra que seja afetivamente insegura.

Uma condição que devemos compartilhar

Pensar que não existem limites, pensar que se é infinito, ilimitado: essa é a maior limitação de todos os relacionamentos humanos, sobretudo dos mais estreitos. Quando alguém diz à pessoa amada “para sempre”, podemos estar diante de um destes dois casos: ou ele tem algum problema, que o faz desejar algo que é impossível alcançar, ou então existe alguém que pode fazê-lo alcançar o que lhe é impossível. Cristo, para quem crê nEle, é o que explica o fato de que aquilo que parece impossível de se alcançar possa ser alcançado. Ou seja, a vida é mais forte do que a morte, pois um homem venceu a morte, prometendo que essa vitória seria nossa, e eu sou cristão porque essa é a única hipótese positiva em resposta ao que eu desejo. A grande limitação de hoje é distrair-se da experiência dos próprios limites. Um homem que não se percebe limitado é perigoso para os outros. Mas como é possível que alguém não se dê conta de que é limitado? Basta que reduza seus desejos. Se eu reduzo os seus desejos ao que você pode efetivamente ter — por exemplo, se o convenço de que você deve trabalhar, ir à danceteria, usar um ecstasy de vez em quando, ter várias mulheres, etc. —, se eu o convenço de que você preenche a sua vida dessa forma, você não tem mais a idéia dos limites, enquanto tudo correr bem pra você. Nós vivemos numa sociedade que reduz o desejo a algo que se pode calcular; no entanto, o desejo profundo do homem é o desejo do infinito, de não se deixar subjugar pelas limitações. Os limites são a nossa condição humana, que devemos compartilhar: essa é a única forma de respeitar até mesmo as pessoas que têm limitações aparentemente mais evidentes do que as nossas.

 
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