Agência FAPESP – “A destruição de embriões humanos para pesquisa é dispensável. Há alternativas mais realistas de desenvolvimento de terapias a partir de células-tronco adultas. Desqualificar quem sustenta esse ponto de vista e prometer curas duvidosas baseadas em células-tronco embrionárias são tentativas de fugir da questão central e silenciar objeções éticas.”
A opinião de Alice Teixeira Ferreira, professora do Departamento de Biofísica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), é uma resposta ao manifesto lançado em maio pela Federação das Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE) contra a ação direta de inconstitucionalidade (Adin) que, em maio de 2005, suspendeu o artigo da Lei de Biossegurança que regulamenta a utilização de células-tronco embrionárias humanas para fins de pesquisa.
O manifesto, encaminhado para os ministros do Supremo Tribunal Federal, rebateu argumentos levantados pelos defensores da Adin e considerou que não há fundamento científico em vários desses argumentos, especialmente que as células adultas seriam superiores às embrionárias para fins de pesquisa.
Em março de 2005, as pesquisas com células-tronco embrionárias humanas foram aprovadas no Brasil, no âmbito da Lei de Biossegurança. Dois meses depois, no entanto, o então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, entrou no STF com uma Adin contra o artigo a respeito das pesquisas, sob a alegação de que estudos do gênero “ferem o direito de embriões”.
O pedido de Fonteles foi acatado no fim de 2006 pelo ministro do STF Carlos Ayres Britto, que foi relator do caso. Este ano, Britto convocou uma audiência pública no STF a fim de reunir subsídios científicos para a decisão do Tribunal – de acordo com o ministro, seria preciso “definir quando a vida humana começa”. Na audiência, no dia 20 de abril, 34 cientistas apresentaram posições favoráveis e contrárias ao uso das células-tronco.
“Em nenhum momento das apresentações os pesquisadores que defendiam a Adin saíram do contexto científico. Foi demonstrada a versatilidade das células-tronco adultas, como a possibilidade de as células parcialmente ou mesmo totalmente diferenciadas voltarem a apresentar características de uma célula-tronco embrionária. Verificou-se, portanto, que não há necessidade de células-tronco embrionárias humanas para a pesquisa ou para a medicina regenerativa. Apresentou-se vasta referência bibliográfica sobre esses assuntos”, disse Alice à Agência FAPESP.
Segundo a professora, que é vice-presidente da Sociedade Brasileira de Biofísica e Coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Bioética da Unifesp, mesmos aqueles que lançaram o manifesto contra a Adin reconheceriam a tese central que a sustenta: de que a vida humana começa a partir da fecundação.
“Geralmente desqualificam essa tese com o argumento de que se trata de dogma religioso. Mas não puderam fazer isso diante das evidências científicas. Não houve, como eles alegaram, nenhum argumento religioso com disfarce científico”, afirmou.
A cientista afirma que foi apresentada uma tabela realizada por David Prentice, da Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos, com 72 aplicações com sucesso de células-tronco adultas em medicina regenerativa. “Consultando a PubMed, verifica-se que existem 932 artigos sobre células-tronco adultas e 88 resultados em medicina regenerativa até o momento”, disse.
Uso antiético
Apesar de ser favorável à Adin, Alice ressalta que são necessários mais estudos com células embrionárias para várias finalidades, inclusive para entender melhor a questão. “Mas há alternativas para isso. Na Universidade de Kioto cientistas conseguiram reverter um citoblasto adulto para uma célula embrionária. O professor Francisco Silva, da PrimeCell, está fazendo com que células germinativas masculinas e femininas assumam características de células embrionárias”, disse
Outra alternativa, segundo Alice, seria utilizar as células-tronco embrionárias presentes no líquido amniótico. “Podemos recolher o líquido em cesarianas, que normalmente é jogado fora. Isso evitaria que se precisasse destruir embriões.”
A cientista afirma que há, no Brasil, cerca de 3 mil embriões congelados, provenientes das clínicas de reprodução assistida. Para ela, usar a pesquisa como solução para o destino desses embriões é antiético. “Ninguém provou ainda que esses embriões ficam inviáveis depois de anos congelados. Em maio de 2005, uma menina nasceu de um embrião congelado por mais de seis anos”, disse.
Segundo Alice, para justificar o uso científico desses embriões, os cientistas propõem pesquisas para utilização de células embrionárias na busca de cura de doenças degenerativas. “O problema é que, até agora, não apresentaram nenhum resultado positivo, enquanto o uso de células-tronco adultas possibilitou resultados experimentais até mesmo nessas doenças."
A cientista afirma que, desde 2003, há resultados positivos para a doença de Parkinson e traumas da medula espinhal, em modelos animais, com o uso de células-tronco adultas obtidas das membranas fetais, córion e âmnion, além de células-tronco embrionárias obtidas no líquido amniótico.
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