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O amor continua sendo o mais importante
Francisco Borba Ribeiro Neto, sociólogo e biólogo, coordenador de projetos do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.
Folha de São Paulo, 15 de julho de 2007 - " Em busca das ovelhas"
 

O documento da Congregação para a Doutrina da Fé «Respostas a algumas perguntas acerca de certos aspectos da doutrina sobre a Igreja» reacendeu o debate sobre a posição da Igreja, e particularmente do papa Bento XVI, com relação ao ecumenismo e ao diálogo inter-religioso. Compreender essa questão, exige que a olhemos numa perspectiva histórica.

Ao longo da história, as religiões, mais que causas últimas de confrontos, foram recursos ideológicos usados para legitimar reações violentas a situações de exclusão sócio-econômica e subordinação política ou meras ações de conquista de novos territórios. Além disso, nenhuma instituição viveu de forma tão intensa o choque com outras culturas e religiões como a Igreja Católica. Assim, cada passo que dá no diálogo com outras religiões deve ser visto a partir desse caminho onde foi vítima e algoz, instrumento e instrumentalizadora, santa e pecadora.

Nesse processo, a Igreja viu que uma religião não pode ser imposta, muito menos utilizando a força. Aprendeu que os meios de convencimento mais adequados são sua capacidade de solidarizar-se com o sofrimento do outro e de propor uma forma de vida que cativa por seu fascínio. Mas também percebeu que o diálogo não pode descaracterizar, internamente, o conteúdo de sua mensagem. Explicitamente ou não, são esses elementos que orientam a ação da Igreja no campo do ecumenismo e do diálogo inter-religioso.
A base do diálogo inter-religioso tem sido, pelo lado católico, a busca de gestos concretos de solidariedade, tais como a promoção humana realizada por missionários e associações católicas em todo o mundo, o esforço conjunto pela paz mundial, o apoio a soluções negociadas em nível regional para os conflitos no Oriente Médio, etc. O debate sobre questões teóricas não pode evidentemente ser abandonado, mas não é prioritário.

Por isso, Bento XVI não hesita em fazer declarações polêmicas quando se trata de defender o que considera o cerne da mensagem católica. Em sua pregação, porém, a insistência maior não está nessas declarações polêmicas. Enfatiza muito mais o encontro com Cristo como uma experiência pessoal fascinante, ou a importância do amor para a realização do ser humano e para uma justa relação entre os homens.

Na mensagem cristã, o amor gratuito, sem esperar nem impor nada (a caridade, que é diferente de um ato arrogante de benevolência), não é uma estratégia de cooptação, mas a condição para a própria realização da pessoa. Nessa lógica, centrar a relação com outras religiões no amor e na solidariedade pode ser visto como uma retomada da essência do cristianismo a partir das experiências históricas de relações inter-religiosas, tanto bem quanto mal sucedidas.

Nesse contexto, um documento do ano 2000, assinado pelo então cardeal Ratzinger, aponta que: «A Igreja Católica não rejeita absolutamente nada daquilo que há de verdadeiro e santo nessas religiões. Considera com sincero respeito esses modos de agir e de viver, esses preceitos e doutrinas que, embora em muitos pontos estejam em discordância com aquilo que ela afirma e ensina, muitas vezes refletem um raio daquela Verdade que ilumina todos os homens [...] O empenho eclesial de anunciar Jesus Cristo [...] encontra ajuda na prática do diálogo inter-religioso, que certamente não substitui, mas acompanha a missio ad gentes, graças àquele ‘mistério de unidade’, de que ‘resulta que todos os homens e mulheres que foram salvos participam, embora de maneira diferente, no mesmo mistério de salvação em Jesus Cristo por meio do seu Espírito’. Este diálogo, que faz parte da missão evangelizadora da Igreja, comporta uma atitude de compreensão e uma relação de recíproco conhecimento e de mútuo enriquecimento, na obediência à verdade e no respeito da liberdade.» (Dominus Iesus, 3).

Em síntese, reconhece a existência da verdade e da possibilidade de salvação nas outras religiões. Porém, reafirma a missão evangelizadora da Igreja, isso é, propõe que o encontro com Cristo, dentro da Igreja Católica, é a forma mais adequada e completa pela qual essa verdade e essa salvação atingem a todos os homens.

O novo documento apenas explica aspectos dessa posição. Faz parte do esforço da Igreja para abrir-se ao outro, afirmando e mantendo aquilo que é essencial a sua autoconsciência. Não indica um retrocesso no diálogo, mas – pelo contrário – é sinal que nesse caminho ela reflete sobre si mesma e sente necessidade de esclarecer pontos polêmicos.

A visão atual da Igreja sobre as relações inter-religiosas pressupõe que o diálogo entre diferentes, para ser fecundo, exige que cada um se sinta seguro de sua identidade e de seu caminho, disposto a se deixar provocar pelo modo de ser do outro, confiante que isso só lhe trará ganhos. Os atritos inevitáveis serão resolvidos no desejo comum que ambos têm de encontrar o melhor para si e para o outro, na prática do amor fraterno.

 
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