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HOME > TEXTOS > EDUCAÇÃO > A ESCOLA: ESPAÇO PÚBLICO DE LIBERDADE PARA INTRODUZIR AO EXERCÍCIO PLENO DA RAZÃO (AFEIÇÃO)
  
A escola: espaço público de liberdade para introduzir
ao exercício pleno da razão (afeição)
Aníbal Fornari
 

O autor é professor da Universidade de Santa Fé (Argentina). Conferência proferida no seminário
“Educação: uma razão aberta à realidade. Uma reflexão sobre a Lei de Diretrizes e Bases a
partir da Encíclica Fé e Razão do Papa João Paulo II”, promovido pelo Núcleo Fé e Cultura em 5 de maio
de 2001, publicada aqui sem a revisão do autor

1. A razão: instrumento de abertura pessoal e, por isso, ecumênica

E o que é a razão? Como podemos defini-la? É a nossa capacidade de abertura à realidade segundo a totalidade de seus aspectos, até o ponto de fuga último dessa realidade, que confere unidade a essa realidade. Ao mesmo tempo, a razão traz uma diversidade metodológica irredutível: o homem, na sua finitude, não alcança a realidade trabalhando de uma só maneira, numa só modalidade, precisa de diversos métodos e esses métodos precisamente são complementares entre eles. Quando se esclarece essa complementaridade? Quando nós nos perguntamos para que serve a razão.

A razão, antes de mais nada, serve ao homem para reconhecer a si mesmo, no universo, e reconhecer sua destinação. Falo de reconhecer porque só um reconhecimento coloca em movimento um dinamismo de conhecimento.

Trata-se de reconhecer uma realidade que me é dada, em mim e fora de mim. Antes de especular sobre concepções do homem e do mundo, a questão é reconhecer os fatos. Como eu sou feito? Como a realidade se choca comigo e me provoca?

Mas aquilo que eu preciso é reconhecer a minha destinação, o meu destino, aquilo para o qual sou feito, porque sem esse reconhecimento não posso viver. O homem, como ser individual e como ser social, não pode viver sem estar em relação com o destino, pois viver é afirmar um significado criticamente, elaboradamente, reflexivamente, conscientemente ou implicitamente.

Pelo fato de realizar uma ação afirmamos, colocamos um significado pelo qual estamos agindo. O significado é aquilo que nos move, fisicamente, no dia-a-dia. Assim, partindo dessa questão do destino, do significado, o homem, num segundo momento, diversifica as modalidades de conhecimento que o ajudam nesse trabalho de aproximação àquilo que é mais importante para viver: o significado último da vida, o destino. Assim nasce a racionalidade instrumental e todas aquelas outras formas de racionalidade necessárias para possuir a realidade.

Quando o homem não parte do reconhecimento de um destino, que é outro em relação a si e está na realidade, é como se seu movimento de conhecimento estivesse viciado por um narcisismo estéril.

Nessa dinâmica, a razão não é apenas razão “olímpica”, pura, abstraída do sujeito concreto, é a razão de um sujeito vivo que não pode viver sem ela, um sujeito que quer aderir a uma verdade para sua vida, a um significado verdadeiro. Ao mesmo tempo, a razão segue um movimento profundo de um sujeito que deseja aquilo que já está escrito na sua interioridade, no seu eu. Trata-se daquilo que a esta sua interioridade falta e que ela exige. E essa é uma exigência que nasce dentro dele e o lança para fora, na exterioridade, para buscar um feliz encontro possível com o seu destino, com o significado. É isso que define o seu objetivo em nível pessoal e também em nível cultural. De fato, nenhum homem vive fora de uma cultura, que será grande ou reduzida, com horizontes profundos ou apenas regressiva, isto é, instrumental. Assim como nossa cultura, no meio do progresso, vive o regresso, o primitivo, nela se vive uma razão que seria puramente orientada à sobrevivência e não ao significado.

De qualquer forma, todos os homens vivem numa cultura, isto é, vivem num horizonte de totalidade do qual participam. Podem até se opor a ela. De fato, cada homem, cada pessoa tem um ritmo de amadurecimento na sua consciência de significado. E ainda mais, essa totalidade não é uma totalidade como a de um formigueiro. É uma totalidade intersubjetiva, interpessoal, portanto uma totalidade polêmica: há uma luta pelo significado, essa luta começa quando cada homem nascido de mulher vem a este mundo. O homem poderá sempre se opor, mas não pode “cair fora” de uma cultura, deverá afirmar outra.

Em todo caso, todo movimento de conversão para uma outra cultura, para uma outra significação da realidade, é verdadeiro quando há um aprofundamento e não uma negação. Renegar o anterior é como optar por algo menor e não por algo maior.

Como diz o conhecido filósofo Alasdair MacIntyre, o fato de se opor a uma linguagem, tradição ou cultura, implica usar as suas ferramentas. Não podemos sair totalmente dela. Estamos fora, mas sempre partindo de uma cultura podemos nos abrir à totalidade, ao universo e ao universal. É sempre a partir de um corpo, de uma situação, de uma cultura, de uma linguagem, que nós aprendemos outra, passamos para outra.

2. A fé precede, provoca, culmina e compromete a razão

De fato, falar de fé e razão poderia ser uma colocação discutível do problema, talvez perdedora desde o início, em certa medida. João Paulo II, em seu documento, demostra o contrário: a fé não é algo externo à razão e a razão mesma encontra nela um de seus recursos mais decisivos. O caminho da fé é o mesmo caminho da razão. Por isso, a fé precede, provoca, culmina e compromete a razão com um movimento interno. Trata-se de um método diverso, uma diversidade metodológica no uso da razão.

O que é a fé? É a capacidade de reconhecer uma presença e confiar nela, no que ela diz, no que ela propõe, no que ela diz de si mesma e do mundo e da totalidade. Ter fé é ter encontrado uma presença significativa para a sua vida, você não tem fé em qualquer bobagem e, se tem fé em qualquer bobagem, é um iludido que vai acabar se decepcionando. A fé é, então, reconhecer uma presença que tem uma excepcionalidade. Estou falando em termos antropológicos, da mesma forma pode-se ter fé no filho ou na filha, no esposo ou esposa, no namorado ou namorada. Para que cada um chegasse a confiar nela ou nele teve de utilizar muito bem a racionalidade.

A fé usa a razão segundo um método diverso do método da racionalidade demonstrativa ou filosófica ou outro usado pela racionalidade. Trata-se do método da confiança, porque ter fé não é ter crenças, ter crenças em opiniões. Essa é a maneira positivista de entender a palavra fé.

As crenças são doxologias, isto é, opiniões mais ou menos fundadas que se tem sobre certas coisas. A fé é sempre ter fé em alguém, não numa coisa, em alguma coisa, mas confiar em alguém. É muito importante ter clareza sobre essa distinção, sobre essas definições.

A fé precede, como dizíamos, o uso demonstrativo da razão. O homem, pelo fato de nascer, portanto, de ser recebido (como dizia Heiddeger, não fomos “jogados no mundo”, nos lembramos de nosso aniversário porque fomos recebidos por nossos pais). Se eu for “jogado” e não recebido, protestarei, pois a minha expectativa original é ser recebido.

Por fim, a fé precede porque sou recebido por alguém que me ama e, por isso, logo confio. Confio nos pais razoavelmente, sem entender tudo, mas confio neles, no que eles me dizem, no que me propõem.

A fé provoca a razão, diz a Encíclica de João Paulo II, que, na introdução e nos três primeiros capítulos, desenvolve essa intuição.

Em que sentido a fé provoca a razão? “Com freqüência”, diz a Encíclica, no número 32, “do ponto de vista humano, resulta mais rica a experiência da fé que a simples vivência pessoal. A fé acrescenta uma relação interpessoal e coloca em jogo não só as possibilidades cognitivas mas também a capacidade mais radical de confiar em outras pessoas”. Confiando, posso construir uma relação mais estável e íntima com elas. Isso quer dizer que a fé é uma confiança que abre e provoca a razão para verificar aquilo no qual se confia. Assim, o homem utilizará muitos de seus recursos: recursos afetivos, recursos do sentimento, recursos da observação, da sensibilidade, das induções, das deduções.

“A capacidade”, diz o número 33 da Encíclica, “e a opção de se confiar a própria vida a uma outra pessoa constitui certamente um dos atos antropologicamente mais significativos e expressivos. Para se chegar a confiar num outro e para entregar a própria vida para um outro é necessário ser muito crítico, usar profundamente a razão para chegar a esse ponto, para fazer bem isso, isto é, para não cair nas mãos de um manipulador da sua vida”.

A razão precisa ser sustentada em sua busca por um diálogo, confiando numa amizade sincera. Um clima de suspeita e desconfiança na busca intelectual, na educação, esquece isso. Sem esse ambiente de amizade, de confiança e de positividade, a razão não progride, fica parada, fica fraca.

Com todos os “mestres da suspeita” de nossa cultura, caímos na dúvida, no ceticismo, e assim também a razão tem uma vida frágil. A lealdade com o outro fica frágil, também a fidelidade fica frágil e até a participação na vida política fica enfraquecida e reduzida.

Mas, voltando ao nosso passo anterior, a fé culmina e sustenta uma atrevida sensatez da razão, porque a razão pode ser totalmente sem sentido. Por exemplo, você tem uma metralhadora e a usa para matar uma mosca que está aqui nos molestando. Quando a localizar, apontar para ela e atirar com uma metralhadora, talvez chegue até a matar a mosca, mas usou a sua razão dentro de um contexto de total insensatez. Numa racionalidade fora de qualquer relação, contexto, presenças, a razão pode ser insensata.

O homem se encontra num caminho de busca, diz a Encíclica, humanamente interminável, porque nós não podemos encerrar esse caminho. É assim que entramos num grande perigo, também do ponto de vista educativo, de viver e promover a indecisão programada de uma espécie de contradição. Assim acontece que eu tenha o projeto de permanecer indeciso, para permanecer eventualmente livre, como se costuma dizer. Isto é, para ser manipulado pelas circunstâncias, tentar estar na onda da circunstância ao lado de quem dirige essa circunstância. Isso significa estar disponível a uma plena subserviência a quem detém o poder.

Portanto, por essa dificuldade em definir, por si mesmo, o destino da busca, o próprio destino, o homem pode permanecer numa indecisão programada. E esta acaba por ser uma falsa consciência, no sentido de manter nas mãos aquilo que se busca e não saber bem o que é.

Então a pessoa se torna indisponível a acolher quando essa destinação se apresenta de uma maneira persuasiva, totalizante, significativa, correspondente. A busca da verdade não é a busca de um argumento último, da razão última, de uma teoria última, por isso, a razão culmina na fé. Nós não somos feitos para isso; nós começamos a vida com a experiência de um outro e nossa vida termina e culmina também com a experiência de um outro. Só para isso serve a razão, não para o argumento último. “A busca da verdade é simultaneamente”, diz a Encíclica, “a busca de uma pessoa precisa que expressa em sua pessoa, existencialmente, a unidade última da verdade buscada”.

“A busca da verdade é busca de uma pessoa a quem se confiar totalmente, porque é isso que nos faz feliz.” O que me faz feliz não é proclamar uma solitária e narcisista autonomia do solitário triste. O que me faz feliz é aderir a um outro que me ama e corresponde à minha racionalidade, à minha exigência de significado. Sou feliz quando sou livre, isto é, quando encontrei a presença e os sinais daquela realidade ou presença pessoal a que aderir porque contempla e leva em consideração todos os fatores da minha finitude e do meu desejo de felicidade, na minha experiência humana. Então a fé, a confiança em alguém é o ponto alto da razão.

Por fim, a fé compromete a razão porque quando eu encontro algo grande na minha vida, quando encontro algo que tem a ver com o meu destino, não fico tranqüilo. É como quando você encontra sua mulher e diz: “Já sei, agora estou tranqüilo”. Não é assim. Porque é aí que começa o drama apaixonante da existência. Aí começa o que diz o grande Romano Guardini. Quando se faz a experiência da verdade encontrada, correspondente, viva e pessoal “é como a experiência de um grande amor, onde tudo se torna acontecimento, dentro de seu âmbito”, assim, tudo se renova dentro de seu âmbito. Acontece como com o garoto de 16 anos que anda despenteado, sujo, desleixado, até que um dia começa a usar perfume, se penteia e começa uma nova ordem em sua vida. O que aconteceu? Ele ficou tocado por uma presença real que o coloca em movimento e o leva a redescobrir todo um novo. Antes desse encontro, quando via uma flor pisava nela, para ele era insignificante e pisava nela só para se auto-afirmar, para mostrar que era machão. Agora vê uma flor e a olha com admiração e pensa em outra pessoa.

Quando se encontra algo que corresponde ao coração, à razão, a todos os fatores da sua experiência humana, é aí que a razão começa à redescobrir tudo de novo, começa um caminho de verificação.

3. Âmbito político e âmbito educativo da razão publicamente exercida.
O pertencer da pessoa a “duas cidades”

Nós, homens, vivemos e somos cidadãos. Hoje se fala muito de cidadania, mas somos cidadãos de duas cidades. Quem pertence a uma só cidade está enclaustrado num monismo político que sempre é o precedente do totalitarismo: onde o Estado deve ser a resposta à sua demanda de verdade, de felicidade, de significado. No Estado assim concebido, o poder é a ferramenta para a realização do homem, nisso a histérica luta pelo poder se torna a mudança violenta de toda a sociedade. O poder é como se fosse a abelha rainha, precisa possui-la. Assim, a luta se torna histérica e o homem fica submetido ao poder.

A intuição do grande Agostinho, pensador formado na cultura greco-romana, ao encontrar Cristo descobriu de novo toda essa cultura a partir de um novo ponto de vista. De fato, a idéia das duas cidades está já nos estóicos, como também em Aristóteles, quando este fala da vida contemplativa. Mas está também na experiência do homem e em toda cultura que tem como seu ponto de partida e como horizonte o sentido da felicidade, da verdade. Essa é a cidade de Paidéia. Agostinho chama essa cidade “cidade de Deus”, isto é, a cidade da educação do homem da vida pública e da vida social. Mas essa é vida política não no sentido da luta para controlar o Estado, para obter o governo do Estado. Trata-se de outra vida política livre, você entra nesta cidade por amor e por atração, você está em liberdade, você não está obrigado, como está obrigado a pertencer a uma cidade política, a um Estado. Por isso é tão importante. Essa cidadania é transcendental e universalmente necessária, mas insuficiente.

A necessidade transcendental da cidadania brota, como forma já auto-consciente, crítica e que possibilita a auto-consciência das “duas cidades”, de alguém que colocado diante de uma armadilha diz: “Dêem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Assim, também o grande homem Saulo de Tarso, quando a sua comunidade histórica, a comunidade a que pertencia o queria condenar, diz: “Os cidadãos romanos podem apelar a César, eu sou cidadão romano”. Onde é que isso se alimenta como experiência de valor? O Estado não pode decretar a solidariedade, onde o homem descobre isso? Onde se alimenta a sede de felicidade, de bem, de justiça e de solidariedade?

A experiência humana do significado da identidade surge sempre de novo na outra cidade, na cidade da “Paidéia” da educação do homem. Nessa cidade, Deus é o primeiro grande educador do homem no seu processo de manifestação, por meio de suas leis e, por fim, fazendo-se conhecer como homem. Não se trata de uma doutrina, de um mandamento, de um livro ou de uma filosofia, mas ele mesmo vem e se torna “o educador”. A partir daquele momento, o educador não é aquele que “diz alguma coisa”, mas aquele que propõe algo doando-se a si mesmo. Mas aqui nasce outra questão: para dar a mim mesmo tenho de ter, eu mesmo, um conteúdo ou um encontro, um pertencer grande. Não se é autoridade pelo fato de que alguém se nos impõe como autoridade, a autoridade precisa ser reconhecida como tal não pode se impor. E olhem bem, sem autoridade nenhum menino cresce, nenhum adolescente cresce, nenhum jovem cresce, porque não e desafiado por uma proposta clara, coerente, sintética. Essa proposta clara nos vem por meio de uma tradição assumida como proposta humana, da mesma maneira como se assume uma língua. Por exemplo, não posso dizer à minha filha que não vou lhe ensinar língua nenhuma, pois assim, quando tiver quatorze anos, poderá escolher ela mesma, com a sua liberdade autônoma, que idioma vai querer falar, russo, espanhol, asteca ou maia... O que vai acontecer com minha querida menina é que ela ficará muda e órfã de um pai imbecil! É fundamental que se tenha uma proposta coerente, sintética, com a qual se possa entrar no mundo. Assim, é preciso utilizar uma linguagem, conhecê-la confrontando-se não com as bobagens da televisão, mas com os grandes poetas que a usam. Assim, aprende-se a falar melhor, depois se poderá até inovar a linguagem e escolher outra. Porque se conhece a própria língua se pode aprender a língua do outros e até mudar para o exterior. Isso acontece porque tudo começou por uma postura que propõe uma tradição essencial como proposta totalizante, omni-englobante.

O Estado que não facilita a outra cidade, que não promove o pluralismo e a liberdade, não pode ser democrata, porque a democracia exige que as pessoas pensem com sua cabeça, sejam capazes de participação, de decisão, de eleição. Como pode pensar com a sua cabeça, se a pessoa não tem liberdade de educação, se não tem a liberdade de educar as crianças na sua tradição? Trata-se de educação pública, porque toda educação é um serviço publico. Temos de quebrar, superar as alternativas “privado x público” e parar de confundir o publico com o estatal. Onde houver vida comunitária, há vida pública e o direito a comunicar criticamente essa identidade e confrontá-la com os outros, pois é assim que se pode chegar a ter uma autoconsciência de si mesmo.

Só assim se forma a pessoa, o indivíduo livre do Estado, de maneira tal que possa participar verdadeiramente da vida política, porque já participa da vida pública da sociedade civil. A sociedade civil é forte quando nela se encontram educadores em todos os âmbitos da atividade humana, não apenas na escola. Uma sociedade civil forte, que coloca limites objetivos à dinâmica do poder do Estado. Não se trata de um limite moralista ou clerical (“os políticos tem de ser honestos, não podem ser corruptos”, etc.), onde tudo termina sempre numa acusação moralista e presunçosa. Eu sou um sujeito construtivamente vivo na sociedade civil e pertenço a um sujeito histórico preciso, posso esclarecer o meu pertencer, tenho um lugar de onde partir para começar a ser alguém, e não necessito que o poder me “batize”, me diga a quem pertenço.

4. A “polis organon” (Estado)

O totalitarismo se implanta quando as pessoas não têm um pertencer claro. Quando o indivíduo está sem a consciência de pertencer, sem horizonte último, sem lugar onde fazer experiência da verdade, sem satisfação humana, torna-se “o insatisfeito” em busca de um líder que lhe ofereça uma aventura de poder, para que possa ser alguém. Nascem assim os fanáticos, os que não pertencem. Estes são formados pela unilateralidade do poder. Para educar ao pertencer, é preciso um Estado que não queira ser neutro, isto é, que queira facilitar para todos a educação. Nesta perspectiva, não é o Estado que tem de dar os conteúdos últimos da educação. Pode e deve dar os elementos estruturais de uma educação compatível com o sistema nacional de educação. Na mobilidade da sociedade civil e das pessoas nesse mundo contemporâneo, o Estado não pode dar os conteúdos últimos, pelo contrário, tem a responsabilidade de valorizar as presenças reais de sujeitos culturais consistentes, os sujeitos histórico-culturais da sociedade civil, para que eles sejam responsáveis do sentido da educação. Isso reconhece uma liberdade total para o indivíduo partir de seu pertencer, pois o fato de pertencer a uma “outra cidade” parte da liberdade, da história e do lugar onde a pessoa nasceu.

Retomando, o Estado não pode ser neutro, tem de ser eqüitativo. Isso quer dizer que deve oferecer a toda identidade consistente a possibilidade de educar. O neutralismo do Estado normalmente esconde o cientificismo marxista que sacraliza o poder do homem. O cientificismo sacraliza o poder do homem, o domínio da realidade, colocado como horizonte último da existência.

Esse aparente neutralismo é um subterfúgio para legitimar uma hegemonia. O Estado pretende ser neutro, estar acima das partes, ser imparcial, portanto pode dominar a todos que são parciais, sujeitos particulares. Dessa forma, o Estado se impõe e esmaga a liberdade cultural, educativa, religiosa da sociedade civil.

A função do Estado, pelo contrário, é garantir o pluralismo cultural para que haja uma democracia viva.

 
 
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