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Educar o humano
Ano 2 número 11 Junho/Julho 2004
Francisco Borba Ribeiro Neto
 

Biólogo e sociólogo, e coordenador de projetos do Núcleo de Fé e Cultura da PUC-SP.

Luigi Giussani inicia seu Educar é um risco (Bauru, Edusc, 2004) com duas idéias totalmente desconcertantes para nosso senso comum: “O grande problema da sociedade é, antes de mais nada, educar os jovens” e é a “educação [...] do humano, do original que está em nós, que em cada um se desdobra de forma diferente, ainda que, substancial e fundamentalmente, o coração seja sempre o mesmo”.

São desconcertantes porque para a mentalidade dominante nosso grande problema é político-econômico. Nessa perspectiva, a educação é muito importante, mas como adestramento profissional, capacitação para enfrentar problemas técnicos e econômicos.

Mas educar o humano é um problema de todas as sociedades, em todos os momentos da história. As dificuldades sociais, políticas e econômicas não serão resolvidas imediatamente por meio de um processo educativo, mas é a “educação do humano” que cria as condições adequadas para a superação dessas dificuldades ou, pelo menos, permite que elas não esmaguem o povo.

Educação e transformação social

Nas décadas de 1980 e 1990, o Brasil assistiu a um processo curioso: enquanto o país se democratizava, as pessoas se tornavam cada vez mais individualistas. Foi se perdendo o modo de ver o mundo que haviam marcado a resistência à ditadura e as lutas sociais das décadas de 1960 e 1970: o idealismo, a indignação diante das injustiças e do sofrimento dos pobres, o espírito de sacrifício, a percepção de que uma vida mais humana virá para todos ou não será possível para ninguém.

Recentemente, o aumento das iniciativas de voluntariado solidário entre os jovens foi saudado como sinal de uma consciência social e de um comprometimento com a mudança da realidade. De fato, essas iniciativas são tudo isso, mas também representam a particularização das questões sociais: a idéia de que alguns, dotados de uma sensibilidade específica, se dedicam à solidariedade, enquanto a maioria se dedica a cuidar da própria vida. Mesmo nas vitórias eleitorais da esquerda encontra-se uma contradição em grande parte dos eleitores: querer a mudança social, mas a partir de uma ação nascida do governo – que não envolve sacrifício e dedicação de cada um pelo bem dos outros.

Esse processo representa um tipo de "homologação", uma forma sutil pela qual cada um perde seu protagonismo na história e se torna espectador, dócil e impotente diante do poder. Ele corrói a capacidade de superação dos problemas sociais, pois ações efetivas nesse sentido exigem criatividade, dedicação e consenso da sociedade. O Estado, por si só, não pode atender a todas as necessidades dos cidadãos: a construção de um “Brasil novo” é principalmente uma questão de “mais sociedade” e não só de “mais eficiência estatal”.

A grande matriz de toda vida social é a tradição de seu povo. Foi por uma tradição popular de origem católica que o povo brasileiro aprendeu o significado da solidariedade e da fraternidade, da responsabilidade de uns para com os outros. Não se tratava de discursos moralizantes, mas de um conjunto de práticas sociais, subestimadas hoje em dia, que eram fundamentais na educação do jovem. O cuidado com os velhos e doentes na família, a atenção para com os pobres, o acolhimento dos órfãos da comunidade, a compaixão diante do sofrimento dos outros, o reconhecimento de um Deus Misericordioso, a ênfase na oração, a insistência na unidade familiar, a preparação das festas populares criavam a percepção de que a vida tinha um valor transcendente e de que cada um era responsável pelos outros. Essa consciência não era imediatamente política, mas criava as bases para um empenho político e de transformação da realidade. À medida que essa tradição desaparecia na educação das pessoas, também o desejo de construção de uma sociedade mais justa para todos desaparecia.

Não é necessário ser católico, ou mesmo cristão, para comungar daqueles ideais. Mas, se a pessoa não é educada para desenvolver essas tendências que potencialmente estão presentes em seu coração, deixa-as morrer – sufocadas pelo individualismo e pelo medo da não-realização pessoal.

Propor uma vida que corresponda ao coração do homem

A correspondência entre uma proposta de vida e o coração do homem está na raiz de todo empenho não-moralista com a realidade. Por isso existe, em todo processo educativo, um passo decisivo e pessoal de comparação entre a experiência do educador e o desejo de vida do educando.

Quando encontra uma experiência de empenho com a realidade, o jovem intui, por traz desse caminho, algo que corresponde a seu coração. É por isso que propostas de trabalho voluntário encontram tanta adesão nos tempos atuais. Quanto mais individualista é a cultura dominante, mais as pessoas se agarram aos sinais de humanidade que encontram. Porém, sem uma educação global do humano, essas experiências definham.

A um certo momento todo jovem vive o problema de comparar aquilo que lhe foi ensinado com a sua experiência de vida, com seus desejos mais profundos e suas aspirações. Essa é a primeira, a mais verdadeira e a mais radical de todas as críticas.

Nas escolas atuais, professores e pais se escandalizam com a conduta de crianças e jovens, com a “falta de limites e de respeito”. Escandalizam-se, na verdade, com o exercício inevitável da crítica a um mundo que não sabe dar as razões de seus próprios valores. A crítica sempre se manifesta no jovem, mas hoje não lhe são dadas condições para exercê-la de forma construtiva, por razões ideológicas ou econômicas. Assim, o jovem a realiza de forma desordenada e destrutiva.

A apatia é o resultado último da crítica que não encontra um valor ao qual se apegar. Sem nada pelo qual valha a pena lutar, o homem se fecha em seu individualismo e se torna apático e indiferente para com os destinos da sociedade.


 
 
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