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“... Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre o milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar – é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois no fim tudo dá certo. Mas, se não tem Deus, então a gente não tem licença nenhuma! Porque existe a dor.” (João Guimarães Rosa, Grande Sertão Veredas, p. 48). |
O ambiente universitário tem se caracterizado por crescente secularização e relativização de valores e religiões segundo revelam estudos recentes, como a pesquisa realizada pelo Departamento de Teologia e Ciências da Religião da Pontifícia Universidade de São Paulo, conforme publicação “Os universitários e a Transcendência – visão geral, visão local”1. Conhecer como pensa e vive o jovem no contexto universitário atual é fundamental para a formação integral dos estudantes e, particularmente, valioso para os agentes de Pastoral Universitária. Há que considerar com profundidade e honestidade questões como: a religiosidade pode ser considerada uma experiência interessante, inteligente, enfim, necessária pelo jovem atual? A fé pode fazer sentido para o jovem universitário hoje?
Responder a essas só é possível a partir de uma experiência de inserção no meio universitário que leve a sério humanidade, a vivência da fé e as características do ambiente no qual se propõe um encontro humano e religioso autêntico.
1. Uma postura humana que responde ao anseio do jovem
Em primeiro lugar é preciso resgatar o que vem a ser a religiosidade. A busca por um sentido, a necessidade de ir além das aparências, a capacidade de surpreender-se diante do Mistério, da Beleza são imanentes ao ser humano. O desejo de bem, de verdade, de justiça são estruturais, dão origem a qualquer movimento humano e orientam a busca pela realização pessoal.
Identificar esse anseio por uma correspondência plena, como poeticamente expressa Adélia Prado, “Para o desejo do meu coração o mar é uma gota” é essencial para o jovem reconhecer o Mistério de Deus como amigo e indispensável, para descobrir que Jesus Cristo oferece-se como resposta à sua sede de infinito e de sentido para existência. Quando é possível ao jovem reconhecer-se assim, com essa estrutura ontológica, descortina-se um horizonte para si mesmo antes impensável.
1.1. O anseio só se torna claro e só é vivido positivamente quando fazemos um encontro, quando somos acolhidos
Descobrir-se assim, com um desejo infinito de bem, beleza, verdade, justiça só é possível por meio de um encontro, de uma acolhida, onde a pessoa é atendida em suas necessidades, mas é também considerada e valorizada para além dessas necessidades específicas. Esse encontro se dá nas mais variadas formas. O decisivo aqui é o modo como a pessoa é recebida, a atenção e interesse pelo que ela é, para além de seus deveres e obrigações.
Por que os jovens de hoje parecem indiferentes a uma proposta de bem, de beleza e justiça? Porque não fizeram a experiência de um encontro e de um acolhimento adequado de sua humanidade. Eles são carentes desse encontro e dessa acolhida e respondem positivamente a ele, ainda que nos seus tempos e modalidades. Daí a importância de uma presença que acolhe e que se coloca junto com eles. É necessário tempo e dedicação para esse trabalho
A experiência do encontro autêntico e acolhedor é central para a descoberta de si, para o reconhecimento do anseio humano e por isso passa a ser valorizada. Mas, além disso, fica evidente também que esse anseio pode ser atendido, pode ser correspondido pelo Mistério que se faz presente ali. Assim, partindo-se da experiência humana, olhando para ela com verdade, é possível reconhecer que a fé revela-se razoável, conveniente, vital para enfrentar a vida. Porém, isso deve ser verificado, avaliado em primeira pessoa.
1.2. Quem acompanha o jovem não pode temer o risco da verificação, deve estar livre para buscar a verdade do outro.
Um dado muito interessante da pesquisa Os universitários e a transcendência – visão geral, visão local é a constatação de que para os jovens aquilo que compreendem como crença e religião detêm menor importância do que aquilo que compreendem como a fé e a verdade. A ênfase na busca da verdade e não na adesão formal ao tradicionalismo ou ao pensamento dominante é muito valiosa para um trabalho educativo, pois é a partir dessa busca que a fé pode revelar-se interessante.
É claro que é preciso ajudar o jovem a identificar o que significa buscar a verdade e isso no contexto relativista e hedonista em que nos encontramos é muito trabalhoso. É preciso que reconheçam que a verdade não significa sentir-se confortável. A verdade, aquilo que corresponde ao ser, não é facilmente gostoso, aliás normalmente é custoso.
Quando era estudante universitária encontrei um padre que chamou minha atenção pela sua coragem e autenticidade. Em um curso nos falou: “Entre Cristo e a verdade fico sempre com a verdade. Aliás, Cristo só me interessa porque é a Verdade. Se um dia não for assim, vou embora.” Achei de uma liberdade impressionante. A indicação desse padre colocou-me numa posição de protagonista, de buscar e comprometer-me com o que tem valor, identificar e julgar o que me convinha na universidade, na Igreja. Por isso, o fato do jovem a preferir a verdade à religião parece favorecer o crescimento da religiosidade e da fé.
A experiência de ser tocado pela verdade, fascinado pela beleza é fundamental no caminho educativo do jovem. “A vida que, em vós é exuberante e bela. O que fazer dela? Como vivê-la plenamente? (...) Sentimos que algo nos revela que a vida é eterna e que é necessário empenhar-se para que isso aconteça. Em outras palavras, ela está em nossas mãos e depende, de algum modo, da nossa decisão.” (Bento XVI, no encontro com os jovens no Pacaembu, em 10/05/2007).
2. Passos metodológicos
Uma postura humana se realiza no cotidiano das pessoas, e não no discurso abstrato. Assim, não é apropriado descrever uma postura humana que corresponde ao anseio do jovem sem deter-se em alguns passos metodológicos que foram importantes na minha vida e na vida dos jovens que tenho acompanhado.
2.1. Dialogar com a cultura
No contexto universitário para mostrar a razoabilidade da fé, para educar a fé a partir da própria experiência humana, é preciso dialogar com a cultura.
É preciso que o jovem descubra que a fé tem a ver com tudo, inclusive com seu estudo, que ela determina certo modo de conceber o trabalho e possibilita discernimento, propõe escolhas e juízos. Certamente a fé propõe uma compreensão da razão que rompe com os modelos racionalistas e positivistas que a delimitam nos parâmetros da demonstração e lógica. Possibilita ainda compreender e julgar a partir de critérios diferentes daqueles indicados pelo poder. Que o jovem seja convidado a verificar essa capacidade da razão, que caminha junto com a fé e possibilita a abertura para toda riqueza e diversidade do real é fundamental para sua formação.
Dessa forma o jovem descobre-se capaz de julgar a mentalidade dominante, avaliar as correntes de pensamento, identificar as propostas mais humanas, mais justas. O que lhe corresponde mais? O que é mais respeitoso e abrangente por considerar todos os aspectos e não apenas aqueles úteis ou produtivos? Julgar é um passo essencial para decidir e para agir. Quem não julga, não exerce um protagonismo real na vida, mas se deixa conduzir por outros.
É fundamental oferecer aos estudantes textos de fundamentação humanista e cristã consistente, o que normalmente gera surpresa e admiração diante de avaliações e propostas para eles inimagináveis. Por meio deles revela-se a perspicácia e sabedoria que nascem da fé, da unidade entre razão é fé, capaz de debruçar-se com abertura diante da realidade e de enfrentá-la com verdade e liberdade.
2.2. Crescer na caridade
Uma segunda dimensão é a da caridade, que está presente nas experiências de voluntariado e no engajamento no processo de transformação da sociedade, mas tem um horizonte humano mais amplo do que essas experiências.
A fé é uma experiência, não uma idéia ou abstração. Descobre-se o valor da disponibilidade, da abertura, do amor ao outro dedicando um tempo a ele. Ao ensinar adolescentes a costurar ou desenhar, oferecer a crianças ou idosos a experiência da beleza, ensinar formas de expressá-la, ajudar a construir formas de organização e resistência social, enfim, colocar o tempo, a capacidade e conhecimento a serviço do outro, pode-se descobrir o que significa amor como doação ao outro.
Além disso, é fundamental, como o Papa nos indica na encíclica “Deus caritas est” aprender a dimensão social do amor, com todas as implicações que isso significa a nível social e político.
2.3. Viver a missão
A missão – comunicação do valor, da riqueza que se descobre e se vive – é outro passo importante no trabalho da Pastoral Universitária. Ao comunicar para os colegas uma experiência valiosa o jovem acaba aprofundando a sua própria experiência: quando se anuncia para o outro uma descoberta ela se torna ainda mais sua. Ir ao encontro do outro, do diferente e comunicar a riqueza de um trabalho voluntário, por exemplo, propicia afirmar um valor com clareza e vitalidade que, ao invés de separar ou dividir, aproxima. Assim, descobre-se que a diferença não é obstáculo ao encontro ou ao ecumenismo, mas condição para construção de uma sociedade humana.
Quando as duas primeiras dimensões (cultura e caridade) foram verdadeiramente vivenciadas, verifica-se a necessidade de partilhar com os outros, acontece a terceira dimensão (missão). Discípulo e missionário: se aprende e se comunica.
Notas:
1.Revista de Estudos da Religião - REVER ISSN 1677-1222 Pós-Graduação em Ciências da religião - PUC-SP
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