A Universidade Católica é portadora, para a sociedade e a cultura, de uma vertente de pensamento próprio, que é inspirado no cristianismo, que ao longo dos séculos foi sendo elaborada com base no grande tradição da cultura cristã. Por isso, não pode faltar, na Universidade Católica, a luz posta pela ótica cristã, pela compreensão cristã das coisas, pois ela é uma contribuição para alargar a visão, para enriquecer a proposta cultural da sociedade. isto não é imposto. Conhecer esta proposta não fará mal a ninguém, certamente. Aceitar é outra questão, ninguém é forçado a aceitar uma ou outra proposta. A proposta da Universidade Católica, contudo, não pode deixar de ser apresentada como forma de contribuição para construir uma cultura pluralista, pois em nosso contexto cultural a visão cristã tem uma grande contribuição a dar.
Agradeço a Dom Petrini pela reflexão que apresentou neste nosso colóquio, inserido nesta atualização do site> . Evidentemente, numa só noite não podemos ter a pretensão de resolver todos os problemas, responder a todas as questões para as quais a humanidade busca respostas há tanto tempo e que, portanto, também devem ser objeto de nossa busca na Universidade.
Mas, retomando o tema deste colóquio, podemos nos perguntar: qual é a vocação da Universidade Católica no contexto atual?, Certamente a reflexão de Dom Petrini nos ajuda a dar uma resposta a esta pergunta. Para começar, eu diria que levar a sério os anseios, as buscas e as provocações colocadas de tantas maneiras pelos defensores de diferentes posições e teorias, inclusive pelos que contradizem a Igreja e a religião,– afinal, tudo isto faz parte do debate, da busca, da dialética, que caracteriza o mundo da cultura. A Universidade Católica deve ajudar a trazer respostas a estas buscas e estes anseios. As respostas que dará, muitas vezes não serão as mesmas que apresentadas por outras vertentes do pensamento. A Universidade Católica é portadora, para a sociedade e a cultura, de uma vertente de pensamento próprio, que é inspirado no cristianismo, que ao longo dos séculos foi sendo elaborada com base no grande tradição da cultura cristã, que se expressou em muitas formas de produção cultural e em sistemas filosóficos, antropológicos e sociológicos – sem falar na Teologia, própria da Igreja, que faz a reflexão sobre a realidade a partir da ótica da fé religiosa.
A maneira cristã de ver as coisas, que toma sua inspiração no Evangelho, na pregação de Cristo, ilumina a vida humana, a nossa existência neste mundo, a convivência em sociedade. Esta maneira de ver o mundo foi elaborada de muitas formas, adquirindo um enorme lastro cultural, e a vocação da Universidade Católica é ajudar a beber deste poço, ajudar a propor, a aprofundar e a avançar nesta reflexão, a promover o diálogo entre as muitas maneiras de compreender o mundo a partir de um horizonte que é próprio da compreensão cristã.
Este não é um estreitamento, mas sim um alargamento da visão. Estreitamento é beber de uma única fonte, ou pretender que todos devam beber desta única fonte, como aconteceria se propuséssemos como verdade absoluta, dogmática, uma posição defendida por um filósofo ou por um sistema sociológico, econômico ou político. Nestes casos nós estaríamos estreitando os horizontes de compreensão da realidade. Mas a Universidade é justamente o lugar da pluralidade, a universitas, o lugar da visão larga do mundo.
Não pode faltar, na Universidade Católica, a luz posta pela ótica cristã, pela compreensão cristã das coisas, pois ela é uma contribuição para alargar a visão, para enriquecer a proposta cultural da sociedade. Mas isto não é imposto. Conhecer esta proposta não fará mal a ninguém, certamente. Aceitar é outra questão, ninguém é forçado a aceitar uma ou outra proposta.
Cada universidade, contudo, tem a sua proposta. Mesmo as universidades públicas têm a sua proposta, assim como as demais universidades confessionais ou mesmo as universidades privadas. Não tenhamos a ilusão de que existe uma universidade sem proposta, como um espaço neutro, onde cada um afirma as suas idéias como que num chão não plantado. A nossa universidade também tem a sua proposta. A questão é conhecê-la, propô-la para a sociedade, como forma de contribuição para construir uma cultura pluralista, uma cultura enriquecida com muitas visões, pois em nosso contexto cultural a visão cristã tem uma grande contribuição a dar.
Em outros ambientes, quando faço a homilia, gosto de explicar que a proposta cristã, a proposta de vida cristã, a nossa presença cristã no meio do mundo, é uma coisa boa. Se fosse uma coisa ruim, deveríamos renunciar a ela imediatamente, queimá-la. Outra questão é se sempre conseguimos traduzir de forma adequada esta coisa boa que é a proposta cristã. Com nossos comportamentos e atitudes de cristãos nem sempre conseguimos transmitir de forma adequada e crível isto que temos de bom para propor. Porém, o que temos a propor para o mundo a partir da fé cristã é bom, constrói um mundo melhor. Por exemplo, a Igreja ensina, a partir da ótica cristã, a solidariedade. Nós estamos terminando a Quaresma, durante a qual refletimos, aqui no Brasil, junto com outras igrejas cristãs, numa perspectiva ecumênica, sobre “Economia e vida”. Um tema em si nada religioso, porém refletimos sobre como uma visão cristã de economia pode ajudar a construir a vida. Uma visão cristã de convivência social, de atitudes e relacionamentos econômicos, de avaliação e propostas de sistemas econômicos pode ajudar a construir a vida, de modo que haja solidariedade e fraternidade, que não haja injustiça e exclusão social. Ora, isto é uma coisa boa. Da mesma forma, se nós propomos no campo da ética da vida, da bioética, que o ser humano deve ser respeitado integralmente e que por isso mesmo a sua vida é intocável, em todos os seus instantes, nós estamos propondo uma coisa boa. Se propuséssemos o contrário, se estivéssemos propondo a morte como um princípio, como uma coisa aceitável, aí sim deveríamos nos questionar. Mas não, estamos propondo a vida, uma coisa boa.
Mesmo no meio de tanta nebulosidade, numa situação onde a inteligência muitas vezes parece ser convidada a enveredar por caminhos obscuros, a busca pela verdade deve ser a paixão que nos move. “A verdade vos libertará”, disse Jesus. Isto permanece. Ora, propor, na universidade, a verdade como referência de comportamento, como busca da inteligência, é uma coisa boa. A Universidade Católica, por isto mesmo, deve sempre ajudar a abrir o horizonte em relação aos estreitamentos nos quais a cultura é tentada muitas vezes a se conformar, acomodando-se a uma vertente cultural ou uma proposta ideológica como sendo a única, impondo-a mais dogmaticamente do que qualquer verdade religiosa. Às vezes se critica as proposições religiosas por serem dogmas, mas existem proposições filosóficas, científicas e ideológicas que são apresentadas de forma muito mais dogmática que as proposições religiosas.
Por isso a Universidade Católica é chamada a avaliar os sistemas de pensamento, os sistemas de convivência, os sistemas culturais; a dialogar com eles; a propor o seu horizonte e a abrir, nas palavras de Dom Petrini, um horizonte de esperança e de sentido. Deve fazer a crítica das teorias, não ter medo de fazer o diagnóstico das teorias, mesmo quando estão mais em moda.
Naturalmente, como disse no início, não pretendemos esgotar o assunto nesta noite. É só o início da conversa, e eu faço votos para que esta reflexão possa ser retomada em outras ocasiões e se tornar um hábito de nossa Pontifícia Universidade Católica. |