4. É uma honra e uma responsabilidade da Universidade Católica consagrar-se sem reservas à causa da verdade. Esta é a sua maneira de servir ao mesmo tempo a dignidade do homem e a causa da Igreja, a qual tem “a íntima convicção de que a verdade é a sua verdadeira aliada... e de que o conhecimento e a razão são ministros fiéis da fé . [1] Sem de modo nenhum desprezar a aquisição de conhecimentos úteis, a Universidade Católica distingue-se pela sua livre investigação de toda a verdade acerca da natureza, do homem e de Deus. Com efeito, a nossa época tem necessidade urgente desta forma de serviço abnegado que é proclamar o sentido da verdade, valor fundamental sem o qual se extinguem a liberdade, a justiça e a dignidade do homem. Em prol duma espécie de humanismo universal, a Universidade Católica dedica-se completamente à investigação de todos os aspectos da verdade no seu nexo essencial com a Verdade suprema, que é Deus. Portanto, ela sem medo algum, empenha-se com entusiasmo em todos os caminhos do saber, consciente de ser precedida por Aquele que é “Caminho, Verdade e Vida”, [2] o Logos, cujo Espírito de inteligência e de amor concede à pessoa humana encontrar, com a sua inteligência, a realidade última que é a sua fonte e termo, e o único capaz de dar em plenitude aquela Sabedoria, sem a qual o futuro do mundo estaria em perigo.
5. É no contexto da procura abnegada da verdade que recebe luz e significado a relação entre fé e razão. “Intellige ut credas; crede ut intellegas”: este convite de Sto. Agostinho [3] vale também para as Universidades Católicas, chamadas a explorar corajosamente as riquezas da Revelação e as da natureza, para que o esforço conjunto da inteligência e da fé consinta aos homens alcançar a medida plena da sua humanidade, criada à imagem e semelhança de Deus, renovada de maneira mais admirável, depois do pecado, em Cristo, e chamada a resplandecer na luz do Espírito.
7. No mundo de hoje, caracterizado por um desenvolvimento tão rápido da ciência e da tecnologia, as tarefas da Universidade Católica assumem uma importância e uma urgência cada vez maiores. Com efeito, as descobertas científicas e tecnológicas, se por um lado comportam um enorme crescimento económico e industrial, por outro exigem evidentemente a necessária e correspondente procura do significado, a fim de garantir que as novas descobertas sejam usadas para o bem autêntico dos indivíduos e da sociedade humana no seu conjunto. Se é da responsabilidade de cada Universidade procurar tal significado, a Universidade Católica é chamada dum modo especial a responder a esta exigência: a sua inspiração cristã consente-lhe incluir a dimensão moral, espiritual e religiosa na sua investigação e avaliar as conquistas da ciência e da técnica na perspectiva da totalidade da pessoa humana. Neste contexto as Universidades Católicas são chamadas a uma contínua renovação, enquanto universidades e enquanto católicas. Com efeito, “está em causa o significado da investigação científica e da tecnologia, da convivência social, da cultura, mas, mais profundamente ainda, está em causa o próprio significado do homem”. [4] Tal renovação exige a clara consciência de que, em virtude do seu caráter católico, a Universidade é mais capaz de fazer a investigação desinteresseira da verdade - investigação, portanto, que não está subordinada nem condicionada por interesses de qualquer gênero.
16. A integração do conhecimento é um processo susceptível de ser sempre aperfeiçoado. Além disso, o incremento do saber no nosso tempo, ao qual se junta o fracionamento crescente do conhecimento no seio de cada uma das disciplinas acadêmicas, torna tal tarefa cada vez mais difícil. Mas uma Universidade, e especialmente uma Universidade Católica, “deve ser uma 'unidade viva' de organismos voltados para a investigação da verdade... É necessário, portanto, promover tal síntese superior do saber, a única que poderá apagar aquela sede de verdade profundamente inscrita no coração do homem”. [5] Guiados pelas contribuições específicas da filosofia e da teologia, os estudiosos universitários deverão empenhar-se num esforço constante no sentido de determinar a relativa colocação e o significado de cada uma das diversas disciplinas no quadro duma visão da pessoa humana e do mundo iluminada pelo Evangelho e, portanto, pela fé em Cristo, Logos, como centro da criação e da história humana.
18. Dado que o saber deve servir a pessoa humana, numa Universidade Católica a investigação vem sempre efetivada com a preocupação das implicações éticas e morais, ínsitas tanto nos seus métodos como nas suas descobertas. Embora inerente a toda a investigação, esta preocupação é particularmente urgente no campo da investigação científica e tecnológica. “É essencial convencermos-nos da prioridade da ética sobre a técnica, do primado da pessoa sobre as coisas, da superioridade do espírito sobre a matéria. A causa do homem só será servida se o conhecimento estiver unido à consciência. Os homens da ciência só ajudarão realmente a humanidade se conservarem o sentido da transcendência do homem sobre o mundo e de Deus sobre o homem”. [6]
20. Dada a relação íntima entre investigação e ensino, convém que as exigências da investigação, acima indicadas, influam sobre todo o ensino. Enquanto cada disciplina é ensinada de modo sistemático e de acordo com métodos próprios, a interdisciplinaridade, sustentada pelo contributo da filosofia e da teologia, ajuda os estudantes a adquirir uma visão orgânica da realidade e a desenvolver um desejo incessante de progresso intelectual. Depois, na comunicação do saber coloca-se em ressalto o fato de a razão humana, na sua reflexão, se abrir a interrogações cada vez mais vastas e de a resposta completa a elas provir do Alto por meio da fé. Além disso, as implicações morais, inerentes a cada disciplina, são examinadas como parte integrante do ensino da mesma disciplina; isto para que todo o processo educativo seja dirigido definitivamente para o progresso integral da pessoa. Enfim, a teologia católica, ensinada em plena fidelidade à Escritura, à Tradição e ao Magistério da Igreja, proporcionará um claro conhecimento dos princípios do Evangelho, o qual enriquecerá o significado da vida humana e lhe conferirá uma dignidade nova. [...]
45. A Universidade Católica deve tornar-se cada vez mais atenta às culturas do mundo de hoje, bem como também às várias tradições culturais existentes dentro da Igreja, de maneira a promover um contínuo e proveitoso diálogo entre o Evangelho e a sociedade de hoje. Entre os critérios, que distinguem o valor duma cultura, vêm em primeiro lugar o sentido de pessoa humana, a sua liberdade, a sua dignidade, o seu sentido de responsabilidade e a sua abertura ao transcendente. Com o respeito da pessoa está ligado o valor eminente da família, célula primária de toda a cultura humana.
As Universidades Católicas devem esforçar-se por discernir e avaliar bem as aspirações como as tradições da cultura moderna, para torná-la mais apta ao desenvolvimento integral das pessoas e dos povos. Dum modo particular, recomenda-se aprofundar, com estudos apropriados, o impacto da tecnologia moderna e especialmente dos meios de comunicação social sobre as pessoas, as famílias, as instituições e sobre o conjunto da cultura moderna. As culturas tradicionais devem ser defendidas na sua identidade, ajudando-as a acolher os valores modernos sem sacrificar o próprio património, que é riqueza para toda a família humana. As Universidades, situadas em ambientes culturais tradicionais, devem procurar harmonizar atentamente as culturas locais com o contributo positivo das culturas modernas.
Notas
[1] John Henry Cardinal Newman, The Idea of a University, P. XI, London, Longmans, Green and Company, 1931.
[2] Jo. 14, 6.
[3] Cf. Sto. Agostinho, Serm. 43, 9: PL 38; Cf. também Sto. Anselmo, Proslogion, cap. I: PL 158, 227.
[4] Cf. João Paulo II, Alocução ao Congresso Internacional sobre as Universidades Católicas, 25 de Abril de 1989, n. 3: AAS 18 (1989), p. 1218.
[5] João Paulo II, Alocução: Congresso Internacional sobre as Universidades Católicas, 25 de Abril de 1989, n. 4: AAS 81 (1989), p. 1219. Cf. também Gaudium, et spes, n. 61: AAS 58 (1966), pp. 1081-1082. O Cardeal Newman observa que uma Universidade “declara assinalar a cada estudo, que ela acolhe o seu lugar próprio e as suas justas fronteiras; definir os direitos, estabelecer as relações recíprocas e realizar a intercomunhão de cada um e de todos” (Op. cit., p. 457).
[6] João Paulo II, Discurso à UNESCO de 2 de Junho de 1980, n. 22: AAS 72 ( 1980), p. 750. A última parte da citação retoma as minhas palavras, dirigidas à Pontifícia Academia das Ciências, de 10 de Novembro de 1979: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, vol. II/2 (1979), p. 1109.
|