Uma análise “interna” da encíclica, que evidencia como a proposta da encíclica permite uma visão mais abrangente e global da realidade.
“Caritas in veritate” está destinada a falar-nos por muito tempo e nós também ainda iremos falar dela por muito tempo. Depois de aproximadamente vinte anos da “Centesimus annus” de João Paulo II, a Igreja recoloca a “mão na massa” da construção do mundo e retoma a questão social a partir do “desenvolvimento humano integral na caridade e na verdade”.
Deste modo, a Doutrina Social da Igreja é posta lá onde Igreja e o mundo se encontram. O parágrafo 34 da encíclica diz com clareza que depois do pecado o mundo não sabe mais construir-se por si mesmo. A Doutrina Social, como disse João Paulo II, é um instrumento de salvação porque é anúncio de Cristo na realidade temporal. “Caritas in veritate” reitera a pretensão cristã: sem Mim, não podeis fazer nada.
Sem a força da caridade e a luz da verdade cristã, os homens não conseguem permanecer juntos, perdem sua integralidade, são contraditórios, se decompõem. A pretensão cristã é que só Jesus Cristo revela plenamente o homem ao próprio homem e permite-lhe de apropriar-se de si mesmo em sua integralidade.
Uma leitura de “Caritas in veritate” deste ponto de vista é muito interessante. Direita e esquerda, conservadores e progressistas, capitalismo e anti-capitalismo, natureza e cultura... Estas e outras distinções e reduções são completamente superadas: a realidade é mais que isso – ela nos é dada pela caridade e pela verdade.
Pensemos num das mais freqüentes rupturas ideológicas da atualidade: a separação dos temas da vida e da família daqueles da justiça social e da paz. Trata-se de uma separação evidente no reducionismo ecologista ou nas propostas de desenvolvimento das populações pobres unido ao aborto ou a práticas de controle da natalidade compulsórias. A encíclica afirma que esses dois temas devem ser compreendidos juntos. O desenvolvimento é pensado freqüentemente apenas em termos quantitativas, sem considerar os aspectos qualitativos do subdesenvolvimento.
A ideologia da técnica é o novo absolutismo (capítulo VI da encíclica) porque separa, fragmenta a realidade. Os problemas da pessoa humana são reduzidos a problemas psicológicos que podem ser resolvidos por especialistas, sem que saiba nem mesmo o que se espera desse ser humano. Mas o homem é uma unidade de corpo e alma. “Caritas in veritate” recoloca o espírito e a vida eterna em seu devido lugar na construção de cidade terrena.
A pretensão cristã é de conseguir reunir e manter unida a totalidade. Mas também é a de responder às necessidades, ou melhor às expectativas. Também este segundo aspecto da pretensão cristã está presente na “Caritas in veritate”. Sem realmente negar os diversos níveis de verdade e de competência e, portanto, sem negar também seus próprios limites, a Igreja sabe que anuncia a Palavra definitiva e que esta Palavra não vem somada de fora como uma opinião, mas pretende responder às esperanças humanas.
Deus tem seu lugar no mundo e a Igreja tem seu “direito de cidadania”. Para que Deus tenha seu lugar no mundo, é necessário que o mundo precise Dele para ser mundo, isto é, para alcançar seus fins naturais. Caso contrário, Deus é supérfluo. Útil, talvez, mas não indispensável. Se Deus só é útil, então o cristianismo é só ética. Por outro lado, se Deus é indispensável, a fé purifica a razão e a caridade purifica a justiça. Purificar significa que faz delas efetivamente razão e caridade. Sem a fé, a razão não consegue ser plenamente razão; e sem caridade a justiça não consegue ser plenamente justiça. |