Um dos maiores intelectuais da Igreja Católica na atualidade, o Cardeal Schönborn é Arcebispo de Viena, membro das Congregações para a Doutrina da Fé, para as Igrejas Orientais, para a Educação Católica, e do Conselho Pontifício para a Cultura. É um grande estudioso da relação entre fé e ciência, em particular da questão evolcuionista.
* Uma visão de Deus que o reduza a uma resposta fácil para as lacunas do conhecimento científico, fatalmente levará à perda da fé, à medida que o conhecimento científico avançar. A verdadeira relação entre fé e ciência pressupõe uma “filosoifa da natureza” capaz de maravilhar-se com as descobertas que o homem faz, com a lógica e a beleza do mundo material – e a partir daí perguntar-se sobre a existência de um Criador. Então, fé e ciência não se excluem ou competem, mas caminham juntas dentro de uma visão ampla de razão, que não se restringe a seus aspectos instrumentais e mecânicos.
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[...] Onde quer que se invoque Deus para preencher as lacunas no conhecimento físico, o seu lugar é diminuído com toda descoberta capaz de explicar um pedaço do antes inexplicável. Quando o papel de Deus é visto como sendo o de um agente extrínseco que atua sobre a natureza a partir do exterior para explicar fenômenos específicos, estes espaços de sobrevivência do Criador tornam-se cada vez mais diminuídos à medida que as ciências naturais avançam explicando fenômenos por meio de seu modo particular de explanação. E a cada vez que estes espaços de sobrevivência diminuem, muitos na comunidade científica quedam-se mais seguros da vitória quanto ao fato de que a “Hipótese de Deus” irá um dia tornar-se completamente desnecessária. [...]
Darwin quis dar uma explicação científica e plausível da origem das espécies apta a dispensar integralmente atos distintos e independentes de criação por parte de Deus. Sua teoria constituía um único argumento ampliado em favor de uma explicação puramente imanente – de fato, uma explicação puramente material e mecânica – da origem das espécies. Ali onde Newton ainda asseverava que nenhuma mudança e, pois, nenhuma variação possível nas coisas poderia desenvolver-se pela necessidade cega, Darwin construiu o argumento exatamente oposto: toda a diversidade de espécies tem sua origem em mutações baseadas em coincidência e na sua probabilidade de sobrevivência. Nenhum plano do Criador – muito menos quaisquer intervenções especiais – foram requeridos para que este processo resultasse em tudo o que nós agora observamos na biosfera.
Uma observação de Darwin em uma carta de 1870 para o botânico Joseph Dalton Hooker (1817-1911) é pertinente: “Eu não posso olhar para o universo como resultado do cego acaso. Contudo, não posso ver qualquer evidência de desígnio generoso ou, de fato, qualquer desígnio de qualquer espécie, no detalhe”. A contemplação da natureza, a exploração do universo, da terra, da vida, fala-nos com abundante evidência de ordem, planejamento, boa afinação, intenção e propósito.
A pergunta é: Quem reconhece o desígnio? E como é reconhecido? Darwin diz que ele não pode reconhecer qualquer tipo de desígnio nos detalhes das explorações da natureza. E isto realmente será difícil baseado numa metodologia estritamente científica, quantitativa, orientada para medidas. Nós, porém, constantemente falamos sobre a natureza haver estabelecido isto ou aquilo, em tal ou qual maneira, como se a natureza fosse um sujeito dotado de espírito que estabelece objetivos para si mesma e age de um modo que está dirigido para eles. Até mesmo darwinistas rígidos, e, de fato, o próprio Darwin, falam repetidamente da natureza desta maneira antropomórfica, mesmo quando se corrigem posteriormente e dizem, com alguém como Julian Huxley (1887-1975): “À primeira vista, o setor biológico parece cheio de propósito. Organismos são construídos como se projetados propositadamente [...]. Mas como o gênio de Darwin mostrou, o propósito é somente aparente”.
Então, a natureza só atua como se tivesse metas? Na quinta de suas provas da existência de Deus, Santo Tomás de Aquino (1225-1274) apontou na direção de uma maneira de pensar que nos ajuda a prosseguir aqui. Nós podemos ver, ele assevera, que as coisas corpóreas na natureza atuam de um modo orientado a um fim para atingir aquilo que é bom para elas. Elas não atingem sua meta por coincidência, mas propositadamente. Contudo, elas não chegam a isto pelas próprias intenções (afinal de contas, elas não têm qualquer cognição); ao revés, atingem seu fim por meio de um agente cognoscente que as guia como um arqueiro faz com sua seta. A este agente cognoscente que guia todas as coisas naturais para o seu fim nós chamamos Deus. [...]
A existência de um navio conduz à pergunta “Quem o construiu?” – e assim a experiência patente da natureza (como sendo dirigida para um fim, como ordenada e como bela) conduz à pergunta “Donde provêm estas marcas de inteligência?” A teoria evolutiva, com seu método científico, não pode oferecer uma resposta aqui; pode apenas explorar causas mensuráveis e mecânicas. Uma observação freqüentemente citada de George Simpson (1792-1860) estabelece: “O homem é o resultado de um processo desprovido de propósito e materialista que não o tem em mente. Ele não foi planejado”. Se Simpson houvesse simplesmente dito que nenhum plano relativo ao surgimento do gênero humano pode ser discernido usando os métodos puramente quantitativo-mecânicos de investigação científica, então esta afirmação poderia estar correta. Mas este modo de olhar para as coisas – esta “autolimitação da razão”, nas palavras da alocução de Bento XVI em Regensburg – não é “dada pela natureza”, mas é uma escolha deliberada, metodológica e eminentemente orientada a um fim. [...]
Ademais, considere-se a questão de ler os sinais de Deus na criação. Esta não é a tarefa da ciência? Os primeiros cientistas, de Nicolau Copérnico (1473-1543) a Galileu Galilei (1564-1642) chegando a Newton, estavam convencidos disto. Ao lado do livro da Bíblia, eles reconheceram o livro da criação, dentro do qual o Criador fala conosco em linguagem legível e perceptível. O que é negligenciado num conceito materialista de ciência é o sentido do maravilhar-se em relação à própria legibilidade da realidade. A exploração científica da natureza só é possível porque nos dá uma resposta. A natureza é "construída" de forma tal que nosso espírito pode penetrar sua estrutura e leis. [...]
“O mundo natural não é nada além de uma mediação entre mentes – a mente ilimitada do Criador e nossas mentes humanas limitadas”. O que poderia ser mais fundamental à ciência que a suposição de que a explorabilidade e a cognoscibilidade da realidade surgem devido ao fato de portarem a escrita de próprio punho de seu autor? Deus fala o idioma de sua criação, e nosso espírito, que é igualmente sua criação, é capaz de perceber, ouvir e compreender isto.
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