O contexto social
Não é nenhuma novidade a constatação de que vosso País convive com um déficit histórico de desenvolvimento social, cujos traços extremos são o imenso contingente de brasileiros vivendo em situação de indigência e uma desigualdade na distribuição da renda que atinge patamares muito elevados. (Discurso aos bispos do Brasil, 11/mai).
Os povos latino-americanos e caribenhos têm direito a uma vida plena, própria dos filhos de Deus, com condições mais humanas: livres das ameaças da fome e de todas as formas de violência. Para estes povos, os seus Pastores têm que fomentar uma cultura da vida que permita, como dizia o meu Predecessor Paulo VI, "passar da miséria à posse do necessário, à aquisição da cultura, à cooperação no bem comum... até chegar ao reconhecimento, por parte do homem, dos valores supremos e de Deus, que é a origem e o termo deles" (cf. Populorum progressio, 21).
Neste contexto, é-me grato recordar a Encíclica "Populorum progressio", cujo 40º aniversário recordamos no corrente ano. Este documento pontifício põe em evidência o fato de que o desenvolvimento deve ser integral, isto é, orientado rumo à promoção de todo o homem e de todos os homens (cf. n. 14), e convida todos a eliminar as graves desigualdades sociais e as enormes diferenças no acesso aos bens. Estes povos aspiram, sobretudo, à plenitude de vida que Cristo nos trouxe: "Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância" (Jo 10, 10). Com esta vida divina desenvolve-se também plenamente a existência humana, nas suas dimensões pessoal, familiar, social e cultural. (Discurso inaugural do V CELAM, 13/mai).
A Igreja Católica - como coloquei em evidência na Encíclica Deus caritas est - "transformada pela força do Espírito é chamada para ser, no mundo, testemunha do amor do Pai, que quer fazer da humanidade uma única família, em seu Filho" (cf. 19). Daí o seu profundo compromisso com a missão evangelizadora, a serviço da causa da paz e da justiça.A decisão, portanto, de realizar uma Conferência essencialmente missionária, bem reflete a preocupação do episcopado, e não menos a minha, de procurar caminhos adequados para que, em Jesus Cristo, os "nossos povos tenham vida", como reza o tema da Conferência. (Discurso de boas vindas, 9/mai)
A dimensão social da caridade
Jesus abre o seu coração e nos revela o fulcro de toda a sua mensagem redentora: «Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos (ib.v.13). Ele mesmo amou até entregar sua vida por nós sobre a Cruz. Também a ação da Igreja e dos cristãos na sociedade deve possuir esta mesma inspiração. As pastorais sociais se forem orientadas para o bem dos pobres e dos enfermos, levam em si mesmas este sigilo divino. O Senhor conta conosco e nos chama amigos, pois só aos que se ama desta maneira, se é capaz de dar a vida proporcionada por Jesus com sua graça. (Missa da canonização de Frei Galvão, 11/mai)
Neste esforço evangelizador, a comunidade eclesial se destaca pelas iniciativas pastorais, ao enviar, sobretudo entre as casas das periferias urbanas e do interior, seus missionários, leigos ou religiosos, procurando dialogar com todos em espírito de compreensão e de delicada caridade. Mas se as pessoas encontradas estão numa situação de pobreza, é preciso ajudá-las, como faziam as primeiras comunidades cristãs, praticando a solidariedade, para que se sintam amadas de verdade.
O povo pobre das periferias urbanas ou do campo precisa sentir a proximidade da Igreja, seja no socorro das suas necessidades mais urgentes, como também na defesa dos seus direitos e na promoção comum de uma sociedade fundamentada na justiça e na paz. Os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho e um Bispo, modelado segundo a imagem do Bom Pastor, deve estar particularmente atento em oferecer o divino bálsamo da fé, sem descuidar do "pão material". Como pude evidenciar na Encíclica Deus caritas est, "a Igreja não pode descurar o serviço da caridade, tal como não pode negligenciar os Sacramentos nem a Palavra" (n. 22)...
Uma visão da economia e dos problemas sociais, a partir da perspectiva da doutrina social da Igreja, leva a considerar as coisas sempre do ponto de vista da dignidade do homem, que transcende o simples jogo dos fatores econômicos. Deve-se, por isso, trabalhar incansavelmente para a formação dos políticos, dos brasileiros que têm algum poder decisório, grande ou pequeno e, em geral, de todos os membros da sociedade, de modo que assumam plenamente as próprias responsabilidades e saibam dar um rosto humano e solidário à economia. (Discurso aos bispos do Brasil, 11/mai).
A mudança das estruturas
Os problemas da América Latina e do Caribe, assim como do mundo de hoje, são múltiplos e complexos, e não podem ser enfrentados com programas generalizados. Todavia, a questão fundamental sobre o modo como a Igreja, iluminada pela fé em Cristo, deva agir diante desses desafios, são concernentes a todos nós. Neste contexto, é inevitável falar do problema das estruturas, sobretudo das que criam injustiças. Na realidade, as estruturas justas são uma condição sem a qual não é possível uma ordem justa na sociedade. Porém, como nascem?
Como funcionam? Tanto o capitalismo como o marxismo prometeram encontrar o caminho para a criação de estruturas justas e afirmaram que estas, uma vez estabelecidas, funcionariam por si mesmas; afirmaram que não só não teriam tido necessidade de uma precedente moralidade individual, mas também que fomentariam a moralidade comum. E esta promessa ideológica demonstrou-se falsa.
Os fatos o comprovam. O sistema marxista, onde governou, deixou não só uma triste herança de destruições econômicas e ecológicas, mas também uma dolorosa opressão das almas. E o mesmo vemos também no ocidente, onde cresce constantemente a distância entre pobres e ricos e se produz uma inquietadora degradação da dignidade pessoal com a droga, o álcool e as sutis ilusões de felicidade.
As estruturas justas são, como já disse, uma condição indispensável para uma sociedade justa, mas não nascem nem funcionam sem um consenso moral da sociedade sobre os valores fundamentais e sobre a necessidade de viver estes valores com as necessárias renúncias, inclusive contra o interesse pessoal...
Por outro lado, as estruturas justas têm que ser procuradas e elaboradas à luz dos valores fundamentais, com todo o empenho da razão política, econômica e social. São uma questão da recta ratio e não provêm de ideologias nem das suas promessas. Certamente há um tesouro de experiências políticas e de conhecimentos sobre os problemas sociais e econômicos, que evidenciam elementos fundamentais de um Estado justo e os caminhos que devem ser evitados...
As estruturas justas jamais serão completas de modo definitivo; pela constante evolução da história, hão de ser sempre renovadas e atualizadas; hão de estar animadas sempre por um "ethos" político e humano, por cuja presença e eficiência se trabalhará cada vez mais. Em outras palavras, a presença de Deus, a amizade com o Filho de Deus encarnado, a luz da sua Palavra, são sempre condições fundamentais para a presença e eficiência da justiça e do amor nas nossas sociedades. (Discurso inaugural do V CELAM, 13/mai)
A Igreja e a transformação das estruturas
Diante da prioridade da fé em Cristo e da vida "nele", formulada no título desta V Conferência, poderia surgir também outra questão: esta prioridade, não poderia por acaso ser uma fuga no intimismo, no individualismo religioso, um abandono da realidade urgente dos grandes problemas econômicos, sociais e políticos da América Latina e do mundo, e uma fuga da realidade para um mundo espiritual? ...
Ao chegar a este ponto podemos perguntarmo-nos: como pode a Igreja contribuir para a solução dos urgentes problemas sociais e políticos, e responder ao grande desafio da pobreza e da miséria?
Os problemas da América Latina e do Caribe, assim como do mundo de hoje, são múltiplos e complexos, e não podem ser enfrentados com programas generalizados. Todavia, a questão fundamental sobre o modo como a Igreja, iluminada pela fé em Cristo, deva agir diante desses desafios, são concernentes a todos nós...
Este trabalho político não é competência imediata da Igreja. O respeito de uma sadia laicidade junto com a pluralidade das posições políticas é essencial na tradição cristã. Se a Igreja começar a se transformar diretamente em sujeito político, não faria mais pelos pobres e pela justiça, ao contrário, faria menos porque perderia a sua independência e a sua autoridade moral, identificando-se com uma única via política e com posições parciais opináveis. A Igreja é advogada da justiça e dos pobres, exatamente por não se identificar com os políticos nem com os interesses de partido.
Somente sendo independente pode ensinar os grandes critérios e os valores inderrogáveis, orientar as consciências e oferecer uma opção de vida que vai mais além do âmbito político. Formar as consciências, ser advogada da justiça e da verdade, educar nas virtudes individuais e políticas, é a vocação fundamental da Igreja neste setor. E os leigos católicos devem ser conscientes da sua responsabilidade na vida pública; devem estar presentes na formação dos consensos necessários e na oposição contra as injustiças. (Discurso inaugural do V CELAM, 13/mai)
A Igreja quer apenas indicar os valores morais de cada situação e formar os cidadãos para que possam decidir consciente e livremente; neste sentido, não deixará de insistir no empenho que deverá ser dado para assegurar o fortalecimento da família - como célula mãe da sociedade; da juventude - cuja formação constitui um fator decisivo para o futuro de uma Nação - e, finalmente, mas não por último, defendendo e promovendo os valores subjacentes em todos os segmentos da sociedade, especialmente dos povos indígenas. (Discurso de boas vindas, 9/mai)
Onde Deus está ausente o Deus do rosto humano de Jesus Cristo estes valores não se mostram com toda a sua força, nem se produz um consenso sobre eles. Não quero dizer que os não-crentes não podem viver uma moralidade elevada e exemplar; digo somente que uma sociedade na qual Deus está ausente não encontra o consenso necessário sobre os valores morais e a força para viver segundo a pauta destes valores, também contra os próprios interesses. (Discurso inaugural do V CELAM, 13/mai)
A missão dos leigos
Nesta área geográfica os católicos são a maioria: isto significa que eles devem contribuir de modo particular ao serviço do bem comum desta Nação. A solidariedade será, sem dúvida, palavra cheia de conteúdo quando as forças vivas da sociedade, cada qual dentro do seu próprio âmbito, se empenharem seriamente para construir um futuro de paz e de esperança para todos. (Discurso de boas vindas, 9/mai)
Por se tratar de um Continente de batizados, convém preencher a notável ausência no âmbito político, comunicativo e universitário, de vozes e iniciativas de líderes católicos de forte personalidade e de vocação abnegada, que sejam coerentes com as suas convicções éticas e religiosas. Os movimentos eclesiais têm aqui um amplo campo para recordar aos leigos a sua responsabilidade e a sua missão de levar a luz do Evangelho para a vida pública, cultural, econômica e política. (Discurso inaugural do V CELAM, 13/mai)
Ocorre formar nas classes políticas e empresariais um autêntico espírito de veracidade e de honestidade. Quem assume uma liderança na sociedade, deve procurar prever as conseqüências sociais, diretas e indiretas, a curto e a longo prazo, das próprias decisões, agindo segundo critérios de maximização do bem comum, ao invés de procurar ganâncias pessoais. (Discurso aos bispos do Brasil, 11/mai).
Mas, sobretudo, o Papa espera que [os jovens] saibam ser protagonistas de uma sociedade mais justa e mais fraterna, cumprindo as obrigações frente ao Estado: respeitando as suas leis; não se deixando levar pelo ódio e pela violência; sendo exemplo de conduta cristã no ambiente profissional e social, distinguindo-se pela honestidade nas relações sociais e profissionais. Tenham em conta que a ambição desmedida de riqueza e de poder leva à corrupção pessoal e alheia; não existem motivos para fazer prevalecer as próprias aspirações humanas, sejam elas econômicas ou políticas, com a fraude e o engano. Definitivamente, existe um imenso panorama de ação no qual as questões de ordem social, econômica e política ganham um particular relevo, sempre que haurirem sua fonte de inspiração no Evangelho e na Doutrina Social da Igreja.
A construção de uma sociedade mais justa e solidária, reconciliada e pacífica; a contenção da violência e as iniciativas que promovam a vida plena, a ordem democrática e o bem comum e, especialmente, aquelas que visem eliminar certas discriminações existentes nas sociedades latino-americanas e não são motivo de exclusão, mas de recíproco enriquecimento. (Discurso aos jovens, 10/mai)
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