Movimentos laicos baseados em comunidades ganham status e participarão da conferência, enquanto grupos tradicionais de ação social não são convidados
RIO, SÃO PAULO e FORTALEZA. O milagre da multiplicação dos pães, a fé na formação do rebanho. Moysés Louro de Azevedo Filho tinha 22 anos quando abriu uma lanchonete, a Shalom, num subúrbio de Fortaleza. Apesar de incomum, sua idéia era evangelizar os jovens afastados da Igreja com um convite para comer sanduíches com refrigerante. Nascia assim, em 1982, a Comunidade Católica Shalom, uma das mais fortes expressões no Brasil de um fenômeno que encantou o Vaticano: as comunidades de aliança e de vida. Formadas por leigos que vivem em coletividade (alguns fazem votos de pobreza e celibato), elas se dedicam ao louvor, à evangelização, à cura espiritual e às obras sociais.
Comunidades como a Shalom, reconhecida pelo Vaticano em fevereiro passado como associação privada internacional de fiéis, são também a maior aposta da Igreja Católica para manter a hegemonia da fé na América Latina. A visita do Papa Bento XVI ao Brasil servirá para consolidar o fenômeno que já mobiliza mais de 250 grupos espalhados pelo país.
Estimulados por João Paulo II, estes movimentos ganharam mais força com Bento XVI, que decidiu prestigiá-los nesta V Conferência do Episcopado da América Latina e do Caribe (V Celam). As antigas regras da Celam foram quebradas e, pela primeira vez, eles terão direito à representação oficial na assembléia. Moysés Filho será um dos cinco representantes das novas comunidades convidados.
- Os jovens têm voltado à Igreja por causa disso. Além deles, muitos fiéis também estão voltando. As novas comunidades estão sustando o avanço das seitas. As pessoas hoje encontram nelas consolo e participação ativa. Não precisam mais se tornar protestantes para isso - diz o padre Jonas Abib, líder da comunidade Canção Nova, que tem como objetivo principal a evangelização através dos meios de comunicação.
Situação diferente vivem as pastorais e as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base). Mais voltadas para a mudança social, na perspectiva da práxis marxista, esses movimentos inspirados na Teologia da Libertação não terão representação alguma na V Celam.
As comunidades de aliança e de vida formam pequenas igrejas dentro da Igreja Católica. Embora incorporem padres e bispos, as comunidades não estão ligadas a uma estrutura paroquial.
Estes grupos crescem, segundo o antropólogo Carlos Alberto Steil, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no momento em que o catolicismo se volta para a idéia de afirmar uma identidade frente a outras expressões religiosas:
- Para poder disputar dentro do campo religioso, ela precisa assumir as regras deste campo. Por isso, a Igreja vai favorecer grupos que estão em processo de disputa e combate por fiéis.
O principal foco do Shalom não são ações sociais, embora a comunidade tenha uma atividade chamada de promoção humana, voltada para a população mais pobre. O principal objetivo, diz Moysés Filho, é o resgate da dignidade através da evangelização. Em 25 anos, o Shalom já está presente em mais 11 países, entre eles Argélia, Madagascar, Israel, Reino Unido, França e Canadá.
A socióloga Cecília Mariz, da Uerj, diz que o crescimento das comunidades também é favorecido pelo desejo manifestado por pessoas solitárias, que integravam famílias se desmanchando, de buscar outra forma de integração.
Fundada em 1994 pelo padre Roberto Lettieri, a Toca de Assis é um dos movimentos mais impressionantes. Tem a marca da juventude em sua origem. Seus integrantes, embora leigos, abandonam tudo para se dedicar integralmente aos miseráveis, assistidos principalmente nas ruas das grandes cidades. Seus integrantes fazem voto de castidade, de obediência e de pobreza.
- Entrei aos 17 anos, quando me preparava para o vestibular.
Senti o amor de Deus quando fazia um retiro de carnaval. Estou muito feliz aqui. Não penso no dia de amanhã - afirma Douglas Vieira Johansen, de 23 anos, que hoje é chamado de Irmão Samaritano e chefia uma unidade da Toca em Madureira, no Rio.
Na Toca de Assis todos são considerados irmãos e dormem no mesmo ambiente, incluindo idosos recolhidos nas ruas.
Os integrantes do movimento dos Focolares, mais antigo (nasceu na Europa em 1952), também optaram por viver em comunidade. A socióloga Sandra Ferreira, de 52 anos, entrou aos 20 anos.
"Casada com Deus", Sandra é leiga, mas optou por deixar a família e apostar na convivência religiosa com outros focolares. É uma entre os 300 mil seguidores no Brasil, mas foi a escolhida para participar da assembléia da Celam como perita:
- É uma coisa nova para mim. Foi uma honra, uma surpresa muito grande. Fui nomeada através de uma carta do Papa e vou para servir.
O próprio presidente da Celam, cardeal Francisco Errázuriz, do Chile, pertence a uma das comunidades, a Schoenstatt, movimento que valoriza a figura dos leigos que visitam famílias para orações.
- Queremos ser uma referência para as famílias - afirma o coordenador da presidência nacional da Schoenstatt, padre Antonio Bratch, de São Paulo.
O bispo prelado do Xingu, dom Erwin Kräutler, afirma que a vida em comunidades garante a sobrevivência da Igreja na maior circunscrição eclesiástica do Brasil, com 365 mil quilômetros quadrados e 600 mil moradores.
- Se o povo não se organiza em comunidades, não existe mais igreja. A comunidade é a família das famílias. Elas ainda mantêm aquele ímpeto de anunciar a boa nova.
COLABOROU: Maiá Menezes
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