São Paulo tem 454 ruas e avenidas com o nome de algum padre. Os religiosos só perdem para doutores (1.431) -advogados, médicos- e professores (873), mas ganham de deputados (38) e vereadores (19).
O fato de a cidade ter sido fundada pelo padre José de Anchieta explica a influência religiosa, mas não totalmente. O brasileiro costuma ver o padre mais como assistente social do que como guia espiritual.
"No catolicismo brasileiro, o homem que fala de Deus é um homem que acolhe os pobres, é algo que faz parte do nosso imaginário", afirma Francisco Borba, 49, sociólogo e coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC de São Paulo.
Ao todo, 61% dos brasileiros apóiam a atuação dos padres em defesa da reforma agrária, 77% são a favor do engajamento em movimentos pela moradia, 81% querem vê-los em entidades de defesa dos direitos humanos. Entre os católicos, os números sobem para 64%, 81%, 85%, respectivamente.
Em algumas regiões, o religioso é visto como o chefe de um "governo paralelo". É o caso do padre Ticão, pároco em Ermelino Matarazzo, na zona leste de São Paulo.
Paulista de Urupês, Antonio Luiz Marchioni, 55, conhecido como Padre Ticão, chegou a São Paulo há 30 anos, após apoiar greves de bóias-frias e de professores na região de Araraquara (SP). "No interior, me chamavam de comunista", diz ele. "Aqui, dom Paulo Evaristo Arns sempre me apoiou."
Ele já invadiu, ao lado de fiéis, o prédio da Secretaria de Estado da Habitação, nos anos 80. Queria pressionar o então governador Franco Montoro (1983-87) a construir conjuntos habitacionais. Fundou creches e centros de apoio ao idoso. Hoje fala com orgulho da implantação de bibliotecas nas comunidades católicas. Questionado se as ocupações não desguarneciam o cuidado com a vida espiritual dos fiéis, disse que corpo e alma estão unidos.
Além dessa diversidade católica, o padre professa um credo político pragmático e multicolorido. Ao mesmo tempo em que se declara fundador "decepcionado" do PT e apóia alguns deputados do partido "que fizeram algo pelos pobres", fala com carinho de um tucano. "Mario Covas foi quem mais fez casa na periferia."
A preferência dos fiéis pelo distanciamento entre religiosos e os partidos políticos também foi captada pelo Datafolha. Ao todo, 63% dos brasileiros são contra que padres defendam posições político-partidárias e 70% se opõem a religiosos que apóiam candidatos. Os pentecostais costumam ser mais tolerantes. Nos dois casos acima, os índices desse grupo caem para 57% e 63%.
A busca por equilíbrio entre uma atuação social e o distanciamento da política parte do pressuposto religioso de que Deus existe para todos, mas também possui um fundo pragmático, de procura por sintonia com a população. Em Ermelino Matarazzo, 100 mil pessoas são disputadas por 25 igrejas católicas e 250 templos evangélicos.
No Datafolha, os evangélicos apóiam menos a atuação social dos padres que a média da população. Enquanto 88% dos brasileiros querem ver os padres em organismos em prol de crianças de rua, esse número cai para 84% entre os pentecostais e para 81% entre os outros ramos do protestantismo.
Porém, seus pastores dão mostras de maior liberalidade de costumes. A Igreja Universal anunciou que vai distribuir camisinhas. Questionado sobre se condenava o uso de preservativos, Padre Ticão se esquivou: "Oriento, mas cada um deve seguir sua consciência".
Apesar do apoio aos padres, os brasileiros também desconfiam deles. O Datafolha revelou que apenas 4% dos brasileiros acham que todos os presbíteros respeitam o voto de castidade. É o mesmo percentual dos que dizem não acreditar nas notícias sobre padres que abusam sexualmente de crianças.
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