Aluno: sujeito com conhecimentos que devem ser considerados no processo de alfabetização

Linguagem e Subjetividade

Aluno: sujeito com conhecimentos que devem ser considerados no processo de alfabetização

08/2013

Aluno: sujeito com conhecimentos que devem ser considerados no processo de alfabetização

Keila Balbino*

Emilia Ferreiro é importante referência na educação brasileira nos últimos 30 anos. A psicolinguista argentina revolucionou as concepções que existiam no Brasil nos anos 80 no que tange a alfabetização. Seu livro "Reflexão sobre a Alfabetização", de 1981 será objeto desta resenha, mais especificamente o terceiro capítulo, "A representação da linguagem e o processo de Alfabetização”, em que são abordadas as concepções sobre a língua subjacentes à prática docente. Para corroborar e mostrar como sua fala ainda é condizente com o que acontece na sala de aula serão apresentados exemplos das produções de um aluno do 5º ano da rede estadual de São Paulo.

Segundo a autora, nenhuma discussão sobre alfabetização considera as concepções das crianças sobre a escrita. Enfatiza que os métodos são apenas sugestões, sendo assim, não geram o conhecimento. Desta feita, entendemos que a informação e a maneira que ela será mostrada ao aluno, sendo contextualizada, é que concretizará o conhecimento. Além disso, o que parece fácil ao professor pode ser o difícil para o aluno, que não deve ser enxergado como uma "tábua rasa" em que são depositadas as "letras e as palavras, segundo determinado método", mas sim um sujeito de conhecimento.

A análise de Ferreiro mostra que em certas práticas a criança é levada a entender que são as outras pessoas que possuem conhecimento sobre a língua escrita e ela não faz parte dessa construção. Algumas se mostram imutáveis, como por exemplo, a disposição das carteiras na sala de aula, outras veem a criança como sujeito passivo e receptor do conhecimento, sendo nenhuma delas neutra.

A partir de estudos realizados no México, Argentina, Barcelona e Suíça sobre formação de professores, a autora levanta três problemas que considera dificuldades conceituais:

Visão do adulto já alfabetizado quanto à escrita:

Neste primeiro problema é apontado que não há como nos rever feito analfabetos, mas um dia todos fomos, só a evolução psicogenética poderia fazer com que a "visão adultocêntrica" se acabasse, para que assim pudéssemos enxergar sobre a perspectiva de uma criança.

Confusão entre ler e desenhar letras:

Ferreiro analisa as crianças que são "copistas experientes", que conseguem fazer cópias fiéis do que está na lousa ou no livro, entretanto, não entendem o sistema de escrita.

Cabe aqui, a produção do aluno que demonstra o dito pela autora:

Cópia da lousa de um texto – aluno do 5º ano
Cópia da lousa de um texto – aluno do 5º ano
Sondagem inicial do aluno
Sondagem inicial do aluno
Sondagem realizada com o mesmo aluno do 5° ano em período próximo a cópia exemplificada
Sondagem realizada com o mesmo aluno do 5° ano em período próximo a cópia exemplificada

Analisando as produções do aluno podemos perceber que apesar da cópia estar de acordo com o texto apresentado na lousa, no qual apenas desenha as letras de maneira experiente, ainda não tem o domínio do sistema de escrita, já que na produção do ditado (segundo exemplo) não escreve as palavras corretamente. Vale ressaltar os conhecimentos que verificamos a partir dos exemplos em que a criança representa as palavras apenas por meio de letras e já na segunda produção do ditado, inicia o processo de dar valor sonoro às sílabas.

Redução do conhecimento do leitor ao conhecimento das letras e seu valor sonoro
Em relação ao último problema é utilizado o exemplo de uma dinâmica utilizada na capacitação de professores no México pela autora e por outros estudiosos da área na América do Sul e Europa, em que é entregue a pequenos grupos de adultos materiais contendo escritas de outras línguas (árabe, hebraico, chinês etc). Nesse momento os adultos buscam encontrar nos materiais significados a partir do conhecimento prévio que já possuem e assim, conseguem fazer hipóteses. Quando se faz um paralelo da dinâmica com o que acontece com as crianças, acabam por perceber as dificuldades que os pequenos encontram, pois geralmente não têm esse tipo de conhecimento prévio que o adulto já possui, descobrindo que o conhecimento da língua escrita que possuem não se resume ao conhecimento das letras.

Dando sequência, a autora aborda as concepções da língua escrita e tudo que a envolve com as práticas docentes, verificando se existe a necessidade de ler antes de escrever, opinando que para que a criança compreenda este sistema precisa interpretar e produzir. O método de apresentação da escrita é outro aspecto relevante, segundo Ferreiro, devendo-se levar em consideração a sociedade num todo, uma vez que a escrita não está presente apenas dentro da escola, sendo assim as crianças têm contato com todas as letras de uma vez e não em uma determinada ordem, uma crítica direta ao método sintético de alfabetização que parte do ensinamento de letra por letra na ordem do alfabeto.

Ferreiro conclui o trabalho analisando a necessidade de enxergar a língua escrita como sistema de representação da linguagem, bem como perceber a criança não apenas como "um par de ouvidos, uma mão que pega um instrumento para marcar e um aparelho fonador", mas sim um sujeito que pensa, age e constrói. Não será um novo método a solução que se busca, mas sim a análise de como está sendo apresentada a língua escrita aos pequenos, repensando estes conceitos.

 

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