Leitura e movimentos oculares

Linguagem e Subjetividade

Leitura e movimentos oculares

12/2014

Leitura e movimentos oculares

Michele Picanço do Carmo*

A leitura é um processo multissensorial, e durante sua realização diversos processos estão envolvidos, entre eles: percepção visual, movimento ocular, associação viso-auditiva, reconhecimento auditivo, processamento fonológico, memória visual e auditiva, expressão oral e processos verbais superiores.

A leitura também é um processo dinâmico no qual os olhos realizam movimentos para extrair informações para a compreensão. Nesse momento, os olhos realizam movimentos de fixação, com períodos com olhos estáveis, examinando uma pequena área do estímulo e movimentos sacádicos ou sacadas, movimentos rápidos saltando de um ponto a outro para fixar a imagem sobre a fóvea (região central dos olhos). Esses movimentos dos olhos mudam em leitores mais ou menos eficientes, sendo que nos leitores iniciantes são observadas fixações mais longas e sacadas mais curtas, refletindo a imaturidade na leitura.

A fixação acontece somente sobre algumas palavras do texto, sendo que as palavras curtas com duas a três letras (aproximadamente 30% das palavras de um texto) são geralmente omitidas. Entre essas pequenas palavras gramaticais, constam auxiliares, pronomes, conjunções, preposições ou artigos que são quase sempre puladas. Quase todas as outras palavras essenciais de conteúdo da frase, como nomes, verbos, adjetivos, advérbios, devem ser fixados pelo olhar. Entretanto, não há fixação em cima da palavra, pois ela é “pulada” por meio de uma sacada mais longa, processo conhecido como word skipping. Nesse momento, os olhos preferencialmente fixam perto do início das palavras ou no espaço em frente a elas. Por outro lado, palavras maiores podem ser fixadas mais de uma vez. Embora nem todas as palavras sejam fixadas, todas recebem algum tipo de processamento visual, pois se as palavras não fixadas durante a leitura de uma frase forem excluídas e a frase for apresentada novamente, o texto se tornará incompreensível para esse leitor. No entanto, palavras que foram puladas podem ser lidas posteriormente através de sacadas regressivas, que consistem em movimentos sacádicos realizados no sentido oposto ao sentido da leitura. Desta forma, em línguas como o Português, em que a leitura ocorre da esquerda para a direita, sacadas regressivas são dirigidas à esquerda da fixação. Esses movimentos tem como função refixar a palavra. Servem como uma forma de conferir uma palavra que foi pulada ou que não foi compreendida. Entretanto, sacadas muito curtas em uma mesma palavra denotam um problema no posicionamento da fixação, enquanto as muito longas mostram dificuldade no processamento da palavra. Os leitores mais jovens realizam frequentemente mais refixações.

Durante a leitura fluente, sacadas movem os olhos para que a palavra possa ser centrada na retina de modo que possa ser mais processada de forma eficaz. No entanto, tanto o comprimento quanto a duração da fixação da sacada, variam consideravelmente de palavra a palavra. A localização das fixações dos olhos dentro das palavras não é aleatória, há um local de observação preferido. Os olhos dos leitores tendem a pousar em algum lugar entre o meio e o início da palavra. Além disso, para longas palavras, os leitores inicialmente fixam perto do início da palavra ou em algum lugar entre o meio e o início das palavras e, em seguida, fazem um refixação perto do fim da palavra. A análise do padrão do movimento ocular ajuda a diferenciar leitores competentes daqueles com dificuldades de leitura. Isso porque o comportamento do movimento dos olhos muda em leitores mais ou menos eficientes. Leitores menos especializados (leitores iniciantes ou pouco eficientes) normalmente têm fixações mais longas, sacadas mais curtas e fazem mais fixações e regressões do que leitores hábeis. Bons leitores têm sucesso em fazer sacadas precisamente para a parte do texto que lhes tenha causado problemas de interpretação, enquanto maus leitores fazem pequenas sacadas regressivas para encontrar o alvo de suas dificuldades.

A maior familiaridade com a palavra, assim como a maior previsibilidade contextual, leva à diminuição na duração e no número de fixações. Por isso, crianças em séries iniciais tendem a ler de forma mais lenta.
 


Referências bibliográficas:

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Michele Picanço do Carmo
Fonoaudióloga. Doutoranda em Clínica Fonoaudiológica (PUC-SP), Mestre em Clínica Fonoaudiológica (PUC-SP), Especialista em Audiologia e Disfagia pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia.

 

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