Mudanças na formação do professor: efeitos sobre a Educação Infantil e as Séries Iniciais
05/2014
Mudanças na formação do professor: efeitos sobre a Educação Infantil e as Séries Iniciais
Silvana Soares*
Ser professor no Brasil se constitui em uma profissão cuja formação tem sido permeada de percalços, devido à constantes mudanças curriculares. Segundo Saviani (2008), essas mudanças espelham aspectos históricos e teóricos do contexto educacional brasileiro, desde a independência, quando se cogitou a organização da instrução popular, até o momento atual em que as questões pedagógicas estão em articulação com as transformações que se processam na sociedade. Vejamos como as mudanças mais recentes afetaram o currículo para os segmentos: Educação Infantil e Séries Iniciais.
Segundo Cassiano (2011), em 2000 foi criado o curso Normal Superior com o objetivo de formar professores que atendessem as necessidades específicas das crianças das Séries Iniciais do Ensino Fundamental e Educação Infantil. Antes dessa data, este profissional era formado no Ensino Médio, o antigo Magistério. Inicia-se uma discussão sobre o decreto publicado em 1999, que regulamenta essa medida como obrigatória, gerando embates por cerca de um ano, pois as universidades e os centros universitários que tinham autonomia para gerir seus cursos e já ofereciam o curso de Pedagogia, se negaram a regulamentar o Normal Superior. Entendiam que o mesmo seria um retrocesso na formação do profissional da educação.
Em agosto daquele mesmo ano, depois de muita pressão, foi publicado outro decreto substituindo o termo "exclusivamente" por "preferencialmente" , o que permitia que a formação de professores de séries iniciais fosse feita tanto pelo curso Normal Superior como pelos cursos de Pedagogia. As universidades, por sua vez, habilitavam os professores para as séries iniciais sem as disciplinas específicas da Educação Infantil que permaneciam a cargo do curso Normal Superior. Consequentemente a essa mudança na legislação, os futuros professores passaram a optar pelo curso superior de Pedagogia que os habilitaria a lecionar algumas disciplinas para o ensino fundamental II (6º ao 9º anos e ensino médio), além de prepará-los para assumir cargos de gestores - coordenadores-pedagógicos, vice-diretores, diretores, supervisores - entre outros cargos.
Em 2005, com as novas Diretrizes Curriculares Nacionais que exigiram que o currículo de Pedagogia abrangesse uma formação que habilitasse o futuro professor para a docência, a gestão, a pesquisa, a avaliação de sistemas e instituições de ensino em geral e a elaboração, a execução, o acompanhamento de programas e atividades educativas, o curso Normal Superior passa a não fazer mais sentido, uma vez que terá que se adaptar às exigências curriculares do curso de Pedagogia. Não houve qualquer decreto que determinasse o seu fim, mas o fato de que este habilitava o futuro professor apenas para a Educação Infantil e para as Séries Iniciais, enquanto a Pedagogia assegurava estas mas, também, a formação para os cargos de gestão e ensino fundamental II e médio, afastou possíveis alunos e inviabilizou sua operacionalização.
São muitos os dilemas que o educador enfrenta para ser, na prática, professor em sala de aula, confrontando-se com as dimensões, social, financeira, cognitivo motora de seus discentes e com o contexto social e político da educação. Então, como sugere Saviani (2008) é urgente: “...o momento de organizar grupos de ensino nas diferentes disciplinas dos currículos escolares que aglutinem docentes das Faculdades de Educação e das outras unidades acadêmicas em torno de projetos de ensino que configuram as novas licenciaturas”. (p.152)
As constantes mudanças na legislação por meio de decretos, portarias e outras imposições político partidárias tem prejudicado, de modo geral, tanto a organização do currículo para a formação do professor como também para sua formação continuada. Saviani (2008) afirma que o fato de, em nossas universidades, prevalecer o modelo napoleônico, voltado mais para a formação do especialista e estando centrado nos conteúdos culturais-cognitivos e dispensando pouca preocupação com o preparo didático-pedagógico, favorece uma formação que se esgota na cultura geral e no domínio específico dos conteúdos da área do conhecimento correspondente à disciplina específica que irá lecionar em detrimento a toda uma prática pedagógica, ou seja, colaborou para uma certa depreciação dos aspectos pedagógicos. Nesse modelo apresentado pelo autor, ponho-me a questionar se poderia ter surgido dessa problemática referente a falta de práticas na formação do profissional, isto é, o preparo didático pedagógico das disciplinas específicas nos cursos oferecidos de Pedagogia, que motivou toda aquela ação para institucionalizar o curso Normal Superior, talvez, com o objetivo, de minimizar essa falta na formação inicial do professor? Porque para lecionar um professor especialista precisará, apenas, de uma licenciatura em sua área de conhecimento.
Saviani (op.cit) alerta-nos também para o oposto, ou seja, os riscos da formação em nível superior de professores para a Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental. A predominância do modelo pedagógico-didático e dos aspectos do conteúdo e da forma que caracterizam o processo de ensino, se contrapõem, já que por um lado, os futuros professores poderiam adquirir, nos cursos formativos de nível superior, um preparo profissional mais consistente, alicerçado em uma sólida cultura pedagógica enquanto, por outro lado, haveria o risco de que essa formação fosse neutralizada pela força do modelo dos conteúdos culturais cognitivos, em que as exigências pedagógicas tenderiam a ser secundarizadas. Isto ocasionaria uma dificuldade para atender as necessidades específicas das crianças que abrangem os segmentos infantil e séries iniciais. Um outro risco se instala quando se consagra no nível do ensino superior uma estrutura que acopla os dois aspectos do processo de ensino referidos, considerados competências de duas unidades universitárias distintas que se justapõem na tarefa de formar os novos professores. Dessa forma, o preparo pedagógico-didático fica a cargo dos Institutos de Educação e o domínio dos conteúdos específicos da área a cargo das faculdades de Pedagogia.
O que teria sido melhor para os discentes? Questões como estas se beneficiariam das discussões interdisciplinares que ocorrem em projetos como “A Alfabetização e Seus Avatares”, uma parceria CAPES/OBEDUC e Pontifica Universidade Católica em São Paulo, cujos pesquisadores são fonoaudiólogos, psicólogos e professores que, juntos, tratam de temas pertinentes à educação buscando novas discussões para as práticas didático pedagógicas.
Referências bibliográficas:
BRASIL. (1996). Lei nº. 9394/96. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
________. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Parecer nº 5/2005. Aprova as
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia.
________. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Resolução 1 /2 0 0 6. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia licenciatura. Maio de 2006.
CASSIANO, C. O que era normal ficou superior? Revista Educação-09/2011.
SAVIANI, D. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no contexto brasileiro, 2008.
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