A intervenção psicanalítica na clínica com bebês

Linguagem e Subjetividade

A intervenção psicanalítica na clínica com bebês

04/2017

A intervenção psicanalítica na clínica com bebês.

Silze Costa*

A clínica de bebês apresenta diversos desafios e nos coloca frente àqueles sujeitos na condição de infans, palavra que etimologicamente significa aqueles que ainda não adquiriram a fala, porém, de acordo com Parlato-Oliveira, (2011), o bebê apresenta formas específicas de comunicação com o outro desde o nascimento, dessa forma, não se pode reduzir o bebê a um organismo reagente aos estímulos externos.

Quando nasce um bebê, este necessita de um Outro que cuide dele, tanto para sua sobrevivência quanto para sua constituição psíquica, e nesse tempo do bebê podemos observar uma condição que confere uma “permeabilidade ao significante” (Jerusalinsky, 1984), permeabilidade essa que possibilitará que inscrições possam se fazer. “O Outro é o lugar em que se situa a cadeia do significante que comanda que tudo vai poder presentificar-se do sujeito, é o campo desse vivo onde o sujeito tem que aparecer. E é do lado desse vivo, chamado à subjetividade, que se manifesta essencialmente a pulsão”(Lacan, 1964-1988).

De acordo com Neves e Vorcaro (2010), muitas vezes encontram-se “fraturas” no tempo de estruturação subjetiva da criança, devido a dificuldades encontradas na relação com o agente cuidador. Vale ressaltar que Lacan (1969) coloca que a constituição do sujeito só se faz porque o amor, o investimento libidinal, dirigido ao bebê não é anônimo. É o desejo endereçado a esse bebê que permitirá que ele se posicione diante do outro.

Pesquisas apontam que até pouco tempo as patologias graves só podiam ser detectadas a partir de dois anos e meio da criança, porém, de acordo com BARON-COHEN e cols. (1992), já existe essa possibilidade aos 18 meses e para LAZNIK (1999), até mesmo mais cedo, aos 4 meses, onde já é possível verificar sinais de risco de autismo por meio do protocolo PREAUT, que colocará como possíveis sinais de evolução autística não somente a recusa do olhar desse bebê, mas principalmente, o fracasso do terceiro tempo do circuito pulsional, quando o bebê já poderia fazer um movimento de convocar o outro. Esses sinais mostram dificuldades no estabelecimento de uma relação com a mãe ou com quem ocupa esta função, de modo que estejam criando obstáculos à subjetivação da criança.

“É preciso aprender a ler os sinais de sofrimento do bebê, não é necessário aguardar a cristalização dos sintomas em um corpo que dá sinais de seu sofrimento para só então intervir” (Catão, I. 2016). Dessa forma, para LAZNIK (2004), o psicanalista tem o papel de intervir precocemente para que as estruturas que suportam o funcionamento do inconsciente sejam instauradas e assim o sujeito possa advir, para isso a escuta e o olhar devem estar orientados às formas expressivas do bebê, considerando-o como ser complexo dotado de competências de estar com o outro e dele interpretar suas intenções.

O analista, quando se dirige a um bebê mesmo sabendo que ali ainda não há um sujeito do inconsciente constituído, confere a esse bebê um estatuto de sujeito antes de seu advento e essa antecipação junto com a capacidade de surpreender-se do Outro primordial foi ressaltada por Laznik como essencial para a constituição do sujeito. Além disso, a fala do analista endereçada ao bebê permite que o cuidador escute que o analista está dando um lugar a esse bebê, o que pode abrir uma possibilidade de que seja feito um furo no saber desse Outro e assim também haja, nesse lugar, uma antecipação de sujeito; é nesse furo do saber do Outro, que o bebê pode se enganchar, aparecendo como sujeito. Nesse sentido da intervenção, o Outro pode (r)estabelecer o laço com o bebê. Pode-se observar que a necessidade da intervenção precoce na clínica de bebês se dá, pois o bebê já apresenta sinais de que algo não vai bem, por isso não podemos chamar de prevenção, mas sim de uma intervenção que se antecipa à estruturação psíquica.


Referências Bibliográficas:

BARON-COHEN, S.; ALLEN, J.; GILLBERG, C. (1992). “Can autism be detected at 18 months? The needle, the haystack, and the CHAT”. The British Journal of Psychiatry, 161 (6) 839-843.

Catão, I. (2016). Detecção Precoce de Sinais Clínicos de Risco para um Desenvolvimento Psíquico Sustentável. In: https://www12.senado.leg.br/institucional/programas/primeira-infancia/a….

Parlato-Oliveira, E. (2011) “A clínica de Linguagem de bebê: um trabalho transdisciplinar.” In, O Bebê e seus Intérpretes: clínica e pesquisa. São Paulo: Instituto Langage Ed., 2011.

Jerusalinsky, A.N. (1984). Psicanalise e autismo. Porto Alegre, RS: Artes Médicas. Laznik, M.-C. (1997) Rumo à palavra. Três crianças autistas em psicanálise. São Paulo: Escuta.

Lacan, J. (1964). “O Seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed, 1988.

 

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