O SILÊNCIO E A CLÍNICA FONOAUDIOLÓGICA
08/2011
O SILÊNCIO E A CLÍNICA FONOAUDIOLÓGICA
Kivia Santos Nunes*
A poluição sonora, segundo alguns estudiosos, causa stress e afeta a qualidade de vida. Porém, já imaginou o mundo em silêncio total? Será que o silêncio acalma ou incomoda? E querer dizer e não poder... Ou, se ver obrigado a silenciar certos sentidos... O silêncio, segundo Orlandi (1997), pode ser visto sob duas formas: uma que vai além da linguagem, pois o silêncio, por possuir um "caráter necessário e próprio" sem significado linear e objetivo, pode ser transformado em palavras. A outra é a movimentação de sentidos que o silêncio permite, pois ele fala, mesmo mudo, sendo tanto polissêmico como literal.
O silêncio enquanto discurso se funde com conceitos que o integram: - a polissemia, entendida aqui como a transitoriedade dos sentidos; - a singularidade posta no discurso, onde o mesmo objeto toma um novo significado quando muda o interlocutor; - e a paráfrase, movimento retrógrado ao enunciado, ou seja, é o momento em que o sujeito repensa sobre seu discurso, sobre aquilo que já foi dito, nos dando a possibilidade de inserir novos enunciados, seja para reparar algo que foi falado de forma equivocada, bem como para esclarecer o outro sobre o que foi dito.
"A linguagem empurra o que ela não é para o "nada". Mas o silêncio significa esse "nada" se multiplicando em sentidos: quanto mais falta, mais silêncio se instala, mais possibilidade de sentidos se apresenta." (ORLANDI, 1997, p. 49).
O silêncio é algo que vai além do limite da consciência, e que está, por si só, carregado de sentidos, pois revela algo da ordem do indizível.
Campista afirma que o:
"[...] lugar do mistério da palavra que não se fez disfarce e que, por total falta de tradução, permaneceu ausente, aberta a infinitos sentidos" (CAMPISTA, 2007, p. 12).
Situemos estas considerações no campo das patologias de linguagem: O que leva um sujeito a não falar? Argumentos das ciências da saúde trazem o olhar orgânico afirmando que o sujeito sem oralidade é portador de uma lesão cerebral na área responsável pela fala e, por isso, o silêncio é sinal de incapacidade. A psicanálise, entretanto, justifica a ausência de fala a partir do próprio sujeito.
O silêncio tem sido objeto de interesse da Fonoaudiologia, que tem lançado diferentes olhares e interpretações sobre ele. Nesta perspectiva, distancia-se de preceitos empíricos-positivistas, característicos de algumas vertentes da Fonoaudiologia, em que há uma redução da não oralidade a uma questão simplesmente orgânica e aproxima suas bases teóricas no sócio-interacionismo de De Lemos (1989), em que a linguagem galga caminhos mais particulares por ser algo da ordem exclusiva do humano, perpassada pela atividade psíquica. Nessa perspectiva, a ausência de oralidade não tira o sujeito da cena lingüística, desde que ele encontre interlocutores que o olhem e o escutem em um discurso que não é posto da forma habitual, nem por isso menos importante do ponto de vista terapêutico. É necessário que o fonoaudiólogo esteja atento e alce uma escuta diferenciada para seus pacientes, sem ignorar sinais de comunicação, ao contrário, dando significado a cada gesto do sujeito em sua interlocução.
A escuta clínica tem papel fundamental para o terapeuta que trabalha com a perspectiva de uma linguagem enquanto constituinte do sujeito e, portanto, subjetiva. A partir daí pode-se afirmar que o silêncio pode revelar não só questões comunicativas, mas também sintomas de um funcionamento psíquico embaraçado. Se a base para a construção da subjetividade se dá pela e na linguagem, é preciso entender o que está silenciando esse sujeito, para intervir dentro da nossa especificidade: o sintoma linguístico, buscando por meio de uma dialogia dialética, uma constante rotação, em que a linguagem e o sujeito estão intrinsecamente imbricados nessa subjetivação.
Referências bibliográficas
CAMPISTA, V.R.; TATAGIBA, V.M.O. O silêncio: multiplicidade de sentidos. SINAIS Revista Eletrônica. v. 02, p. 107-120, 2007
ORLANDI, E.P. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 4 ed. São Paulo: UNICAMP, 1997. 184p.
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