Atuação fonoaudiológica na Educação - Um fazer possível
06/2011
Atuação fonoaudiológica na Educação - Um fazer possível
Vera Lúcia de Oliveira Ralin*
A fonoaudiologia surge no Brasil na década de 1920, articulada à educação, dentro de um movimento de padronização nacional da linguagem cujo objetivo era extinguir as variações dialetais, os vícios e defeitos de fala, a começar pelas crianças.
A educação, por sua vez, passou por várias mudanças e sofreu influências políticas. A metodologia tradicional, sob a marca do Behaviorismo, visava apenas os que aprendiam, marginalizando os que apresentavam qualquer dificuldade. Na década de 70, as idéias construtivistas de Piaget são adotadas no campo da educação no Brasil, valorando-se os estágios de desenvolvimento da criança. Essa nova vertente não representou uma ameaça ao Estado mas contribuiu para a manutenção dos excluídos. Com a queda do regime militar em 1980, novas idéias sobre educação foram permitidas e começou-se a pensar na relação entre o contexto sócio-histórico e as dificuldades e fracassos na escola por influência do pensamento de Vigotsky, Leontiev e Luria.
Atualmente a fonoaudiologia se interessa pela educação visando entender as interferências que afetam o aprendizado de cada sujeito. A escola é um ambiente social propício para o letramento e a aquisição da escrita e é nessa área que o fonoaudiólogo, em conjunto com o professor, pode fazer outra leitura dos chamados erros de escrita e salientar as particularidades que atravessam a aprendizagem dos alunos.
Conto agora um pouco da minha atuação em uma escola particular da periferia de Aracaju/SE. Nessa escola acompanhei um aluno com necessidades educacionais especiais - Gabriel¹, de 5 anos - atendido pelo grupo de pesquisa da Federal de Sergipe, "A Fonoaudiologia e os sentidos das alterações de linguagem na família e os efeitos do trabalho grupal", do qual eu fazia parte.
Pude acompanhar os receios e as dúvidas que a professora tinha com relação ao processo de ensino/aprendizagem de Gabriel. Minhas visitas à escola eram semanais e tiveram a duração de um ano e meio. Inicialmente, foram destinadas a observar o comportamento da criança na escola - sua relação com professores, pares e com o processo de ensino/ aprendizagem - e a me aproximar dos vários atores ai envolvidos.
A escola alfabetiza pelo método silábico, por meio de exercícios de repetição de letras e números, com poucas atividades de leitura e escrita. A professora enfrentava as dificuldades de aprendizagem que observava no Gabriel. Juntas, eu e a professora elaboramos uma adaptação curricular para a criança em que o processo de ensino poderia utilizar atividades mais contextualizadas e que incentivassem a leitura, a escrita e a interação entre pares.
O fato de Gabriel estar em uma escola regular era relevante para o seu desenvolvimento já que naquele local estaria em contato com crianças da sua idade. Nesse espaço vivia conflitos próprios das relações sociais, situações constituintes tanto de Gabriel quanto de seus colegas.
Nos primeiros encontros, notei que Gabriel apenas se dirigia a alguém – geralmente um adulto - quando necessitava de algo e fazia uso de gestos para isso. Fora dessa situação, não interagia com seus colegas e professoras; também não respeitava as regras da escola, fazia o que queria quando bem entendia e se alguém tentasse impedi-lo reagia com agressividade, choros e birras.
Ao longo do ano, nosso investimento em Gabriel era diário, planejávamos exercícios mais contextualizados que envolviam a turma toda e complementavam o conteúdo curricular, fazíamos com que participasse de atividades coletivas. Com o passar do tempo, observamos que Gabriel começava a se adaptar ao contexto escolar: ficava mais em sala de aula, aceitava a intervenção do outro, fazia os exercícios, brincava com seus colegas, destacava-se nas atividades que envolviam números e passou a se interessar por leituras. A cada dia Gabriel mostrava que aprendia e a professora, dando-se conta desse progresso, passou a exigir-lhe atividades mais complexas.
Com os saberes compartilhados entre nós - grupo de pesquisa e a escola, avançamos na construção de novos fazeres pedagógicos. Em conseqüência, o olhar da professora sobre aquele garoto mudou.
Antes uma criança que se mantinha isolada, agora uma criança que brinca com seus colegas; antes o impossibilitado de aprender, agora um sujeito aprendente; antes uma criança que nada falava, agora alguém que cria novas maneiras de se comunicar, para além da fala.
Concluo dizendo que o rompimento de fazeres cristalizados foi essencial para o aprendizado de Gabriel, acontecimento possível a partir do trabalho colaborativo instituído junto à escola e pelas mudanças produzidas nas práticas educativas.
Colunas Anteriores
2022
-
Letícia Batista Gouveia
04/2022
A importância de um espaço de escuta aos pais de crianças autistas -
Solange Araujo
03/2022
A importância da escuta e do acolhimento aos pais frente ao adoecimento -
Bárbara Caroline Macedo
01/2022
Que lugar para os pais na clínica com crianças?
2021
-
Rafaela Joaquim Frizzo
12/2021
É preciso (re)pensar a forma de avaliar o paciente -
Juliana de Souza Moraes Mori
11/2021
A Fonoaudiologia e suas interfaces. -
Carlos Eduardo Borges Dias
10/2021
A IMPLICAÇÃO DA FAMÍLIA NA CLÍNICA DOS DESVIOS FONOLÓGICOS. -
Profa. Dra. Regina Maria Freire
09/2021
Estamos de volta com a nossa coluna mensal
2018
-
Gilberto Ferlin Filho
09/2018
COMUNICAÇÃO EM REABILITAÇÃO -
Patrícia Rocha dos Santos
08/2018
ESCUTAR OS PAIS PARA INTERVIR NAS ALTERAÇÕES DE LINGUAGEM DE CRIANÇAS ATENDIDAS NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE -
Pauline Luise von Brusky Sales da Fonseca Herbach
07/2018
PSICANÁLISE: DO TRATAMENTO DO AUTISMO AO CUIDADO COM O CASAL PARENTAL -
Daniela Iudice Rafael
06/2018
POSSÍVEIS SOLUÇÕES PARA A INSERÇÃO ESCOLAR DOS ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI -
Monica de Barros Cunha Nezan
05/2018
O QUE É QUE A CRIANÇA SABE, SEM SABER? -
Marcel Amaral Marques Ferraz
04/2018
O SUJEITO PARA A ANÁLISE DE DISCURSO (AD) -
ANANGÉLICA MORAES GOMES
02/2018
Linguagem e cognição na primeira infância -
ANA REGINA GRANER
01/2018
O grupo terapêutico em Fonoaudiologia e as questões da heterogeneidade nos usos da língua falada
2017
-
Maria Célia Delgado de Carvalho
12/2017
O sujeito nas intervenções da psicanálise nas escolas
-
Glaucineia Gomes
05/2017
Autismo, linguagem e escrita: alguns apontamentos
-
Silze Costa
04/2017
A intervenção psicanalitica na clínica com bebês
2016
-
Keila Balbinor
10/2016
Como o filme “Quando tudo começa” colabora com a reflexão sobre a gestão escolar na escola pública
-
Ivana Corrêa Tavares Oliveira
09/2016
A interlocução saúde e educação e a inclusão de estudantes com deficiência no ensino regular
-
Janaina Venezian
04/2016
Deve-se trabalhar com leitura e escrita na educação infantil?
-
Amanda Monteiro Magrini
03/2016
A inclusão dos AASI na rotina dos professores na educação especial
2015
-
Bruna de Souza Diógenes
12/2015
Programa de Estudos Pós-graduados em Fonoaudiologia da PUC-SP: análise da produção de quatro décadas
-
Profa. Dra. Regina Maria Ayres de Camargo Freire
11/2015
Algumas considerações sobre a Fonoaudiologia
-
Ivana Corrêa Tavares Oliveira
10/2015
O projeto Jogos da Cultura Popular como ferramenta de Inclusão
-
Keila Balbino
09/2015
O papel do professor no momento da alfabetização
-
Ezequiel Chassungo Lupassa
08/2015
O Marco Histórico da Alfabetização no Brasil
-
Adriana Gaião Martins
07/2015
O lúdico e a aprendizagem: Um recorte teórico
-
Janaina Venezian
06/2015
Educação impossível
-
Gisele Gouvêa da Silva
05/2015
O retorno à Demóstenes
-
Sofia Nery Liber
04/2015
O Filme "A Família Bélier" e a Psicanálise
-
Ivana Corrêa Tavares Oliveira, Sofia Lieber, Keila Balbino, Regina Freire
03/2015
“Contribuições da legislação para mudanças políticas na educação inclusiva no atual cenário educacional brasileiro”
-
Bruna de Souza Diógenes
01/2015
O Trabalho Grupal: Vislumbrando novos olhares/fazeres no processo de alfabetização
2014
-
Michele Picanço do Carmo
12/2014
Leitura e movimentos oculares
-
Sofia Nery Lieber
11/2014
Linguagem e subjetivação: sobre a natureza dessa relação
-
Bruna de Souza Diógenes
10/2014
Indicadores de Risco para os sintomas de linguagem: Interface Fonoaudiologia e Saúde Pública
-
Dayane Lotti e Adriana Gaião
09/2014
A leitura: cotidiana e motivacional
-
Ezequiel Lupassa
08/2014
Manifestações dos Distúrbios de Linguagem e da Aprendizagem
-
Regina Freire
07/2014
1ª Jornada Fonoaudiologia, Educação e Psicanálise
-
Juliana Mori
06/2014
Uma experiência na inclusão escolar de pessoas com autismo
-
Silvana Soares
05/2014
Mudanças na formação do professor: efeitos sobre a educação infantil e as séries iniciais
-
Manoela Piccirilli
04/2014
Uma reflexão sobre queixas escolares
-
Janaina Venezian
03/2014
Educação infantil e Fonoaudiologia
2013
-
Sofia Nery Lieber
12/2013
A voz não se confunde com o som
-
Dayane Lotti, Isabela Leito Concílio
10/2013
Serviço de Apoio Pedagógico Especializado (SAPE): reflexões acerca da Sala de Recursos a partir de uma experiência em uma escola da rede pública da zona norte do Estado de São Paulo
-
Cinthia Ferreira Gonçalves
09/2013
A posição do aprendiz no discurso dos professores
-
Keila Balbino
08/2013
Aluno: sujeito com conhecimentos que devem ser considerados no processo de alfabetização
-
Vera Ralin
05/2013
Aparatos tecnológicos em questão
-
Ivana Tavares
04/2013
A escrita como sistema de representação
-
Gisele Gouveia
03/2013
Semiologia Fonoaudiológica: os efeitos da sanção sobre o falante, a língua e ao outro
2012
-
Dayane Lotti; Isabela Leite Concílio
11/2012
Queixa escolar e seus fenômenos multideterminados
-
Alcilene F. F. Botelho, Eliana Campos, Enéias Ferreira, Maria Elisabete de Lima
10/2012
Alfabetização e letramento
-
Wladimir Alberti Pascoal de Lima Damasceno
08/2012
A Clínica da Gagueira
-
Cinthia Ferreira Gonçalves
06/2012
A Análise de Discurso e a Fonoaudiologia: possibilidades de um diálogo
-
Manoela de S. S. Piccirill
04/2012
A Inibição na Produção da Escrita
-
Regina Maria Ayres de Camargo Freire
03/2012
Uma segunda língua, para quem?
-
Manoela de S. S. Piccirilli
01/2012
A Inibição na Produção da Escrita
2011
-
Juliana Mori
12/2011
A escola e o bebê: é possível educar?
-
Gisele Gouvêa
11/2011
A questão da estrutura clínica em Fonoaudiologia
-
Christiana Martin
10/2011
Inclusão Escolar
-
Treyce R. C. V De Lucca
09/2011
Retardo de Linguagem: Questões Norteadoras
-
Kivia Santos Nunes
08/2011
O Silência e a Clínica Fonoaudiológica
-
Vera Lúcia de Oliveira Ralin
06/2011
Atuação fonoaudiológica na Educação - Um fazer possível
-
Cláudia Fernanda Pollonio
04/2011
Linguagem e Subjetividade: Sobre a natureza desta relação
-
Juliana Cristina Alves de Andrade
03/2011
O Sujeito e a Linguagem
2010
-
Regina Maria Freire
12/2010
A Alfabetização e seus Avatares – CAPES/INEP
-
Giuliana Bonucci Castellano
11/2010
Prancha de Comunicação Suplementar e/ou Alternativa: o uso do diário como possibilidade de escolha dos símbolos gráficos
-
Beatriz Pires Reis
10/2010
Demanda para perturbações de Leitura e Escrita, há um aumento real?
-
Fabiana Gonçalves Cipriano
08/2010
Sintomas vocais em trabalhadores sob o paradigma da Saúde do Trabalhador
-
Vera Lúcia de Oliveira Ralin
06/2010
Atuação Fonoaudiológica na Educação – Um fazer possível
-
Maria Rosirene Lima Pereira
04/2010
A clínica fonoaudiológica e o reconhecimento do falante
-
Hedilamar Bortolotto
03/2010
Transtornos Invasivos do Desenvolvimento: a clínica fonoaudiológica em questão
-
Fábia Regina Evangelista
01/2010
Indicadores Clínicos de Risco Para a Fonoaudiologia
2009
-
Gisele Gouvêa
09/2009
Coluna "Fonoaudiologia em Questão"
-
Cláudia Fernanda Pollonio
08/2009
A clínica fonoaudiológica: sua relação de escuta à fala
-
Apresentação da Coluna
06/2009
Coluna "Fonoaudiologia em Questão"