Demanda para perturbações de Leitura e Escrita, há um aumento real?
10/2010
Demanda para perturbações de Leitura e Escrita, há um aumento real?
Beatriz Pires Reis*
Nota-se, atualmente, um aumento no encaminhamento para atendimento fonoaudiológico de crianças com queixa de "problemas de leitura e escrita". Este aumento pode ser observado não só em clínicas particulares, como nas Unidades Básicas de Saúde, o que tem alarmado os fonoaudiólogos, que apontam essa demanda como questão de Saúde Pública (GARCIA, 2004; ZORZI, MENDES E MAIA, 2007; COSTA, 2006).
Como decorrência desse fato, cabe ao fonoaudiólogo indagar as origens desse suposto processo de adoecimento da escrita, levantando questões quanto a forma como a demanda tem sido identificada e sobre qual tem sido seu destino.
Alguns autores explicam a origem do problema como sendo de ordem social e cultural, relatando que há falta de estímulo e oportunidade para o "aprendizado" da leitura e da escrita; outros concordam com os primeiros e complementam afirmando haver um desencontro entre o que a escola exige e o conhecimento que os escolares têm (ZORZI, 2003; COSTA, 2006).
Deve-se chamar a atenção para o fato de que, se há uma "epidemia" de perturbações na leitura e escrita, caberia ao fonoaudiólogo discutir e propor ações frente a essa suposta calamidade, ou seja, posicionar-se diante desse alerta. No entanto, na maioria das vezes, o fonoaudiólogo não se interessa por esclarecer a escola quanto ao seu aluno, ao contrário, prefere alinhar-se a esta, sendo mais um a preocupar-se com os aspectos formais da escrita. Como contraponto, há autores que defendem a ocorrência de erros durante o processo de alfabetização como correlatos ao próprio processo e não como sintomas de perturbações de leitura e escrita (PEREIRA, 2003; DAUDEN E MORI-DE ANGELIS, 2009).
Apesar de toda a discussão decorrente do tema, não encontramos na literatura diferenciação entre o que seriam "erros" da ordem do patológico e os que indicariam a passagem do aluno pelo processo de alfabetização. Uma vez que a observação recaia sobre os erros, ou seja, sobre os fenômenos tomados em si, fica afastada a possibilidade de diferenciar a descrição pedagógica de um acontecimento da análise fonoaudiológica de um sintoma.
Isto porque a atração pelo fenômeno afasta de cena o elemento fundamental do trabalho clínico: o sujeito e sua singularidade. Ou seja, passa ao largo da história simbólica do sujeito em sua relação com a leitura e a escrita, ignorando sua trajetória, para sempre marcada na grafia e/ou na leitura.
Doar sentido a essas marcas poderia ser o primeiro passo na diferenciação de que sujeito se trata: se o da Fonoaudiologia, o da Pedagogia ou o de outra ordem, para, a seguir, constituir um diagnóstico diferencial, e dar uma direção ao tratamento clínico.
Referências Bibliográficas
Costa PG. Oficina de Linguagem na Saúde Coletiva:uma experiência de atuação fonoaudiológica [dissertação de mestrado]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2006.
Dauden ATBC, CC Mori-de Angelis. Linguagem Escrita: Quando se Escreve, como Fazê-lo e para quê? In: Junqueira P, Dauden ATBC. Terapia Fonoaudiológica: Práticas e Aspectos Atuais. Rio de Janeiro: Revinter; 2009. p.189.
Garcia ALM. Fonoaudiologia e Letramento. In: Dauden ATBC, Mori-de Angelis CC (Orgs.) Linguagem Escrita: Tendências e Reflexões Sobre o Trabalho Fonoaudiológico. São Paulo: Pandcast; 2004. p 15-35.
Pereira CA. Assessoria Escolar Fonoaudiológica: sob o efeito da escrita e sua aquisição. [dissertação de mestrado]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2003.
Zorzi DS, Mendes VLF, Maia SM. As dificuldades de aprendizagem sob a perspectiva da escuta fonoaudiológica e do olhar dos profissionais da Educação: construindo possibilidades de intervenção. São Paulo, PUC, 2007 - sbfa.org.br - http://www.sbfa.org.br/portal/anais2008/resumos/R0328-2.pdf Citado em 11/06/2010
Zorzi JL. Aprendizagem e distúrbios da linguagem escrita. Porto Alegre: Artmed, 2003.
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