A clínica fonoaudiológica e o reconhecimento do falante
04/2010
A clínica fonoaudiológica e o reconhecimento do falante
Maria Rosirene Lima Pereira*
Na clínica fonoaudiológica, o compromisso que funda a interação fonoaudiólogo-sujeito, está em reconhecê-lo como falante. Tal reconhecimento torna-se possível de diversos modos, mas parece que o ato de permissividade para o uso da fala, independentemente do modo de uso da língua ou do tipo de sintoma de linguagem, é o que permitiria ao fonoaudiólogo reconhecer o sujeito como falante. Cabe esclarecer que a noção de reconhecimento do falante, encontra suas bases no interior de uma estrutura - dos sintomas de linguagem - formada por “múltiplos estratos e interestratos sucessivos e superpostos divididos em três eixos verticais (língua, fala e escrita) e três eixos horizontais (sujeito, sanção do outro, metáfora e metonímia) que operam por contradição, oposição e diferença”. (Gouvêa, 2007).
A noção de estrutura implica que as operações que ocorrem por contradição no interior dos estratos e interestratos se dão a partir do paradoxo temporal da diacronia (que se vale por combinações sucessivas dos elementos lingüísticos) e da sincronia (que se constitui por elementos lingüísticos sucessivos que se substituem). A operação por diferença é determinada pela teoria de valor, a qual pressupõe que um termo só adquire seu valor, porque se opõem aos termos que o antecedem ou àqueles que o sucedem. (Saussure, 1916). Enquanto que, a operação por oposição decorre “da escolha entre dois termos de uma oposição que apresenta uma propriedade específica diferencial em divergência com as propriedades de todas as demais oposições” (Jakobson, 1954).
Vale ressaltar que esses estratos não são hierárquicos, mas simultâneos, visto que o aparecimento dos sintomas de linguagem pode ocorrer ou no estrato da escrita, ou no da língua ou no estrato da fala. O estrato da escrita é marcado pelo traço – “lógica de inscrição do significante no corpo”, e caracterizado pela alienação à fala do outro; o estrato da língua existe a primazia do código lingüístico num movimento de separação entre a fala do sujeito e a fala do outro, enquanto que o estrato da fala é marcado pelo jogo do diálogo que é estabelecido entre quem fala e quem escuta (Gouvêa, Freire e Dunker, 2009).
Nesse sentido, aposta-se na dimensão clínica e estrutural dos sintomas da linguagem para dar ao sujeito o estatuto de falante sem confinar seu funcionamento de linguagem a um rótulo patologizante submetido à ordem biopsicosocial ou explicar seu funcionamento na linguagem através da relação direta com um corpo orgânico formado por um par de orelhas, um cérebro ou uma boca. O corpo que entra em questão na clínica da subjetividade faz relação com uma estrutura de linguagem e de fala e, portanto, não caberiam referências à cura da fala do paciente a partir de exercícios motores com a finalidade de corrigi-la, adequá-la, habilitá-la ou reabilitá-la.
A práxis fonoaudiológica alicerçada pelos pilares estruturais e subjetivos se faz a partir da lógica dialogal entre aquele que fala e aquele que escuta. Desta forma, dá-se reconhecimento ao corpo falante o qual é atravessado e submetido às leis da língua abrindo espaço para as mudanças subjetivas que acontecem na clínica fonoaudiológica.
Referências Bibliográficas:
ARAÚJO, M. L. B. Atendimento em grupo na Fonoaudiologia: Feitos e (d)efeitos. Dissertação (Mestrado) – PEPG em Fonoaudiologia, PUCSP. São Paulo, 2010.
BORTOLOTTO, H. Linguagem e Subjetividade: estudo de caso de uma criança com Síndrome de X Frágil. Dissertação (Mestrado) – PEPG em Fonoaudiologia, PUCSP. São Paulo. São Paulo, 2008.
CASTELLANO, G. B. Adolescentes com Paralisia Cerebral: Estudo de Casos Clínicos. Dissertação (Mestrado) – PEPG em Fonoaudiologia, PUCSP. São Paulo, 2010.
FREIRE, R.M. Sobre o objeto da fonoaudiologia. Texto apresentado no II seminário introdutório promovido pela Faculdade de Fonoaudiologia da PUC-SP, 1996.
.___________ A fundação da clínica fonoaudiológica. Trabalho inédito apresentado no 9o. Congresso de Fonoaudiologia de Guarapari, 2002.
GOUVÊA, G. ; FREIRE, R. M ; DUNKER, C. Sanção em Fonoaudiologia, um modelo para organização dos sintomas de linguagem. 2009, (no prelo).
JAKOBSON, R. Dois Aspectos da Linguagem e Dois Tipos de Afasia. Lingüística e Comunicação. São Paulo: Cultrix. (1954-1975).
SAUSSURE, F. Curso de Lingüística Geral. C. Bally e A. Sechehaye (orgs.). São Paulo: Cultrix. (1916-2006).
SILVA, G. G. Por uma multiestratificação estrutural dos sintomas de linguagem. Dissertação (Mestrado) – PEPG em Fonoaudiologia – PUCSP, São Paulo, 2007.
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