Sintomas vocais em trabalhadores sob o paradigma da Saúde do Trabalhador
08/2010
Sintomas vocais em trabalhadores sob o paradigma da Saúde do Trabalhador
Fabiana Gonçalves Cipriano*
Historicamente, na Fonoaudiologia, a relação entre o trabalho e a formação de sintomas vocais entre os trabalhadores está pautada, prioritariamente, nos paradigmas da Medicina do Trabalho e da Saúde Ocupacional. Assim, o foco de atenção do fonoaudiólogo volta-se, com exclusividade, para a produção da voz (seja por seu uso excessivo e/ou inadequado) e para o mapeamento de riscos presentes no ambiente laboral (propondo-se a redução ou eliminação isolada destes).
Contudo, o que parece escapar a este modelo diz respeito à complexidade da organização do processo de trabalho. A este propósito, estudos realizados no campo da Fonoaudiologia (FERREIRA et al., 2003; FERREIRA e BENEDETTI, 2007; PENTEADO e PEREIRA, 2007; SERVILHA e PEREIRA, 2008; GIANNINI, 2010) reconhecem que o adoecimento vocal, entre os trabalhadores, mostra-se, inclusive, relacionado às adversidades presentes na organização do trabalho. Encontra-se um exemplo particularmente eloquente, de tal vinculação, na pesquisa de CIPRIANO (2010), realizada junto a um grupo de agentes comunitários de saúde, na qual foi confirmada associação significativa entre a formação de sintomas vocais (sendo os mais citados: garganta seca, cansaço ao falar e ardor na garganta) e aspectos relacionados à organização do trabalho.
Neste contexto de reflexão crítica, torna-se desejável oferecer à Fonoaudiologia uma segunda possibilidade de conceber e intervir no processo de adoecimento vocal dos trabalhadores; uma perspectiva teórico-metodológica, que contemple aspectos mais amplos da organização do processo de trabalho. Assim, nos é dito que:
A abordagem da Saúde Coletiva e da Medicina Social Latino-Americana permitiu ampliar a compreensão teórica e prática, em vários níveis de complexidade, das relações entre o trabalho e a saúde com a incorporação do conceito nucleador “processo de trabalho”, extraído da economia política, na sua acepção marxista. Esse conceito passou a ser o marco definidor do que denominamos Campo de Estudos da Saúde do Trabalhador (LAURELL e NORIEGA, 1989; LACAZ, 1996; MINAYO-GOMEZ e THEDIM-COSTA, 1997) e, quando o adotamos em toda a sua extensão teórica, obtemos um alto poder explicativo da gênese dos agravos à saúde em segmentos específicos de trabalhadores. A análise dos processos de trabalho é uma ação teórico-prática potente, pois permite identificar as transformações necessárias a serem introduzidas nos locais e ambientes para a melhoria das condições de trabalho e saúde. No entanto, o seu uso sempre requer um tratamento interdisciplinar que dê conta de contextualizar e interpretar a interseção entre as relações sociais e técnicas que ocorrem na produção, assim como, de considerar a subjetividade dos vários atores sociais nelas envolvidos. (MINAYO-GOMEZ e LACAZ, 2005, p. 799) [grifo nosso]
Nesta perspectiva, o foco de atenção do fonoaudiólogo volta-se, inclusive, para a forma como é organizado o processo de trabalho; o adoecimento vocal, entre os trabalhadores, passa a ser apreendido na relação entre os diferentes aspectos que predispõem a formação de sintomas vocais (CIPRIANO, 2010). Deste modo, com base no conceito “processo de trabalho” (MINAYO-GOMEZ e THEDIM-COSTA, 1997), situações adversas, que se apresentem no domínio das relações e da gestão – hierarquias; estruturas de comando; condição de interação entre chefias e pares; ritmo; jornadas; pausas; sobrecarga; violência, entre outras (CEREST-SP, 2006; SANTOS-FILHO SB, 2007), são reconhecidas, pelo fonoaudiólogo, na medida em que suas repercussões, coexistindo (ou não) com aspectos de natureza individual e biológica, somadas a condições adversas do ambiente, contribuem para o adoecimento vocal dos trabalhadores.
Não é, evidentemente, o propósito deste texto vasculhar tal questão, na ânsia de descobrir todos os seus elementos. Em síntese, o que se pretende é, tão-somente, oferecer à Fonoaudiologia uma aproximação com a Saúde do Trabalhador, campo que possibilita um olhar ampliado para os modos de organização do processo de trabalho, e suas possíveis repercussões no bem-estar vocal dos trabalhadores.
Referências bibliográficas
CEREST-SP – Centro de Referência em Saúde do Trabalhador do Estado de São Paulo. Distúrbios de voz relacionados ao trabalho [boletim epidemiológico paulista nº 26]. São Paulo; 2006. [acesso em: 15 de março de 2010] Disponível em: <http://www.cve.saude.sp.gov.br/agencia/bepa26.html>.
Ferreira LP, Karmann DF, Silva EEH, Figueira S, Giannini SPP, Souza TMT. Condições de produção vocal de professores da prefeitura do município de São Paulo. Distúrb Comun. 2003; 14(2): 275-308.
Ferreira LP, Benedetti PH. Condições de produção vocal de professores de deficientes auditivos. Rev CEFAC. 2007; 9(1): 79-89.
Penteado RZ, Pereira IMTB. Qualidade de vida e saúde vocal de professores. Rev Saúde Pública. 2007; 41(2): 236-43.
Servilha EAM, Pereira PM. Condições de trabalho, saúde e voz em professores universitários. Rev. Ciênc. Méd. 2008; 17(1): 21-31.
Giannini SPP. Distúrbio de voz relacionado ao trabalho docente: um estudo caso-controle [tese de doutorado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP; 2010.
Cipriano FG. Relação entre distúrbio de voz e trabalho em um grupo de Agentes Comunitários de Saúde do município de São Paulo. [dissertação de mestrado]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2010.
Minayo-Gomes C, Thedim-Costa SM da F. A construção do campo da saúde do trabalhador: percurso e dilema. Cad. Saúde Pública. 1997; 13(2): 21-32.
Minayo-Gomez C, Lacaz FA de C. Saúde do trabalhador: novas-velhas questões. Ciência e Saúde Coletiva. 2005; 10(4): 797-807.
Santos-Filho SB. Um olhar sobre o trabalho em saúde nos marcos teórico-políticos da saúde do trabalhador e do humanizaSUS: o contexto do trabalho no cotidiano dos serviços de saúde. In: Santos-Filho SB, Barros MEB de, organizadores. Trabalhador da saúde: muito prazer! Protagonismo dos Trabalhadores na Gestão do Trabalho em Saúde. São Paulo: Ijuí; 2007. p. 73-96.
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