A Fonoaudiologia e suas interfaces

Linguagem e Subjetividade

A Fonoaudiologia e suas interfaces

11/2021

A Fonoaudiologia e suas interfaces

* Juliana de Souza Moraes Mori

A prática fonoaudiológica teve seus primeiros indícios de surgimento em meados dos anos 20. Nesta época, conhecida historicamente como o “Estado Novo”, o Brasil teve muitos imigrantes que se transportaram para as regiões que tinham maior potencial de desenvolvimento social. No entanto, com isso, começaram a surgir diferenças articulatórias na população. Diante disto e com intuito de promover a modernização, idéias igualitárias passaram a direcionar as práticas vigentes neste período. Práticas estas que abarcavam todos os setores de relações sociais. Neste contexto, portanto, a presença de uma variação dialetal começou a fazer diferença e ser marca de diferenciação social. “Era preciso impor uma forma reconstrução social como uma forma de modernização e progresso do país, e as práticas de normalização da língua fizeram parte do projeto de construção de um Estado Nacional: o Estado Novo.” (BERBERIAN, 1995, p. 13). Desta maneira, “foi com o objetivo de atrelar práticas homegeneizadoras e disciplinadoras da língua a um discurso-técnico científico que os profissionais que atuavam na avaliação e tratamento dos distúrbios da comunicação passaram a ter um status de especialistas.” (BERBERIAN, 1995, p. 14) Na década de 30, doutores em Psicologia, sob forte influência das experiências de Skinner e das teorias de Piaget, que estudavam a comunicação humana, fundaram a primeira escola americana de Fonoaudiologia (BERBERIAN, 1995, p. 33) Já no Brasil, os primeiros cursos de Fonoaudiologia originaram-se na década de 1950, no Rio de Janeiro/RJ e na década de 1960, em São Paulo. Os primeiros profissionais a exercerem a Fonoaudiologia nas décadas de 40 e 50 foram os “ortofonistas”, que faziam a “correção” da fala. Estes, eram professores – formados por 3 magistérios – que faziam cursos de curta duração de aproximadamente 3 meses e se habilitavam a trabalhar com os ditos “distúrbios da comunicação”. Denominavam-se, também, Terapeutas da Palavra ou Logopedistas. A partir desse momento, os fonoaudiólogos passaram a sistematizar suas práticas, respaldados pela academia. Cabe enfatizar que, neste momento, praticamente 100% dos recursos científicos (livros, teses, artigos e dissertações) disponíveis para o fonoaudiólogo em formação e que respaldavam o raciocínio do estudante desta profissão eram livros advindos da medicina, da educação e, um pouco mais tarde, da lingüística e da psicologia. A profissão do fonoaudiólogo nasceu ligada à atividade pedagógica do professor, a práticas disciplinadoras da linguagem. Mas, o caráter reabilitador exigiu maior aproximação da área médica. Em São Paulo/SP, os primeiros cursos de graduação em “Logopedia” foram organizados por médicos e psicólogos, na Universidade de São Paulo - USP (1960) e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP (1961), cuja influência médica determinou característica eminentemente clínica aos profissionais. O primeiro curso foi criado junto à medicina, mas exigia que os candidatos tivessem formação como professor e, preferencialmente, ligada a crianças excepcionais. O segundo surgiu para auxiliar a Psicologia a dar soluções aos problemas escolares. Ambos os cursos se desenvolveram dentro da clínica. Podemos dizer que a Fonoaudiologia teve seu início bastante ligado à Educação e a Medicina. Não por acaso, portanto, sua prática está intimamente ligada aos pressupostos destas duas ciências. Já em meados dos anos 70, a Lingüística passa a ser nosso mais atraente interlocutor. Encontramos nesta, uma ciência que se detém aos estudos da linguagem e que prima por teorizar e descrever o seu funcionamento – artifício este que nos foi 4 válido e nos ajudou a construir técnicas de intervenção e a nos direcionar a uma certa compreensão sobre os problemas de linguagem, justamente o foco de ação do fonoaudiólogo. Com ciência, a Fonoaudiologia, num primeiro momento, se aproxima de estudos formalistas da linguagem e, a partir da década de 80, dos estudos sociointeracionistas e interacionistas, cujo principal representante no diálogo com a Fonoaudiologia, é o trabalho e a proposta de Cláudia De Lemos. Berberian em 2007 afirma: “A medicina, a lingüística, a psicologia e a educação por contarem com uma ciência teórico-prático exercem uma influência direta na identidade do fonoaudiólogo. Os pressupostos que sustentaram e continuam sustentando práticas fonoaudiológicas foram, inicialmente, sistematizados por essas áreas, abrindo caminho, aliás, para o processo de constituição de um ramo especializados no tratamento dos chamados distúrbios da comunicação” (BERBERIAN, 2007, p.23-24) No entanto, a falta de uma disciplina que circunscrevesse as questões singulares que emergiam durante os atendimentos nos impulsionou ao encontro com a Psicanálise. Buscamos, nesta interface, eixos que nos permitissem compreender a experiência clínica e intervir desde uma referência de base. Com isso, a partir dos anos 90, a Psicanálise se apresenta aos estudos da linguagem, infere na Fonoaudiologia e possibilita uma revisão no método clínico terapêutico fonoaudiológico. Desta interface emergiram transformações na identidade do fonoaudiólogo, associadas a rupturas com seus principais paradigmas teóricos; num processo em que as concepções de linguagem, sujeito e sintoma são ressignificados, justamente por serem os eixos principais desse campo interdisciplinar.

Referências
BERBERIAN, A. P. Fonoaudiologia e educação: um encontro histórico, Plexus, São Paulo, SP, 1995.
_____________. “Linguagem, escrita e subjetividade: implicações do trabalho grupal, 2007.

 

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