Linguagem e subjetivação: sobre a natureza dessa relação

Linguagem e Subjetividade

Linguagem e subjetivação: sobre a natureza dessa relação

11/2014

Linguagem e subjetivação: sobre a natureza dessa relação

Sofia Nery Lieber*

O tema aquisição de linguagem nos exige articular muitos conceitos e áreas diferentes, uma vez que a fala de crianças passa por muitas mudanças nos primeiros anos de vida, colocando enigmas e obstáculos aos estudiosos desse campo.

Diferentemente de outros animais, o ser humano se constitui na e pela linguagem, sendo por meio dela, capaz de se interrogar sobre o mundo, transformando-o. Alguns estudiosos acreditam que a linguagem humana é diferente da comunicação animal porque: se refere às coisas na ausência delas, falamos sobre o passado e o futuro, de coisas imaginadas e impossíveis de serem realizadas.

Para o Interacionismo em aquisição de inguagem, cuja principal represnetante é Claudia De Lemos, a linguagem divide o Homem, estruturando dois sistemas que nele operam: o inconsciente e o consciente. Isso ocorre na relação entre o bebê, seu cuidador e a linguagem, que é anterior a eles. Levando em conta que os laços sociais entre os homens acontecem por meio da linguagem, que organiza o mundo e a cultura humana e que há um grande desamparo do ser humano em seu nascimento, já que ele não consegue fazer praticamente nada sozinho, é nos cuidados diários dele por um adulto (na hora da alimentação, do banho, das brincadeiras, etc) geralmente a mãe ou quem faz a função materna, que ele vai sendo lido, interpretado e antecipado como um sujeito pelo Outro.

É dessa forma e nesse contexto que há a passagem do organismo biológico à cultura ou ao registo simbólico/linguagem. Em outras palavras, é nesse contexto que o grito, os sorrisos, olhares e movimentos do bebê são interpretados, tendo como base as experiências vividas, crenças e valores do agente cuidador, que elege, inconscientemente, alguns significantes que irão representar o bebê para ele nas mais diversas interações cotidianas. De acordo com Vorcaro (1997), “o campo simbólico (linguagem) que precede o neonato recorta sua condição de real ao torná-lo representável no campo do semelhante”.

Para a Psicanálise Lacaniana e para De Lemos (1992), a linguagem, sempre anterior ao infans, o captura e aliena, fazendo-o perder o puro vivente, o organismo puramente orgânico e suas necessidades, dividindo-o entre o real do corpo e a demanda, sempre suposta, que vem de fora, do Outro, já que é ele quem interpreta esse organismo recém-nascido. Essa ideia de organismo puramente biológico será recalcada, esquecida e é isso que irá dividir o ser humano entre a consciência e o inconsciente. Recalque, para a Psicanálise, é uma ideia ou sensação que foi esquecida pela consciência porque era desagradável, proibida, incômoda, mas que continua presente, no inconsciente, e aparece em nós de forma velada e distorcida nos sonhos, lapsos, chistes e atos falhos.

Em um dado momento, nos cuidados com o bebê, o adulto se antecipa ou demora a interpretar as manifestações do bebê e a atendê-las, de modo que isso instaura uma falta, uma perda de algo que não conseguimos nomear exatamente. O bebê percebe que não é o que completa esse outro e percebe que o outro também é faltoso, por estar submetido às leis da linguagem e terá que fazer uma escolha entre continuar submisso às interpretações, continuar a ser o que falta ao outro ou se separar dele, o que nunca acontece de forma total e completa, interpretando as coisas do seu modo, mesmo tendo como referência as pessoas de seu convívio e o que elas falam.

Portanto, existe uma forte relação corpo-linguagem no ser humano e ela é permeada de conflitos e angústias, já que “a hiância real, que faz do grito um significante do apelo no sujeito inconstituído, e da resposta um significante que não basta, torna o apelo claudicante e abre assim a realidade à significação da coisa” (Vorcaro, 1997). Essa significação que só acontece no campo da linguagem e por meio dela, nunca sendo fixa, havendo sempre ambiguidades, equívocos e mal-entendidos, tendo sempre, consequentemente, que ser suposta e portanto interpretada, a depender das relações entre as diversas significações que nos rodeiam a todo instante.
 


Referências Biliográficas:
Vorcaro, A.M.R. Sob a vigência da linguagem: uma aproximação à clínica psicanalítica de crianças. Tese de Doutorado. IEL-UNICAMP, 1997.
Sofia Nery Liber é Psicóloga e Psicanalista, mestranda em Fonoaudiologia pela PUC-SP, na linha de pesquisa de Linguagem e Subjetividade

 

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